HOBBES E LOCKE: duas propostas políticas para a guerra civil inglesa (sec. XVII)

   

 FICHAMENTO e, depois, RELATÓRIO DE LEITURA (não foram feitos por mim)


TEXTO

 

ARAÚJO, Cletiane Medeiros; COSTA, Saulo Felipe; MELO, Vilma Felipe Costa de. HOBBES E LOCKE: duas propostas políticas para a guerra civil inglesa (sec. XVII). Problemata: R. Intern. Fil. Vol. 02. No. 02. (2011), pp. 196-227.

 

Primeiro… O FICHAMENTO

 

1 - O artigo se propõe a analisar o pensamento político de Thomas  Hobbes e John Locke, autores que viveram os anos da Guerra Civil Inglesa, que, como é sabido, culminou na “Revolução Gloriosa”, responsável pela constituição da “primeira monarquia parlamentarista do mundo” (p. 197).

 

2 - Em Hobbes, há uma tendência humana à discórdia e combate de todos contra todos. Esse seria o “estado de natureza” e teria no mínimo três grandes motivadores inseridos na natureza do homem: a competição; a desconfiança; e a glória. Para contornar isso, garantindo-se a paz e a vida, apenas a instituição de um organismo superior, com poder coercitivo e legiferante, seria capaz de manter sob controle o medo que cada homem sente do outro.

 

3 - Para os autores, as ideias de Hobbes recebem nítida influência do contexto em que viveu, já que o filósofo “viu o sistema político inglês entrar em colapso, tendo que largar todas suas posses na Inglaterra e fugir para a França, por correr risco de vida em solo inglês”. (p. 199).

 

4 - O texto aponta também para um erro comum na interpretação do “estado de natureza” hobbesiano como necessariamente algo que realmente existiu na pré-história e (ou) apenas nela. Trata-se de um conceito que, em verdade, visa funcionar como recurso teórico e não pretende se deter a uma época específica ou estágio de desenvolvimento, sendo inclusive uma tendência permanente na essência humana, a qual demandaria sempre imposição de ordem. Tanto é assim que os autores, mais à frente (p. 209), reconhecerão, por exemplo, na chegada de Napoleão ao poder, o restabelecimento do Leviatã francês mediante novo pacto, trazendo a segurança perdida durante a “Era do Terror”. 

 

5 - Hobbes vai fundamentar suas teses a partir da lógica racional-dedutiva, fazendo, segundo os autores, praticamente um convite a que cada pessoa investigue e experimente o “id” humano, ou seja, seus mais profundos anseios e desejos, deduzindo daí verdadeiras características inatas aos homens e, passo seguinte, propondo o estado civil como única forma de assegurar a coexistência pacífica ameaçada pelas tendências naturais beligerantes. Na visão do filósofo inglês, era preciso acabar com o “direito de cada homem a todas as coisas”. (p. 201)

 

6 - O soberano, em Hobbes, podia ser um monarca ou mesmo uma assembleia. Seu objetivo? Nada menos que “a obtenção da segurança do povo, ao qual está obrigado pela lei de natureza e do qual tem de prestar contas a Deus, o autor dessa lei, e a mais ninguém além dele” (p. 201). A necessidade de um Estado forte e centralizado vai exigir, para o filósofo, que cada pessoa transfira parte de sua liberdade (capacidade de autogoverno) a tal poder comum, evitando o mal maior que é a “incerteza que os homens sentem uns com relação ao comportamento dos outros”, a qual “faz com que todos se preparem para a pior das possibilidades” (p. 203).

 

7 - Percebe-se que o “pacto social” hobbesiano envolve sobretudo a submissão dos súditos ao soberano/leviatã que tem como obrigação, no que tange aos primeiros, tão somente a “garantia da segurança” (p. 204).

