Cap. II do 'Inteligência e afetividade da criança na obra de Piaget'



Livro - Inteligência e afetividade da criança na obra de Piaget. Fundamentos do Construtivismo.

 

Capítulo II - Desenvolvimento intelectual e outros fatores (mas antes…)

 

1 - (Antes de iniciar o fichamento do capítulo II, farei um resumo dos conceitos trazidos no Capítulo I - Organização intelectual e adaptação. Pode ser útil.)

 

2 - Ainda como biólogo e estudando os moluscos, Piaget entendeu que os atos biológicos são atos de adaptação ao meio físico e que ajudam a organizar o ambiente. Assim, na sua teoria, os princípios básicos do desenvolvimento cognitivo são os mesmos do desenvolvimento Biológico.

 

3 - A adaptação dos indivíduos ao meio utiliza estruturas mentais que chamou de esquemas. É uma existência inferida. Ainda que tenha função, na mente, análoga a de um estômago no sistema digestivo, por exemplo, este último é um órgão-estrutura real. Há essa diferença. O esquema é, portanto, um constructo hipotético, tal como “inteligência, criatividade, etc.”.

 

4 - Os adultos têm mais “esquemas” - são como fichas - que crianças. Servem para processar e identificar a entrada de estímulos, encaixá-los nos esquemas que se tem. É por isso que criança vendo uma vaca (estímulo) pela primeira vez pode achar que é um cachorro (esquema-ficha ainda insuficiente que ela talvez tenha).

 

5 - No nascimento, o bebê possui basicamente “esquemas-reflexos” como sugar e pegar. Ainda não são propriamente mentais. Vai fazendo diferenciações no sentido de aceitar sugar o que “produz” leite e rejeitar o que não “produz”, pode-se dizer.

 

6 - À medida que a criança torna-se mais apta a generalizar os estímulos, os esquemas tornam-se mais refinados. Portanto, o desenvolvimento intelectual consiste em um contínuo processo de construção e reconstrução.

 

7 - Piaget deixa claro que os esquemas interagem entre eles. É uma totalidade com partes diferenciadas que se coordenam. São estruturas internas das quais brotam o comportamento.

 

8 - Os esquemas são modificados pelos processos de acomodação e assimilação. Este último significa colocar (classificar) novos eventos (estimulos) em esquemas existentes, como o garoto que “processou” (assimilou) vaca como cachorro. Como se percebe, não chega a transformar o esquema, mas é uma fase desta transformação, visto que o amplia até que um novo processo se torne necessário, que seria justamente a acomodação, que é a criação de um novo esquema ou modificação de um velho. Uma mudança qualitativa, e não quantitativa.

 

9 - Portanto, a acomodação visa a assimilação de um estímulo. A combinação dos dois processos vai gerando novos esquemas e-ou sofisticação dos existentes. Vão se tornando cada vez mais próximos da realidade.

 

10 - Na assimilação, uma pessoa impõe sua estrutura disponível aos estímulos em processamento. Isto é, os estímulos têm de se ajustar à estrutura cognitiva da pessoa. Na acomodação, o inverso é verdadeiro.

 

11 - Os dois processos precisam se dar de forma equilibrada. Do contrário, o indivíduo pode, num extremo, ter dificuldade para perceber diferenças importantes entre os estímulos-coisas, pois só “assimila”, ou, num outro extremo, não conseguir perceber as semelhanças e generalizações possíveis envolvendo eventos-estímulos-coisas diversas, eis que só “acomoda”. Piaget chamou o balanceamento dessa questão de equilibração.

 

12 - Desequilíbrio seria um conflito cognitivo que acontece quando a criança espera que aconteça uma coisa e a experiência surpreende com outra. Isso inclusive é, para Piaget, a maior motivação do desenvolvimento intelectual. A experiência externa precisa ser equilibrada na estrutura interna. (Isso é muito verdade).

 

13 - O organismo vai buscar o “balanço” cognitivo que permita a assimilação, com ou sem acomodação, de um estímulo. Vai querer esse equilíbrio, ainda que este possa ser solução Provisória.

