Cap. 10. “Os princípios do luteranismo”. In: As fundações do pensamento político moderno. (Skinner)
FICHAMENTO e, depois, RELATÓRIO DE LEITURA (não foram feitos por mim)
TEXTO
Cap. 10. “Os princípios do luteranismo”. In: As fundações do pensamento
político moderno. Skinner, Quentin. São Paulo: Companhia das Letras. 1996.
Primeiro… O FICHAMENTO
1 - Skinner considera um erro começar a história da Reforma luterana
pela célebre afixação das 95 teses na porta da igreja do Castelo, em
Wittenberg, evento que marcaria tão somente o meio - ou no máximo o apogeu - de
um processo que se iniciou já quando Lutero assumiu a cátedra de teologia da
universidade local.
2 - O homem, em Lutero, é decaído, condenado ao pecado e à incapacidade
de entender os desígnios de Deus (o “Deus escondido”). Em polêmica com Erasmo,
que inicialmente parecia ser um aliado, Lutero assumiu uma postura
anti-humanista e rejeitou a possibilidade de a razão humana desvelar como Deus
quer que as pessoas ajam. Concebe o ser humano como uma criatura abandonada
pelo criador. Na sua doutrina, os mandamentos devem ser obedecidos por serem
ordens divinas, e não por algum caráter justo intrínseco a eles e racionalmente
verificável.
3 - Enquanto Erasmo apostava que na capacidade do homem de escolher as
coisas que possam conduzir cada pessoa à salvação eterna, Lutero crê que a
livre escolha resulta apenas em pecado. O desejo ímpio da carne estaria
sobreposto a qualquer coisa.
4 - Da onisciência e onipotência de Deus, Lutero fez derivar a concepção
de que o destino de cada homem é imutável. O Criador já saberia, de antemão, os
que estão predestinados à salvação ou à condenação eterna. Essa impotência
humana deixaria o monge desolado e inconsolável por vários anos até que
“descobrisse”, por uma espécie de epifania, que a justiça divina significava a
misericórdia para com os pecadores.
5 - Como consequência dessa reunião de máximas, Lutero considera ser
impossível a salvação pela obra, pois seria o mesmo que tentar se justificar
perante Deus, sendo que este opera por outro tipo de justiça. “Lutero assim se vê em condições de propor
que o pecador deve ter por única meta alcançar a fiducia: uma fé plenamente
passiva na justiça de Deus e, em decorrência, na possibilidade de obter a
redenção e a justificação por meio de Sua graça misericordiosa.” (p. 290).
6 - A erradicação do pecado é impossível em Lutero. A salvação é
possível pelo perdão, e não por uma vida inteiramente de acordo aos desígnios
divinos. O Velho Testamento teria a função de desesperar o homem, que,
conhecendo-se, percebe a impossibilidade de seguir as leis divinas que
supostamente trariam a salvação. O reconforto viria no Novo Testamento, por
meio da “boa nova” trazida por Cristo, qual seja, a redenção pela fé.
7 - O texto aborda, em determinado momento, a polêmica acerca do
Decálogo como possível revelação objetiva da lei moral, posicionando-se no
sentido de que tal concepção só valeria para Calvino, no que Skinner já
aproveita para diferenciar o pensamento de ambos: “segundo o reformador de Wittenberg, Cristo não veio somente para
cumprir a lei, mas também para libertar os fiéis de suas exigências, o que
efetuou pela força redentora de Seu mérito e amor. Disso se segue que para
Lutero, ao contrário de Calvino, sempre será fundamental entender os
mandamentos da lei à luz do Evangelho, e não o Evangelho à luz da lei”. (p.
292).
8 - Uma combatida novidade trazida por Lutero foi sua defesa de que a
Igreja não teria que ser necessariamente uma autoridade visível, mas sim
qualquer comunhão de fiéis - o “Povo de Deus” - vivendo da palavra divina. Não
há necessidade de intermediário na busca pela salvação. Até como decorrência
dessa desinstitucionalização da fé, pregou também o fim da falsa dicotomia
entre sacerdotes e fiéis, que, segundo o reformador, pertencem ambos ao “estado
espiritual”, eis que devidamente batizados (p. 295), tendo todos o dever de
socorrer ao irmão quando necessário (antes incumbência do sacerdote).
9 - Assim, nota-se que a assunção das teorias de Lutero implicava
necessariamente a redução significativa do poder da Igreja, a qual se colocava
inclusive como intermediária da própria salvação eterna, fato que mereceu
pesadas críticas, já que, “para o
reformador, a crença na eficácia das indulgências não passava da mais perversa
entre as perversões de uma doutrina mais ampla que ele, na qualidade de
teólogo, viera a considerar inteiramente falsa: a doutrina de que está em mãos
da Igreja capacitar um pecador a alcançar a salvação, por meio de sua
autoridade e sacramentos” (p. 294).