 

8 - Hobbes também vai dizer que o soberano sequer pode ser punido ou acusado de injúria ou injustiça pelos seus súditos. Isto se dá pelo próprio caráter do “pacto social” hobbesiano, no qual “quem” (como o soberano) “faz alguma coisa em virtude da autoridade de um outro não pode nunca causar injúria àquele em virtude de cuja autoridade está agindo. Por esta instituição de um Estado, cada indivíduo é autor de tudo quanto o soberano fizer, por conseqüência aquele que se queixar de uma injúria feita por seu soberano estar-se-á queixando daquilo de que ele próprio é autor, portanto não deve acusar ninguém a não ser a si próprio; e não pode acusar-se a si próprio de injúria, pois causar injúria a si próprio é impossível. É certo que os detentores do poder soberano podem cometer iniqüidade, mas não podem cometer injustiça nem injúria em sentido próprio.” (p. 205-206)

 

9 - Apesar de todo o exposto, os autores defendem que Hobbes não pode ser reduzido a um legitimador das monarquias absolutistas, haja vista que, ao contrário dos que invocam a teoria da origem divina do poder do rei - como Jean Bodin -, o filósofo inglês fundamenta o poder do soberano na vontade dos indivíduos ao fundarem a sociedade política, ideia essa que era bastante original para a sua época, apontam.

 

10 - Outro ponto trazido pelo texto é a caracterização de Hobbes como um dos primeiros a pavimentar o caminho para um Estado Laico, eis que não reconhecia a possibilidade de pacto real feito diretamente com Deus. Seria uma “mentira evidente” (p. 207).

 

11 - Contrariamente a Hobbes, o texto traz o pensamento de John Locke, associado justamente à limitação do poder estatal. Observa a importante diferença de que o último escrevia já num contexto em que se “ansiava à derrubada de um Rei absolutista em prol de um governo mais liberal. “O Segundo tratado é uma justificação ex post facto da Revolução Gloriosa (1688- 1689), onde Locke fundamenta a legitimidade da deposição de Jaime II por Guilherme de Orange e pelo Parlamento com base na doutrina do direito de resistência”. (p. 210).

 

12 - O estado de natureza, em Locke, é marcadamente oposto ao de Hobbes. Os homens viveriam, em geral pacificamente, sob as leis da razão e possíveis danos eram reparados, pela própria vítima, proporcionalmente à ofensa sofrida. Havia pequenas associações e pactos momentâneos. Como ninguém, em tese, possuía mais poder ou jurisdição que outra pessoa e sendo todos iguais, tornava-se possível um clima de concórdia, propício ao desenvolvimento da propriedade privada. “Tal estado de natureza é possível graças à abundância da natureza, que produz o suficiente para suprir as necessidades dos homens.” (p. 211)

 

13 - A propriedade vai aparecer, em Locke, como um direito natural, tendo em vista que a relação do homem com a natureza antecede até mesmo ao estabelecimento da sociedade. O homem teria direito a se apropriar do produto do seu trabalho sobre a natureza. Ocorre que, com o advento do dinheiro (moeda), o qual obtém seu valor do consenso social, e desenvolvimento das condições de estocagem e meios de transporte, os homens estariam sinalizando, no entender desse filósofo, para a concordância com a possibilidade de uma pessoa poder acumular mais bens do que necessita de imediato.

 

14 - Todo esse raciocínio irá servir de fundamento à teoria contratual lockeana. Nas palavras dos autores: “Vale salientar que antes da monetarização os homens são iguais em liberdade e em oportunidades, uma vez que mesmo que um homem queira ampliar e acumular sua propriedade, isso teria limites; com a monetarização, moedas não estragam nem apodrecem, além de ocupar muito menos espaço, tornando possível o acúmulo e gerando um hiato entre as dimensões de propriedade, os homens passam então a querer ter mais do que precisam. Os homens então, temendo a usurpação de sua propriedade, buscam o contrato entre eles”. (p. 213)

 

15 - Para Locke, os pactos feito pelos homens, longe de negar, conservam o estado de natureza, visam protegê-lo, já que este é viver conforme a razão. Os direitos naturais à liberdade e à propriedade não são, no pensamento lockeano,  sequer alienáveis. Assim sendo, não há que se falar em submissão do indivíduo ao Estado. Aqui, a instituição da sociedade política visa sobretudo a “preservação da propriedade” (p. 216).