 

15 - As “organizações” que uma criança geralmente faz não são erradas, são apenas intelectualmente menos avançada que a dos adultos. Certo é que são condizentes com seu nível de desenvolvimento conceitual. Com ou sem acomodação, tudo visa assimilar o estímulo para alcançar o equilíbrio. Vê-se que o desenvolvimento intelectual é um processo de adpatação ao meio e o conhecimento é construído pelo indivíduo.

 

Entrando no capítulo II…

 

16 - O desenvolvimento cognitivo, em Piaget, possui três componentes: Conteúdo, que é o que a criança conhece e varia de cada bichinho pra cada bichinho; Função, que tem a ver com os já explicados processos de assimilação e acomodação, apresentando características estáveis e contínuas no decorrer do desenvolvimento cognitivo; por fim, há a Estrutura, que refere-se aos já estudados “esquemas”, propriedades organizacionais inferidas que explicam a ocorrência de determinados comportamentos.

 

Assim, as estruturas são criadas através da função e inferidas do conteúdo do comportamento, cuja natureza elas determinam. Nota-se que a estrutura, do mesmo modo que o conteúdo, e diferentemente da função, muda com a idade.

 

17 - Como se dá essa “inferição do conteúdo do comportamento”? Se apresentam a uma criança uma fileira de nove peças de jogo de damas e outra fileira, mais longa, de oito peças, indagando-a qual tem mais peças e o pobre bichinho diz que é a de oito, significa que seu “conceito-esquema” de número está pouco desenvolvido. Utilizou mais a percepção que a razão.

 

18 - Piaget se interessou fundamentalmente pelas “mudanças qualitativas” do desenvolvimento das estruturas cognitivas (esquemas). Interessava-lhe a Estrutura (da inteligência).

 

19 - O sistema de Piaget requer que a criança atue sobre o meio ambiente, seja se movimentando, ouvindo, ou manuseando objetos. Ela deve obter dados brutos para serem assimilados e acomodados, desenvolvendo os esquemas. Deve aprender com os “desequilíbrios” (conceito já explicado) que surgem. Em resumo, a ação é um dos determinantes do desenvolvimento cognitivo.

 

20 - É mais fácil observar o aprendizado de um bebê, pois as experimentações externas são mais frequentes. Aprende sugando e pegando. Já uma criança de oito anos, por exemplo, tem já bastante processos internos, como soma e contas afins.

 

21 - O conhecimento é, assim, uma construção resultante das ações, físicas e mentais, da criança. Estas provocam o desequilíbrio que resulta em assimilação e acomodação, levando à construção de esquemas/conhecimento. Há três tipos deste…

 

22 - a) Físico: descobrir as propriedades físicas de um objeto, tais como tamanho, cor, textura, peso etc. A melhor maneira de aprender sobre a areia, por exemplo, é brincando com ela. O “feedback” ou reforço é proporcionado “pelos próprios objetos”.

 

23 - b) Lógico-matemático: se dá através do pensar sobre as experiências com os objetos e eventos. Este conhecimento tem que ser “inventado” pela criança, já que não é inerente ao objeto. A qualidade do objeto não é importante aqui. O agir sobre o objeto, porém, ainda é, aqui, mais importante que a leitura até. Trata-se de abstrair, através de experimentações ou mesmo brincadeiras, que, por exemplo, a soma de uma quantidade não tem a ver com a organização, espaçada ou não, dos elementos.

 

24 - c) Social: são os consensos dos grupos sociais e culturais. Regras, leis, moral, valores, ética e o sistema de linguagem. Diferentemente dos demais, um conhecimento variável em cada contexto. É construído a partir das ações-interações da criança com as outras pessoas.

 

25 - Nota-se que, para Piaget, o “conhecimento exato não pode ser derivado diretamente de leitura ou de ouvir dizer”.

