Filosofia - Textos Diversos XIV - Milagres, a Historia e a Ciência Uma Análise do Argumento de Hume

 

Eduardo Chaves - Milagres, a Historia e a Ciência Uma Análise do Argumento de Hume:

270 - Argumento de Hume contra os milagres:  Seu principal argumento é que, mesmo que milagres sejam possíveis, e ainda que tenham realmente ocorrido, uma pessoa sábia e instruída (ou racional), cujas crenças são proporcionais à evidência existente para estas crenças, nunca terá razões suficientemente fortes para acreditar que tenham ocorrido (2). Em outras palavras, milagres não são impossíveis: são meramente "incríveis".

271 - … Não estarão, contudo, os historiadores seculares agindo arbitrariamente quando aceitam a evidência de que Jesus de Nazaré tenha vivido e não aceitam a evidência de que ele tenha realizado milagres e sido ressuscitado dos mortos, quando a evidência, pelo menos do ponto de vista quantitativo, é basicamente a mesma? Ao não acreditar nos milagres e na ressurreição de Jesus, não estarão eles deixando de ser sábios e racionais, por não proporcionarem suas crenças à evidência existente? Não. Alguns fatos pedem mais evidências.

272 - As coisas que Hume fala não me parecem tão diferentes do que outros iriam propor muito tempo depois: "Sabe-se que alguns eventos", diz ele, "têm aparecido em conjunção constante em todos os lugares e em todas as épocas; sabe-se, também, em contrapartida, que outros eventos têm sido mais variáveis, às vezes desapontando as nossas expectativas. Assim sendo, em nossos raciocínios acerca de questões de fato há todos os graus imagináveis de certeza, desde a mais elevada até a pior espécie" (IHU, p. 118). Nestes casos em que temos experiência de "contrariedade de causas e efeitos", não devemos culpar a experiência de se nossas expectativas são frustadas, pois a própria experiência nos adverte de que a conjunção não é uniforme (cf. IHU, p. 118). O que temos aqui não é prova, mas sim maior ou menor probabilidade, dependendo das circunstâncias (cf. IHU, pp.69 sqq. 118).

273 - "Quanto mais a afirmação da ocorrência de um fato conflita com a experiência prévia, tanto mais completa deve ser a evidência que porventura possa justificar a crença em sua ocorrência."

274 - ...Se o que elas relatam contraria sua experiência do curso da natureza, o historiador não só pode, como deve, não acreditar nelas.

275 - Há perigos nesse ceticismo empirista: Heródoto, por exemplo, registra o relato da circunavegação da África, mas se recusa a acreditar nele, pois continha um fato que lhe parecia incrível por não ter analogia em sua experiência. Gibbon, também, embora confrontado com evidências bastante forte, não acreditou que alguns confessores fossem capazes de falar depois de lhes haverem sido cortadas as línguas. Ele estava certo, naquela época, em não acreditar, porque o fato não tinha analogia em sua experiência. Aparentemente, porém, pesquisas científicas posteriores comprovaram que uma pessoa ainda pode falar mesmo depois de total excisão de sua língua.

276 - … O jeito seria esperar a revisão científica da coisa.

277 - Critica-se Hume no sentido que rejeitar coisas novas e absolutamente impensáveis à experiência prévia barraria inclusive progressos científicos importantes. Só que milagres não são experimentos científicos, pois geralmente não podem ser repetidos ou provados. Só devem ser levados a sério, historicamente (e essa é a questão), se o paradigma científico atual (estou usando esse termo) for compatível com a coisa. Se algo não pode ser repetido, já era.

278 -  Relatos históricos que afirmam ter ocorrido um evento para o qual não há analogia em nossa experiência não tem força suficiente para falsificar as "leis da natureza" aceitas em uma dada época.

279 - E se algo sobrenatural ocorrer a um grupo de cientistas sinceros? Os cientistas de nosso grupo, portanto, provavelmente concluiriam, depois de presenciar o assombro acontecimento, que, embora o evento não tivesse nenhuma causa natural aparente, isto não seria razão suficiente para que se concluísse que o evento não havia sido causado, muito menos que houvesse sido causado por um agente sobrenatural. O que se deve supor, diriam eles, é que o evento tenha sido causado por uma ou mais causas desconhecidas, as quais precisariam ser descobertas. Se cientistas concluírem, todas as vezes que algo acontece sem causa natural aparente, que neste caso ocorreu um evento sem causa, ou que o evento foi causado por Deus ou por algum outro agente sobrenatural, a ciência rapidamente se estagnará.

280 - … Como saber, porém, que esse evento acima não é a primeira prova de que o sobrenatural existe? E que a humanidade poderia passar 1 trilhão de anos pesquisando que não ia descobrir causa natural? … Pois bem, há filósofos que especulam ou acreditam que exista essa tal ordem sobrenatural e que os milagres são evidências delas. Lunn é contra a causalidade universal natural. Objeção a ele? Poderíamos observar, talvez, que se a aceitação do princípio de uma causalidade natural universal é uma fé científica, esta última afirmação nada mais é do que uma fé metafísica. Não há saída que não seja tentar readequar os modelos à nossa única boa arma: a razão.

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