 

16 - Nas ponderações sobre as obras de ambos os filósofos, existem dissensos teóricos a respeito das fases do contrato social, sendo que haveria um primeiro momento, em que os homens decidiriam deixar o estado de natureza em favor do estado civil, seja para buscar segurança (Hobbes) ou garantir a proteção da propriedade (Locke), e um segundo momento, em que se definiria a forma de governo, a qual envolve “submissão” para Hobbes, mas não em Locke, para quem basta que se respeite as leis naturais. Em outras palavras, o agir livre, neste último, não envolve cessão de direito, eis que este não existe em desconformidade com a natureza. O que há, aqui, é um pacto de associação.

 

17 - Porém, não é a apenas a questão da inalienabilidade de direitos que vai diferir o pensamento dos dois filósofos ingleses. Em Locke, “o governo civil tem poderes limitados pelos fins que lhe são atribuídos. Diferente das teorias da soberania, os fins do Estado não residem no próprio Estado: eles são exteriores a ele e, portanto, constituem outros tantos limites que circunscrevem o seu poder. Finalmente, consequência lógica, a delegação da soberania ao poder civil é provisória. Não pode ser definitiva, como afirmava Hobbes. Pode ser retirada quando os dirigentes se tornam tirânicos e a confiança é, assim, rompida com o povo.” (p. 216-217).

 

18 - Mais um ponto de diferença: enquanto Hobbes entende “que o indivíduo deve possuir a religião do soberano, uma vez que uma divisão religiosa é algo nefasto para o Estado” (p. 218), Locke é a favor da tolerância religiosa. Deve o Estado respeitar a religião de todos os súditos.

 

19 - Obviamente o Estado liberal não deixará de exercer o monopólio da violência e poder legiferante - pontos em comum com o pensamento hobbesiano -, mas estará, em Locke, muito mais limitado, tendo apenas os poderes essenciais à preservação de um ambiente seguro ao desenvolvimento do direito de propriedade e demais liberdades e estando sob a vigilância externa dos indivíduos livres, que podem, inclusive, exercer direito de resistência contra as tiranias.

 

20 - Já entrando em sua parte final, o texto irá fazer um breve resumo dos principais acontecimentos do tumultuado Século XVII inglês, das revoltas causadas entre o povo e o parlamento contra as medidas absolutistas dos reis Jaime e Carlos I até o definitivo controle do governo pelo parlamento, com a assunção do rei Guilherme de Orange, tudo isso passando pelo curto período republicano de Oliver Cromwell, o qual, agradando à burguesia, promoveu “o crescimento econômico através de uma expansão maciça da frota naval inglesa” (p. 220), além de acabar “com as revoltas na Irlanda e Escócia”. É nesse período que Hobbes retorna e publica sua principal e polêmica obra, “Leviatã”.

 

21 - Por fim, os autores apresentaram a seguinte conclusão para o texto: “O aspecto mais frutífero de tal esforço analítico foi identificar duas soluções de governo radicalmente diferentes para o mesmo contexto histórico. A trajetória que cada um dos pensadores teve, e a forma distinta como as revoluções impactaram sobre suas vidas desempenhou papel central na construção do pensamento político-filosófico dos autores.” (p. 225).



RELATÓRIO DE LEITURA

 

TEXTO

 

ARAÚJO, Cletiane Medeiros; COSTA, Saulo Felipe; MELO, Vilma Felipe Costa de. HOBBES E LOCKE: duas propostas políticas para a guerra civil inglesa (sec. XVII). Problemata: R. Intern. Fil. Vol. 02. No. 02. (2011), pp. 196-227.

 

RESUMO BIOGRÁFICO E INTRODUÇÃO

 

À época da publicação do texto, tinham os autores a seguinte formação acadêmica:

 

Vilma Felipe Costa de Melo: Mestre e Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da UFPB.

 

Saulo Felipe Costa: Mestre em Relações Internacionais pela UEPB, Mestrando do Programa de PósGraduação em Ciência Política da UFPE.

 

Cletiane Medeiros Araújo: Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFPE.