 

26 - Desenvolvimento cognitivo, para Piaget, é um processo coerente de sucessivas mudanças qualitativas das estruturas cognitivas (esquemas), derivando cada estrutura e sua respectiva mudança, lógica e inevitavelmente, da estrutura precedente. Logo, quando a criança aprende que a vaca é diferente do cachorro, ela não substitui os esquemas. Trata-se de uma mudança qualitativa e quantitativa em que os novos esquemas incorporam os anteriores. O esquema “cachorro” continua servindo, mas agora mais refinado.

 

27 - Apesar do desenvolvimento cognitivo fluir de modo contínuo, Piaget o dividiu em cerca de quatro estágios.

 

28 - A inteligência “sensório-motora” é de 0 a 2 anos. Nível em que a criança não representa eventos internamente. Não “pensa” conceitualmente.

 

29 - O estágio de pensamento “pré-operacional” é de 2 a 7 anos. Vem o desenvolvimento da linguagem; outras formas de representação e rápido desenvolvimento conceitual. O raciocínio é pré-lógico ou semilógico.

 

30 - O “estágio das operações concretas” é dos 7 aos 11 anos. Importa o desenvolvimento da capacidade de aplicar o pensamento lógico a problemas concretos, no presente.

 

31 - Dos 11 aos 15, surge o “estágio das operações formais”, no qual as estruturas cognitivas estão desenvolvidas ao ponto de tornar a criança apta a aplicar o raciocínio lógico a todas as classes de problemas.

 

32 - Os estágios não se substituem, mas se acumulam, como numa pirâmide e suas camadas, segundo explica o próprio Piaget. As idades de cada estágio também não são rígidas e variam em cada caso individual ou mesmo cultura. Enfim, a criança necessariamente passaria por todos os níveis, mas a velocidade com que isso acontece varia individualmente e etc.

 

33 - Piaget propôs, ainda, quatro amplos fatores relacionados ao desenvolvimento cognitivo. Todos os quatro devem interagir e nenhum sozinho garante tal desenvolvimento.

 

34 - A maturação (fatores herdados) indica limites ao desenvolvimento num estágio específico. Ou seja, se construção de estruturas específicas é possível ou não num determinado momento. Apesar de colocar restrições, a maturidade progride concomitantemente às ações da criança sobre o seu meio. Trata-se aqui (a maturação) de uma manifestação da hereditariedade.

 

35 - As experiências ativas são as que provocam assimilação e acomodação, resultando em mudança cognitiva (de estruturas-esquemas).

 

36 - A interação social é o intercâmbio de ideias entre as pessoas. Tem a ver sobretudo, portanto, com o conhecimento de tipo social. Alguns esquemas, como o de árvore, por exemplo, tem referentes físicos. Outros, como honestidade, só podem ser acessados por interação social. Também é interessante por permitir desequilíbrios (no conceito piagetiano) relacionados ao conflito de pensamentos (de outras crianças e tal).

 

37 - Por fim, a equilibração é, novamente, a organização dos demais. É o regulador que permite que novas experiências sejam incorporadas com sucesso aos esquemas.

 

38 - O desenvolvimento afetivo é o outro componente, para além do cognitivo, do desenvolvimento intelectual. O fato de Piaget centrar a maioria de suas pesquisas no “cognitivo” não significa grande desproporção entre a importância de cada componente. Inclusive são duas faces da mesma moeda. Todo comportamento tem ambos os elementos. Mesmo ao resolver um problema matemático, vários sentimentos entram em cena.

 

39 - Há dois aspectos do afeto: seleção (por que este objeto e não aquele? por que esta interação e não aquela? Por que estou produzindo conhecimento com "X" e não Camila Pitanga?) e motivação. É a afetividade-interesse quem provoca a seleção entre várias opções.

 

40 - O aspecto afetivo pode acelerar ou diminuir o ritmo de desenvolvimento intelectual. Entretanto, fique claro que não gera ou modifica estruturas-esquemas cognitivos.

 

41 - O afeto, assim como a inteligência, se desenvolve com o tempo. Inclusive paralelamente um ao outro. As crianças assimilam experiências aos esquemas afetivos.

 

FIM


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