Texto "Não Só Para Inglês Ver" I

 

NÃO SÓ PARA INGLÊS VER

 

1 -  Entre 1810 e 1826, uma série de tratados foi firmada com o governo britânico, muito a contragosto de portugueses e brasileiros (especialmente a elite diretamente ligada aos negócios da escravidão).

 

Nessa época foram criadas as comissões mistas de julgamento e o direito de abordar as embarcações. Em vez de diminuir, o comércio aumentou, mesmo já existindo proibição parcial....

 

2 - O “liberalismo à brasileira” não dava vida fácil mesmo aos libertos, que tinham que “conviver com o drama de poderem ser confundidos com escravos fugitivos, sendo sujeitados a toda sorte de arbitrariedades caso não apresentassem provas de sua liberdade”.

 

3 - Em 1826 houve um “ultimato” de quatro anos pra preparar o fim do tráfico.  Em 7 de novembro de 1831, o governo regencial do Império (o imperador Pedro I havia abdicado do trono em 7 de abril do mesmo ano) promulgou lei específica confirmando a proibição do tráfico, além de declarar a liberdade de todos os escravos africanos ilegalmente trazidos para o país a partir daquela data (CONRAD, 1978, p. 32).

 

Pela lei, importador se enquadrava no Código Criminal e pagava multa. Além de haver recompensas pra quem denunciasse algum caso.

 

Tudo estaria certo se a legislação fosse comprida, mas não foi.” (Isso devia ser o nome de um livro sobre as poucas boas leis aprovadas no Brasil. Escrevi coisas parecidas sobre direito urbanístico). “O corpo de funcionários do Estado responsáveis pela apreensão e julgamento dos contrabandistas era em grande medida formado por proprietários escravistas ou correligionários políticos a estes.” Conivência meio que total.

 

4 - A Lei Eusébio, em 1850 (mais ou menos) quando a Inglaterra endureceu de novo pro nosso lado), apesar de efetiva, tinha o seguinte problema:  a anistia aos antigos traficantes e a consequente conivência com o crime da escravização de milhares de africanos introduzidos ilegalmente no Brasil”.

 

5 - O problema para os proprietários é que ala radical do movimento abolicionista passou a usar a lei Feijó (1831) pra defender a liberdade do imenso número de escravos que entraram entre as duas leis.

 

Para alguns dos magistrados encarregados de julgar esse tipo de processo o caso era no mínimo perturbador. Uma decisão favorável a um escravo africano que tivesse chegado ao país ilegalmente poderia gerar um efeito cascata. Se os africanos introduzidos no país após 1831 eram todos livres, automaticamente seus descendentes também seriam. Sendo assim, a escravidão não seria apenas imprópria, imoral ou ilegítima, mas completamente ilegal.O então estudante Rui Barbosa, de 1869, era um dos que defendiam isso baseado na Feijó. Esse argumento usado ao fim do Segundo Reinado era uma bomba jurídica, já que boa parte dos escravos eram descendentes dessa galera “importada ilegalmente’. Advogados passaram a se identificar com a causa e as ações cíveis e criminais contra senhores foram se tornando comum. O início da década de 1880 foi o ápice das ações de liberdade, baseadas na Feijó. Até alguns magistrados simpatizavam com a coisa..

 

6 - Os abolicionistas que lutavam no campo do direito manifestaram, em jornal próprio, buscar estatísticas e montar comissões em vários Estados do Centro-Sul para tentar viabilizar ações de liberdade para pessoas que podiam ser beneficiadas pela Lei Feijó.

 

7 - Já em 05 de maio de 1884, as mesmas páginas da Gazeta da Tarde estamparam a notícia do aparecimento do Clube Sete de Novembro (justamente a data de promulgação da lei Feijó), agremiação disposta a defender nos tribunais o direito dos escravizados “pela condição natural de todo ser humano e pela força da lei que aboliu o tráfico”. Fundado nas dependências do jornal de José do Patrocínio e dirigido inicialmente por uma “comissão organizadora” nomeada pela Confederação Abolicionista…

 

8 - Grinberg vai observar que a maioria dos advogados que atuavam nas ações de liberdade queriam mais vencer e exercitar a arte do convencimento do que propriamente defender um ideário político. Tanto é que muitos defendiam, noutras ações, o outro lado. (e eu achando que era uma galera massa…). Porém, havia os “Luiz Gama” da vida, claro. “ também existiram aqueles que se esforçaram para imprimir suas escolhas políticas nos processos em que atuavam, como observado por Chalhoub e Elciene Azevedo.

 

9 - Isto aqui é massa pra pensar o futuro: “Para Elciene Azevedo, toda movimentação nos tribunais estava “em diálogo direto com as reivindicações e aspirações que, das senzalas ou das ruas, os próprios escravos formulavam” (AZEVEDO, 2003, p. 71). De um lado os escravos miravam-se nas experiências de vários de seus “colegas” de cativeiro que demandaram e conseguiram sua liberdade nos tribunais, muitas vezes auxiliados por advogados abolicionistas que, por sua vez, politizavam ainda mais as ações dos escravos, inclusive tornando-as públicas, o que possibilitava a disseminação das possibilidades que o meio jurídico oferecia para aqueles que queriam deixar o cativeiro”

 

10 - O “solicitador” da liberdade tinha que ser alguém livre, não necessariamente um advogado, mas era bom que o fosse, pra já ir pensando a estratégia. Após a solicitação, o juiz nomeia um curador (advogado) pra defender o escravo (alguns conseguiam que o curador fosse já o advogado solicitante) e o depósitário legal enquanto rola o processo de alforria.

 

11 - Havia possibilidade de recursos e os processos demoravam anos.

 

12 - Os argumentos das ações de liberdade variavam. Ao que entendi, nem todo mundo era “pela Feijó”. Sobre o “Foro de Ouro Preto” (capital de Minas Gerais): “A compra de alforria através do arbitramento judicial foi a mais utilizada pelos escravos nos processos analisados. No total, foram impetradas 24 ações de liberdade onde os escravos manifestaram o interesse de adquirir sua liberdade através do pagamento de uma indenização ao seu senhor, uma clara consequência do reconhecimento do pecúlio que veio com a lei de 1871. Mas o que realmente impressiona com relação aos argumentos utilizados nos processos é a grande concentração de ações impetradas no curto período de 1886 a 1888, por escravos que se diziam africanos importados após a promulgação das leis de proibição do tráfico”: O texto atribui ao auge da atuação dos abolicionistas organizando, resgatando os argumentos “radicais” do fim da década de (18)60. Ou seja, indicio de que eram numericamente relevantes.

 

13 - Tinha advogado participando até de sociedade abolicionista que “agia nas sombras, auxiliando os escravos fugidos que chegavam à capital nos últimos anos da escravidão”.

 

14 - Também usavam os jornais, publicando sentenças favoráveis. “Ao divulgarem e discutirem a lei de 1831 nos jornais, os abolicionistas tinham a clara intenção de encorajar os bacharéis também simpáticos à ideia da abolição a patrocinarem esse tipo de causa, mais ainda, fazendo com que a notícia sobre a lei reverberasse pelo boca a boca das ruas, muitos africanos poderiam tomar ciência de seus direitos, procurando a justiça em busca “de sua antiga e natural liberdade

 

15 - As páginas finais do texto se dedicam mais a traçar o quadro político de Ouro Preto nos últimos anos pré-abolição e como até político conservador acabou se inclinando pela causa com o barulho dos abolicionistas.

 

(continua...)

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