 

Tanto Hobbes como Locke foram filósofos que viveram as suas vidas a maior parte do tempo na Inglaterra do Século XVII e ficaram famosos, entre outros motivos, pela adesão a teorias contratualistas, que fundamentam o poder político no consenso social tácito ou expresso, o qual envolve, no mínimo, a vontade da maioria dos indivíduos. Entretanto, a motivação e o conteúdo do pacto hobbesiana difere bastante da proposta lockeana.

 

O artigo se propõe a analisar o pensamento político dos dois filósofos ingleses, relacionando suas ideias à trajetória individual vivida durante os anos da Guerra Civil Inglesa, que, como é sabido, culminou na “Revolução Gloriosa”, responsável pela constituição da “primeira monarquia parlamentarista do mundo” (p. 197).

 

Assim, na parte final do texto, os autores esboçaram um resumo dos principais acontecimentos do tumultuado Século XVII inglês, das revoltas causadas entre o povo e o parlamento contra as medidas absolutistas dos reis Jaime e Carlos I até o definitivo controle do governo pelo parlamento, com a assunção do rei Guilherme de Orange, tudo isso passando pelo curto período republicano de Oliver Cromwell, o qual, agradando à burguesia, promoveu “o crescimento econômico através de uma expansão maciça da frota naval inglesa” (p. 220), além de acabar “com as revoltas na Irlanda e Escócia”. É nesse período que Hobbes retorna e publica sua principal e polêmica obra, “Leviatã”.

 

CONTEÚDO

 

O conteúdo do artigo se destaca principalmente pela minuciosidade nas diferenciações entre as propostas e concepções de cada filósofo.

 

O texto defende que as ideias de Hobbes recebem nítida influência do contexto em que viveu, já que o filósofo “viu o sistema político inglês entrar em colapso, tendo que largar todas suas posses na Inglaterra e fugir para a França, por correr risco de vida em solo inglês”. (p. 199). Ele, seria, portanto, um espectador privilegiado das manifestações práticas do “estado de natureza”. No pensamento hobbesiano, há uma tendência humana à discórdia e combate de todos contra todos. Esse “estado de natureza” teria no mínimo três grandes motivadores inescapáveis ao ser humano: a competição; a desconfiança; e a glória. Para contornar isso, garantindo-se a paz e a vida, apenas a instituição de um organismo superior, com poder coercitivo e legiferante, seria capaz de manter sob controle o medo que cada homem sente do outro.

 

Neste ponto, é necessário abrir um parênteses para apontar que, embora o artigo não detalhe o debate historiográfico a respeito, há um erro comum na interpretação do “estado de natureza” hobbesiano como algo que necessariamente existiu na pré-história e (ou) apenas nela. Trata-se de um conceito que, em verdade, visa funcionar como recurso teórico, ou seja, não pretende se deter a uma época específica ou estágio de desenvolvimento, sendo o “estado de natureza” inclusive uma tendência permanente na essência humana, a qual demandaria sempre imposição de ordem. Tanto é assim que os autores, mais à frente (p. 209), reconhecerão, por exemplo, na chegada de Napoleão ao poder, o restabelecimento do Leviatã francês mediante novo pacto, trazendo a segurança perdida durante a “Era do Terror”. 

 

Hobbes vai fundamentar suas teses a partir da lógica racional-dedutiva, fazendo, segundo os autores, praticamente um convite a que cada pessoa investigue e experimente o “id” humano, ou seja, seus mais profundos anseios e desejos, deduzindo daí verdadeiras características inatas aos homens e, passo seguinte, propondo o estado civil como única forma de assegurar a coexistência pacífica ameaçada pelas tendências naturais beligerantes. Na visão do filósofo inglês, era preciso acabar com o “direito de cada homem a todas as coisas”. (p. 201)

 

Interessante notar que o soberano, em Hobbes, podia ser um monarca ou mesmo uma assembleia. Seu objetivo? Nada menos que “a obtenção da segurança do povo, ao qual está obrigado pela lei de natureza e do qual tem de prestar contas a Deus, o autor dessa lei, e a mais ninguém além dele” (p. 201). A necessidade de um Estado forte e centralizado vai exigir, para o filósofo, que cada pessoa transfira parte de sua liberdade (capacidade de autogoverno) a tal poder comum, evitando o mal maior que é a “incerteza que os homens sentem uns com relação ao comportamento dos outros”, a qual “faz com que todos se preparem para a pior das possibilidades” (p. 203).

