O Homem do Século XVI (FEBVRE, Lucien)
FICHAMENTO e, depois, RELATÓRIO DE LEITURA (não foram feitos por mim)
“O Homem do Século
XVI”. FEBVRE, Lucien.
1 - Trata-se de uma conferência realizada na
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP em 2 de setembro de 1949.
2 - Afirma que desde a Renascença, o homem,
graças aos descobrimentos da ciência, teve que ser colocado no mesmo terreno
das demais criaturas que estão sujeitas às leis da natureza e não a qualquer
outra especial como queria o cristianismo. Adaptando-se e se transformando
lentamente, a religião não deixará de ressaltar, porém, a autonomia de
consciência, a qual difere moralmente o ser humano.
3 - Coloca a necessidade de a História se ocupar
não apenas das obras - e muitas vezes apenas no sentido negativo - dos homens,
mas do próprio homem, o qual, ao contrário do que se costuma dizer, não é
sempre o mesmo. Pelo contrário, muda profundamente de época para época, como
não poderia deixar de ser tendo em vista as mudanças do meio. Trata-se de
criar, no dizer do autor, uma “história humana da humanidade” (pág. 16)
4 - Retrata o homem francês do Século XVI como um
nômade, seja pela miséria que o abatia e o fazia ter de migrar com a sua
família, por vezes desmantelada pelas tragédias, seja o nomadismo do Rei
Francisco I, o qual era acompanhado em suas longas - de meses - marchas a
cavalo por toda a sua corte, incluindo as damas.
5 - A vida do campo invadia até mesmo a cidade,
existindo em algumas cidades inclusive a figura do pastor de bairro ou comunal,
o qual, de manhã cedo, levava bezerros, vacas e outros animais para pastar fora
dos limites da cidade, trazendo-os a seus estábulos apenas ao cair da tarde.
Entre os próprios habitantes do meio urbano, não eram poucos os que passavam o
dia trabalhando na zona rural.
6 - A noite era necessariamente escura e as
estações climáticas ainda eram extremamente relevantes, tendo em vista a
dificuldade de contornar os seus efeitos mais rigorosos. No inverno, capas de
pele eram necessárias ainda que houvesse fogo e chaminé.
7 - Febvre menciona o quanto a matemática era
algo pouco presente na vida dessas pessoas. Mesmo os sinais aritméticos mais
simples ainda não tinham sido inventados ou eram pouco conhecidos. Não havia
método unificado para as quatro operações básicas, por exemplo, o que impediu,
até muito tempo, a universalização de tal conhecimento e atrasou seu
desenvolvimento. Os equipamentos de madeira, único material da época, eram
pouco precisos, ainda quando fossem verdadeiras obras-primas.
8 - Na guerra, os homens levavam seus galos para
que fossem despertados com precisão no horário. Os relógios eram raros e só
mediam as horas, as quais eram anunciadas com maior ou menor atenção pelos
sinos das cidades. Também faltava precisão para marcar o momento corrente do
ano. Febvre chega a dizer que o homem da época não sentia o tempo passar.
9 - Não havia pressa e avareza. Tudo era
construído com paciência e meticulosidade.
10 - Febvre reflete ainda sobre os sentidos. A
audição, tato e olfato pareciam mesmo ser mais importante que a, hoje
sobrevalorizada, visão. Cita o exemplo da literatura da época, em que os sons
eram mais usados para descrever uma cena que as cores, por exemplo. Exemplo
ainda maior era a religião, para a qual a fé se dava, sobretudo, pela audição,
sendo necessário aos homens que ouvissem “a palavra”. Os “reformadores”
caminhavam e falavam a cada pessoa. A memória auditiva era mais forte que a
visual, da leitura. Basta dizer que prédicas de horas seguidas chegavam a ser
mesmo disputadas.
11 - Por fim, propõe, no seu intuito de humanização da História e da sua aliança com a Ciência, que se esboce inclusive a história dos sentimentos - amor, ciúme, crueldade, medo, valorização da vida humana, etc.
RELATÓRIO DE LEITURA
TEXTO
“O Homem do Século
XVI”. FEBVRE, Lucien.
RESUMO BIOGRÁFICO
Lucien Febvre nasceu em Nancy, na
França, em 1878 e viveu até o ano de 1956. Formou-se em história e geografia na
École Normale Supérieure. Junto com Marc Bloch, que seria posteriormente
perseguido e fuzilado pelos nazistas, fundou, em 1929, a “Revista dos Annales”,
a qual, apresentando trabalhos que se baseavam no princípio do “tempo longo”,
voltou-se para a “História das mentalidades”.
Em suas pesquisas, interessou-se
mais pelos costumes e sentimentos de um povo num determinado período histórico
que pelo então tradicional modo de escrever a história com base nas ideias.
Entre obras suas de destaque estão: Martinho Lutero, um destino (1928); O
Problema da Incredulidade no século XVI: A Religião de Rabelais (1942);
Combates pela História (1953).