10 - Também o direito canônico e o ideal de vida monástico foram alvo de
críticas de Lutero. O primeiro por criar uma justiça distinta que contraria a
natureza espiritual da Igreja e o segundo por dar valor desmedido às obras.
11 - Ainda como decorrência da natureza espiritual da verdadeira Igreja,
a qual é “inteiramente regida por Cristo,
cujos poderes são apenas espirituais, já que - por definição - os cristãos não
necessitam de qualquer coerção”, Lutero não via razão na pretensão da
Igreja Católica em se imiscuir e exercer jurisdição nos assuntos mundanos, o
que vê como uma “usurpação dos direitos
das autoridades temporais” (p. 296).
12 - As consequências práticas necessariamente decorrentes dessas ideias
são extremamente relevantes. Primeiramente, “significa, sem nenhuma dúvida, que Lutero está disposto a admitir um
sistema de Igrejas nacionais independentes, nas quais o príncipe detém o
direito de nomear e demitir sacerdotes e bispos, bem como de controlar e dispor
da propriedade eclesial”. Ademais, “a
idéia do papa e do imperador como poderes paralelos e universais desaparece, e
as jurisdições independentes do sacerdotium são confiadas às autoridades
seculares”. (p.297).
13 - Lutero, retomando a injunção de São Paulo, também intentou buscar
uma base divina para o poder civil, considerando não haver autoridade
governante “que não provenha de Deus”
(p. 298). Os decretos das autoridades temporais seriam, assim, “imediata dádiva e expressão da providência
divina”. (p. 297). Por isso mesmo, quando as revoltas camponesas alemãs se
iniciaram, em 1524, foram pronta e rigorosamente condenadas pelo reformador.
14 - Entretanto, o poder da autoridade temporal de maneira alguma é
absoluto. Logo, não é qualquer governante que deve ser obedecido e respeitado.
Para Lutero, “se um governante arranca a
máscara que o identifica como lugar-tenente de Deus, e manda seus súditos
agirem de forma má ou ímpia, não deve jamais ser obedecido. O súdito deve
seguir sua consciência, ainda que isso implique desobedecer ao príncipe”.
(p. 298-299) O que se está a defender, em tal trecho, é, vale ressaltar, a
desobediência passiva. Não se trata, assim, de depor um tirano, por exemplo,
eis que a autoridade do mesmo não deixa de ter natureza divina. O reformador
oferece um curioso exemplo prático para suas ideias: “Se o príncipe mandar que você cometa o mal, é seu direito recusar-se,
dizendo que “não é apropriado Lúcifer sentar-se ao lado de Deus”. Mas, se o
príncipe “por essa razão confiscar a sua propriedade, a fim de punir tal
desobediência”, você deve submeter-se passivamente, e “dar graças a Deus porque
Ele o considerou digno de sofrer em nome do mundo divino”” (p. 299).
15 - Por fim, Lutero vai dizer que os maus governantes, ordenados por
Deus que são, existem sobretudo devido aos pecados do povo.
RELATÓRIO DE LEITURA
TEXTO
Cap. 10. “Os princípios do luteranismo”. In: As fundações do pensamento
político moderno. Skinner, Quentin. São Paulo: Companhia das Letras. 1996.
RESUMO BIOGRÁFICO
Quentin Skinner nasceu em Lancashire (Inglaterra), em 1940. Historiador
e professor de ciência política, é também um dos principais nomes da “Escola de
Cambridge” e comentadores da
teoria política moderna. Ministrou, ainda, cursos na Universidade de
Princeton, Harvard, Cornell, de Oxford e na École pratique des hautes études de
Paris.
INTRODUÇÃO
Presente no livro “As fundações do pensamento político moderno”, o
capítulo em questão investiga a formação das bases para os pensamentos e
propostas de Martinho Lutero, famoso expoente da Reforma Protestante no Século
XVI.
Nesse sentido, Skinner considerará um erro iniciar a história da Reforma
luterana pela célebre afixação das 95 teses na porta da igreja do Castelo, em
Wittenberg, evento que marcaria tão somente o meio - ou no máximo o apogeu - de
um processo que se iniciou já quando Lutero assumiu a cátedra de teologia da
universidade local, muitos anos antes.