 

Percebe-se que o “pacto social” hobbesiano envolve sobretudo a submissão dos súditos ao leviatã que tem como obrigação, no que tange aos primeiros, tão somente a “garantia da segurança” (p. 204). Consequentemente, Hobbes vai dizer que o soberano sequer pode ser punido ou acusado de injúria pelos seus súditos. Isto se dá pelo próprio caráter do “contrato social”, no qual “quem” (como o soberano) “faz alguma coisa em virtude da autoridade de um outro não pode nunca causar injúria àquele em virtude de cuja autoridade está agindo. Por esta instituição de um Estado, cada indivíduo é autor de tudo quanto o soberano fizer, por conseqüência aquele que se queixar de uma injúria feita por seu soberano estar-se-á queixando daquilo de que ele próprio é autor, portanto não deve acusar ninguém a não ser a si próprio; e não pode acusar-se a si próprio de injúria, pois causar injúria a si próprio é impossível. É certo que os detentores do poder soberano podem cometer iniqüidade, mas não podem cometer injustiça nem injúria em sentido próprio.” (p. 205-206)

 

Contrariamente a Hobbes, o texto traz o pensamento de John Locke, associado justamente à limitação do poder estatal. Observa a importante diferença de que o último escrevia já num contexto em que se “ansiava à derrubada de um Rei absolutista em prol de um governo mais liberal. “O Segundo tratado é uma justificação ex post facto da Revolução Gloriosa (1688- 1689), onde Locke fundamenta a legitimidade da deposição de Jaime II por Guilherme de Orange e pelo Parlamento com base na doutrina do direito de resistência”. (p. 210).

 

O estado de natureza, em Locke, é marcadamente oposto ao de Hobbes. Os homens viveriam, em geral pacificamente, sob as leis da razão, e possíveis danos eram reparados, pela própria vítima, proporcionalmente à ofensa sofrida. Havia pequenas associações e pactos momentâneos. Como ninguém, em tese, possuía mais poder ou jurisdição que outra pessoa e sendo todos iguais, tornava-se possível um clima de concórdia, propício ao desenvolvimento da propriedade privada. “Tal estado de natureza é possível graças à abundância da natureza, que produz o suficiente para suprir as necessidades dos homens.” (p. 211).

 

A propriedade vai aparecer, em Locke, como um direito natural, tendo em vista que o homem teria direito a se apropriar do produto do seu trabalho sobre a natureza, sendo que esse tipo de relação antecede até mesmo ao estabelecimento da sociedade. Ocorre que, com o advento do dinheiro (moeda), o qual obtém seu valor do consenso social, e desenvolvimento das condições de estocagem e meios de transporte, os homens estariam sinalizando, no entender desse filósofo, para a concordância com a possibilidade de uma pessoa poder acumular mais bens do que necessita de imediato.

 

Todo esse raciocínio irá servir de fundamento à teoria contratual lockeana. Nas palavras dos autores: “Vale salientar que antes da monetarização os homens são iguais em liberdade e em oportunidades, uma vez que mesmo que um homem queira ampliar e acumular sua propriedade, isso teria limites; com a monetarização, moedas não estragam nem apodrecem, além de ocupar muito menos espaço, tornando possível o acúmulo e gerando um hiato entre as dimensões de propriedade, os homens passam então a querer ter mais do que precisam. Os homens então, temendo a usurpação de sua propriedade, buscam o contrato entre eles”. (p. 213)

 

Após essa apresentação das ideias principais de Locke e Hobbes, o texto passará ao exercício comparativo, mostrando como uma proposta aparentemente similar - o contrato social - pode, na prática, partir de pressupostos e possuir consequências práticas completamente diferentes.

