Filosofia - Textos Diversos XIX - Entrevista com Zigmunt Bauman II

 (continuação...)


320 - Diz que o liberal Stuart Mill queria a diminuição da distância entre mais ricos e mais pobres. Lorde Beveridge também. Dedos e anéis, Durante a guerra, o governo da Grã-Bretanha criou uma comissão para organizar um programa de bem-estar social (do qual Beveridge era diretor), prevendo que com o fim do conflito haveria milhões de desempregados que não mais aceitariam a sina dos oprimidos. Ele se dizia um liberal e queria dar um chão firme para o pobre se apoiar e se desenvolver. (...)  Deve haver, portanto, essa garantia do Estado, o que eu chamo de seguro coletivo contra o infortúnio individual. Se isso existe, as pessoas se enchem de coragem e, sem receio de tentar, logo podem tornar-se prósperas.

321 - Não só a sociologia perde para a literatura quando se quer entender o que faz as pessoas serem o que são, conhecer o que pensam, os dilemas que enfrentam, suas alternativas etc. Muito pouco também se pode aprender sobre isso de escritos que estão extremamente distantes das experiências diárias, que as processam de modo a selecionar somente uma pequena parcela da condição humana.

322 - Coloca que a experiência é rica demais pra alguma interpretação dar conta.

323 - Ele passou a usar o termo “modernidade líquida” para fugir da confusão que o outro termo gera. No meu vocabulário, "pós-modernidade" significa uma sociedade (ou, se se prefere, um tipo de condição humana), enquanto "pós-modernismo" refere-se a uma visão de mundo que pode surgir, mas não necessariamente, da condição pós —moderna.

324 - Não há projetos de permanência na modernidade líquida, ao contrário da sólida, a anterior: Procurei sempre enfatizar que, do mesmo modo que ser um ornitólogo não significa ser um pássaro, ser um sociólogo da pós-modernidade não significa ser um pós-modernista, o que definitivamente não sou. Ser um pós-modernista significa ter uma ideologia, uma percepção do mundo, uma determinada hierarquia de valores que, entre outras coisas, descarta a idéia de um tipo de regulamentação normativa da comunidade humana, assume que todos os tipos de vida humana se equivalem, que todas as sociedades são igualmente boas ou más; enfim, uma ideologia que se recusa a fazer qualquer julgamento e a debater seriamente questões relativas a modos de vida viciosos e virtuosos, pois, no limite, acredita que não há nada a ser debatido. Isso é pós-modernismo. (...) Sem dúvida a vida moderna foi desde o início "desenraizadora", "derretia os sólidos e profanava os sagrados", como os jovens Marx e Engels notaram. Mas enquanto no passado isso era feito para ser novamente "re-enraizado", agora todas as coisas — empregos, relacionamentos, know-hows etc. — tendem a permanecer em fluxo, voláteis, desreguladas, flexíveis.

325 - Jean-Paul Sartre aconselhou seus discípulos em todo o mundo a ter um projeto de vida, a decidir o que queriam ser e, a partir daí, implementar esse programa consistentemente, passo a passo, hora a hora. Ora, ter uma identidade fixa, como Sartre aconselhava, é hoje, nesse mundo fluido, uma decisão de certo modo suicida. Se se toma, por exemplo, os dados levantados por Richard Sennett — o tempo médio de emprego em Silicon Valley, por exemplo, é de oito meses —, quem pode pensar num projet de la vie nessas circunstâncias? Na época da modernidade sólida, quem entrasse como aprendiz nas fábricas da Renault ou da Ford iria com toda a probabilidade ter ali uma longa carreira e se aposentar após 40 ou 45 anos. Hoje em dia, quem trabalha para Bill Gates por um salário talvez cem vezes maior não tem idéia do que poderá lhe acontecer dali a meio ano! E isso faz uma diferença incrível em todos os aspectos da vida humana. (...) No meu livro mais recente, Liquid love, exploro o impacto dessa situação nas relações humanas, quando o indivíduo se vê diante de um dilema terrível: de um lado, ele precisa dos outros como o ar que respira, mas, ao mesmo tempo, tem medo de desenvolver relacionamentos mais profundos que o imobilizem em um mundo em permanente movimento.  

326 - Ele acha que a tendência é sempre a felicidade crescer, no longo prazo, mas que antes era menos flexível a coisa era.

327 - O senhor subscreveria a motto de Romain Rolland sobre o "pessimismo da inteligência" e o "otimismo da vontade"?

Pessimismo? No meu entender, o otimista é aquele que acredita que este é o melhor dos mundos possíveis. E o pessimista é aquele que suspeita que o otimista tem razão... Nesse quadro, não me identifico nem com o otimista nem com o pessimista, pois acredito que o mundo possa ser melhorado e que essa mera crença é instrumental em torná-lo melhor...

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