CONTEÚDO
O texto possui tanto o mérito de apresentar a trajetória e decorrências
lógicas das ideias de Lutero quanto o de, num momento posterior,
contextualizá-las devidamente em sua época, abordando as consequências práticas
e políticas de tais concepções. Para tanto, detalhou as propostas centrais da
teoria luterana, tais como: a salvação pela fé devido a incapacidade do homem
para atingi-la mediante o uso da razão; a igreja como comunhão de fiéis e
portadora, portanto, de uma natureza espiritual; a consequente eliminação da
dicotomia entre sacerdotes e fiéis; a abstenção da igreja em participar da
jurisdição mundana, eliminando-se, assim, a dualidade de poder com a autoridade
temporal e a justificação divina do poder dessa mesma autoridade.
Pontos menos centrais também apareceram em alguns momentos do capítulo,
porém, não no mesmo nível de detalhamento. Exemplo é abordagem acerca do
Decálogo como possível revelação objetiva da lei moral, oportunidade que o
autor usará para marcar diferença relevante entre o pensamento luterano e o
calvinista. Para Skinner, tal concepção só valeria em Calvino, já que “segundo o reformador de Wittenberg, Cristo
não veio somente para cumprir a lei, mas também para libertar os fiéis de suas
exigências, o que efetuou pela força redentora de Seu mérito e amor. Disso se
segue que para Lutero, ao contrário de Calvino, sempre será fundamental
entender os mandamentos da lei à luz do Evangelho, e não o Evangelho à luz da
lei”. (p. 292).
Embora o texto tenha seu foco na crítica que Lutero fez às autoridades,
dogmas e instrumentos da Igreja Católica - do papa ao direito canônico -,
Skinner não deixou de trazer, em caráter secundário, as oposições luteranas ao
ideal de vida monástico, que foi alvo de crítica por dar valor desmedido às
obras, em contraste com o ideal de salvação somente pela fé. Também foi
mencionada a radical condenação do reformador germânico às ações das massas
camponesas revoltosas de 1524, as quais lhe pareciam verdadeiras violações do
dever de obediência à autoridade investida por Deus.
Para entender melhor como Lutero chegou a todas essas teses - centrais e
secundárias - Skinner investigou a raiz do pensamento luterano desde a sua
concepção de homem, que tanta aflição lhe causou nos primeiros anos de estudo.
O ser humano, em Lutero, é decaído, condenado ao pecado e à incapacidade
de entender os desígnios de Deus (o “Deus escondido”). Em polêmica com Erasmo,
o qual inicialmente parecia ser um aliado, Lutero assumiu uma postura
anti-humanista e rejeitou a possibilidade de a razão humana desvelar como Deus
quer que as pessoas ajam. O reformador germânico concebeu o homem como uma
criatura abandonada pelo criador. Na sua doutrina, os mandamentos devem ser
obedecidos por serem ordens divinas, e não por algum caráter justo intrínseco a
eles e racionalmente verificável.
Assim, enquanto Erasmo apostava que na capacidade do homem de escolher
as coisas que possam conduzir cada pessoa à salvação eterna, Lutero crê que a
livre escolha resulta apenas em pecado. O desejo ímpio da carne estaria
sobreposto a qualquer coisa.
Da onisciência e onipotência de Deus, Lutero fez derivar a concepção de
que o destino de cada homem é imutável. O Criador já saberia, de antemão, os
que estão predestinados à salvação ou à condenação eterna. Essa impotência
humana deixaria o monge desolado e inconsolável por vários anos até que
“descobrisse”, numa espécie de epifania, que a justiça divina significava a
misericórdia para com os pecadores.
Como consequência dessa reunião de máximas, “Lutero (...) se vê em condições de propor que o pecador deve ter por
única meta alcançar a fiducia: uma fé plenamente passiva na justiça de Deus e,
em decorrência, na possibilidade de obter a redenção e a justificação por meio
de Sua graça misericordiosa.” (p. 290).
A erradicação do pecado é, assim, impossível em Lutero. A salvação é
possível pelo perdão, e não por uma vida inteiramente de acordo aos desígnios
divinos. O Velho Testamento teria a função de desesperar o homem, que,
conhecendo-se, percebe a impossibilidade de seguir as leis divinas que
supostamente seriam a salvação. O reconforto viria no Novo Testamento, por meio
da “boa nova” trazida por Cristo, qual seja, a redenção pela fé.
Uma combatida novidade trazida por Lutero foi sua defesa de que a Igreja
não teria que ser necessariamente uma autoridade visível, mas sim qualquer
comunhão de fiéis - o “Povo de Deus” - vivendo da palavra divina. Não há
necessidade de intermediário na busca pela salvação. Até como decorrência dessa
desinstitucionalização da fé, pregou também o fim da falsa dicotomia entre
sacerdotes e fiéis, já que, segundo o reformador, pertencem ambos ao “estado
espiritual”, eis que devidamente batizados (p. 295), tendo todos o dever de
socorrer ao irmão quando necessário (antes incumbência do sacerdote).