 

Para Locke, os pactos feito pelos homens, longe de negar, conservam o estado de natureza, visam protegê-lo, já que este é viver conforme a razão. Os direitos naturais à liberdade e à propriedade não são, no pensamento lockeano,  sequer alienáveis. Assim sendo, não há que se falar em submissão do indivíduo ao Estado. Aqui, a instituição da sociedade política visa sobretudo a “preservação da propriedade” (p. 216).

 

Entretanto, o artigo vai além, vale ressaltar, da questão da inalienabilidade de direitos como fator diferenciador do pensamento dos dois filósofos ingleses. Em Locke, “o governo civil tem poderes limitados pelos fins que lhe são atribuídos. Diferente das teorias da soberania, os fins do Estado não residem no próprio Estado: eles são exteriores a ele e, portanto, constituem outros tantos limites que circunscrevem o seu poder. Finalmente, conseqüência lógica, a delegação da soberania ao poder civil é provisória. Não pode ser definitiva, como afirmava Hobbes. Pode ser retirada quando os dirigentes se tornam tirânicos e a confiança é, assim, rompida com o povo.” (p. 216-217).

 

Nas ponderações sobre as obras de ambos os filósofos, existem dissensos teóricos a respeito das fases do contrato social, sendo que haveria um primeiro momento, em que os homens “decidiram” deixar o estado de natureza em favor do estado civil, seja para buscar segurança (Hobbes) ou garantir a proteção da propriedade (Locke), e um segundo momento, em que se definiria a forma de governo, a qual envolve “submissão” para Hobbes, mas não em Locke, para quem basta que se respeite as leis naturais. Em outras palavras, o agir livre, neste último, não envolve cessão de direito, eis que este não existe em desconformidade com a natureza. O que há, aqui, é um pacto de associação.

 

O texto chega a afirmar a nebulosidade nesse segundo momento do “pacto” na teoria de Locke, a qual não definiria indubitavelmente como seria o governo adotado. Entretanto, prefere não desenvolver os detalhes dessa polêmica.

 

Por fim, trazem mais um ponto de diferença: enquanto Hobbes entende “que o indivíduo deve possuir a religião do soberano, uma vez que uma divisão religiosa é algo nefasto para o Estado” (p. 218), Locke é a favor da tolerância religiosa. Deve o Estado respeitar a religião de todos os jurisdicionados.

 

CONCLUSÃO

 

Ao contrário do que se poderia esperar, dois filósofos contratualistas e que viveram praticamente o mesmo contexto histórico apresentaram duas propostas de sociedade política “radicalmente diferentes”, o que os autores apontaram ter relação direta com a “a forma distinta como as revoluções impactaram sobre suas vidas” (p. 225).

 

Apesar de todo o exposto, os autores defendem que Hobbes não pode ser reduzido a um legitimador das monarquias absolutistas, haja vista que, ao contrário dos que invocam a teoria da origem divina do poder do rei - como Jean Bodin -, o filósofo inglês fundamenta o poder do soberano na vontade dos indivíduos ao fundarem a sociedade política, ideia essa que era bastante original para a sua época.

 

Ademais, Hobbes foi um dos primeiros a pavimentar o caminho para um Estado Laico, eis que não reconhecia a possibilidade de pacto real feito diretamente com Deus. Seria uma “mentira evidente” (p. 207). Tudo isso gerou resistências à sua obra na época.

 

Quanto à comparação com Locke, os pontos de permanência não superam as notáveis diferenças. Para o pensador liberal inglês, o Estado não deixará de exercer o monopólio da violência e poder legiferante - o que está em conformidade com o pensamento hobbesiano -, mas estará, em sua teoria, muito mais limitado, tendo apenas os poderes essenciais à preservação de um ambiente seguro ao desenvolvimento do direito de propriedade e demais liberdades e estando sob a vigilância externa dos indivíduos livres, que podem, inclusive, exercer direito de resistência contra as tiranias.

 

É possível concluir, portanto, que o artigo consegue mostrar sua importância ao derrubar lugares comuns interpretativos que se mostraram reducionistas e pela particularização das semelhanças, mas sobretudo diferenças presentes no pensamento dos dois pensadores contratualistas do mesmo período. 

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