Assim, nota-se que a assunção das teorias de Lutero implicava
necessariamente a redução significativa do poder da Igreja, a qual se colocava
inclusive como intermediária da própria salvação eterna, fato que mereceu
pesadas críticas, já que, “para o
reformador, a crença na eficácia das indulgências não passava da mais perversa
entre as perversões de uma doutrina mais ampla que ele, na qualidade de
teólogo, viera a considerar inteiramente falsa: a doutrina de que está em mãos
da Igreja capacitar um pecador a alcançar a salvação, por meio de sua
autoridade e sacramentos” (p. 294).
Ainda como decorrência da natureza espiritual da verdadeira Igreja, a
qual é “inteiramente regida por Cristo,
cujos poderes são apenas espirituais, já que - por definição - os cristãos não
necessitam de qualquer coerção”, Lutero não via razão na pretensão da
Igreja Católica em se imiscuir e exercer jurisdição nos assuntos mundanos, o
que considerava uma “usurpação dos
direitos das autoridades temporais” (p. 296).
As consequências práticas necessariamente decorrentes dessas ideias são
extremamente relevantes. Primeiramente, “significa,
sem nenhuma dúvida, que Lutero está disposto a admitir um sistema de Igrejas
nacionais independentes, nas quais o príncipe detém o direito de nomear e
demitir sacerdotes e bispos, bem como de controlar e dispor da propriedade
eclesial”. Ademais, “a idéia do papa
e do imperador como poderes paralelos e universais desaparece, e as jurisdições
independentes do sacerdotium são confiadas às autoridades seculares”.
(p.297).
O autor observou, ainda, que Lutero, retomando a injunção de São Paulo,
intentou buscar uma base divina para o poder civil, considerando não haver
autoridade governante “que não provenha
de Deus” (p. 298). Os decretos das autoridades temporais seriam, assim, “imediata dádiva e expressão da providência
divina”. (p. 297).
Entretanto, o poder da autoridade temporal de maneira alguma é absoluto.
Logo, não é qualquer governante que deve ser obedecido e respeitado. Para
Lutero, “se um governante arranca a
máscara que o identifica como lugar-tenente de Deus, e manda seus súditos
agirem de forma má ou ímpia, não deve jamais ser obedecido. O súdito deve
seguir sua consciência, ainda que isso implique desobedecer ao príncipe”.
(p. 298-299) O que se está a defender, em tal trecho, é, vale ressaltar, a
desobediência passiva. Não se trata, assim, de depor um tirano, por exemplo,
eis que a autoridade do mesmo não deixa de ter natureza divina.
O reformador oferece um curioso exemplo prático para suas ideias: “Se o príncipe mandar que você cometa o mal,
é seu direito recusar-se, dizendo que “não é apropriado Lúcifer sentar-se ao
lado de Deus”. Mas, se o príncipe “por essa razão confiscar a sua propriedade,
a fim de punir tal desobediência”, você deve submeter-se passivamente, e “dar
graças a Deus porque Ele o considerou digno de sofrer em nome do mundo divino””
(p. 299). Quanto aos maus governantes, concebe a teoria luterana que, ordenados
por Deus que são, existem sobretudo devido aos pecados do povo.
CONCLUSÃO
Lutero considera ser impossível a salvação pela obra, pois seria o mesmo
que tentar se justificar perante Deus, sendo que este opera por outro tipo de
justiça. Assim, apenas a fé aparece como legítima salvadora, possibilitando a
misericórdia divina. Este seria o principal ensinamento de Cristo.
A “heresia” luterana não parou aí. Além de modificar o “caminho da
salvação”, pode-se assim dizer, ousou deslegitimar a autoridade da Igreja
“visível” - e não como congregação para a fé -, enquanto intermediadora do
próprio processo de salvação eterna, considerando desprovida de sentido até
mesmo a separação entre fiéis e sacerdotes. Ou seja, era mais que a mera
crítica a venda de indulgências, tão somente a face mais escandalosa do
fenômeno geral alvejado pelo reformador.
Entretanto, a radicalidade e caráter inovador de algumas concepções de
Lutero estiveram em flagrante contraste com posições políticas extremamente
conservadoras, como a legitimação divina de toda a autoridade investida e a consequente
impossibilidade se opor às punições decorrentes até mesmo da recusa de um
indivíduo em cometer algum mal ordenado pelo “príncipe”.
Após a leitura do capítulo, foi possível compreender melhor quão
prejudicados e ameaçados ficaram os interesses da Igreja Católica, eis que as
oposições de Lutero atingia tanto as bases teóricas do catolicismo quanto as
práticas de sustento material da instituição. Isso tudo sem mencionar a própria
perda da importância política que a emergência de uma jurisdição exclusivamente
laica necessariamente traria.
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