INTRODUÇÃO
Trata-se de uma conferência realizada na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras da USP em 2 de setembro de 1949, sobre os costumes e modo de
viver e pensar em geral do “Homem do Século XVI”.
Criando o terreno propício ao desvelamento de suas principais
contribuições, Febvre colocará que, desde a Renascença, o homem, graças aos
descobrimentos da ciência, teve que ser colocado no mesmo terreno das demais
criaturas que estão sujeitas às leis da natureza, em vez de a qualquer outra
especial como queria o cristianismo. À religião, coube então se adaptar e
transformar lentamente, voltando-se para a defesa da autonomia de consciência,
a qual diferiria moralmente o ser humano.
O tempo todo esteve presente, na
conferência, de forma implícita ou explícita, a necessidade de a História se ocupar não apenas das “obras” dos homens
(muitas vezes em seu sentido negativo), mas do próprio homem, o qual, ao
contrário do que se costuma dizer, não é sempre o mesmo. Pelo contrário, muda
profundamente de época para época, como não poderia deixar de ser tendo em
vista as mudanças do meio. Trata-se de criar, no dizer do autor, uma “história
humana da humanidade” (pág. 16)
CONTEÚDO
Febvre retrata o homem francês do Século XVI como um
nômade, seja pela miséria que o abatia e o fazia ter de migrar com a sua
família, por vezes desmantelada pelas tragédias, seja o nomadismo do Rei
Francisco I, o qual era acompanhado em suas longas - de meses - marchas a
cavalo por toda a sua corte, incluindo as damas.
A vida do campo invadia até mesmo as cidades, inclusive existindo em
algumas delas a figura do pastor de bairro (ou comunal), o qual, de manhã cedo,
levava bezerros, vacas e outros animais para pastar fora dos limites urbanos,
trazendo-os a seus estábulos apenas ao cair da tarde. Entre os próprios
habitantes da cidade, não eram poucos os que passavam o dia trabalhando na zona
rural.
O historiador francês observa também que a noite era necessariamente
escura e as estações climáticas ainda eram extremamente relevantes, tendo em vista
a dificuldade de contornar os seus efeitos mais rigorosos. No inverno, capas de
pele eram necessárias ainda que houvesse fogo e chaminé.
Uma das peculiaridades que talvez mais pudesse passar despercebida a um
observador atual desatento, está no quanto a matemática era algo pouco presente
na vida dessas pessoas. Febvre vai colocar que mesmo os sinais aritméticos mais
simples ainda não tinham sido inventados ou eram pouco conhecidos. Não havia
método unificado para as quatro operações básicas, por exemplo, o que impediu,
até muito tempo, a universalização de tal conhecimento e atrasou seu
desenvolvimento. Os equipamentos de madeira, único material da época, eram
pouco precisos, ainda quando fossem verdadeiras obras-primas.
Na guerra, os homens levavam seus galos para que fossem despertados no
horário. Os relógios eram raros e só mediam as horas, as quais eram anunciadas
com maior ou menor atenção pelos sinos das cidades. Também faltava precisão
para marcar o momento corrente do ano.
Com diversos exemplos, Febvre pretendeu defender o quanto esse meio da
“não-precisão” afetava o próprio modo das pessoas perceberem o tempo e os
eventos relevantes. Hoje, passado o mundo pelo nascimento e apogeu do
taylorismo, fordismo e toyotismo, por exemplo, pode ser difícil até mesmo
imaginar uma época em que a pressa e a avareza não dominavam o modo de fazer as
coisas. É como se o homem não sentisse o tempo passar. Tudo era construído com
paciência e meticulosidade.
Outra diferença relevante para os tempos atuais, está na reflexão que o
conferencista irá trazer sobre os sentidos do corpo humano. A audição, tato e
olfato pareciam mesmo ser mais importante que a, hoje sobrevalorizada, visão.
Cita o exemplo da literatura da época, em que os sons eram mais usados para descrever
uma cena que as cores, por exemplo. Exemplo ainda maior era a religião, para a
qual a fé se dava, sobretudo, pela audição, sendo necessário aos homens que
ouvissem “a palavra”. Os “reformadores” caminhavam e falavam a cada pessoa. A
memória auditiva era mais forte que a visual, da leitura. Basta dizer que
prédicas de horas seguidas chegavam a ser mesmo disputadas.
CONCLUSÃO
Os inúmeros exemplos e relações traçadas por Lucien Febvre não se
destinam a passarem por meras curiosidades. Trata-se de encarar a complexidade
e diversidades de fatores que vão determinar o agir humano de cada época. Ora,
tendo em vista a variedade de tecnologias e contextos de um modo geral, seria
impensável exigir um mesmo “homem” o tempo todo na História.
Assim, com sua contribuição, não pretendeu esgotar os modos pelos quais
o “homem” daquele tempo pode ser observado. É exatamente o contrário. Ao fim da
conferência, reconhece o longo caminho que a pesquisa histórica, no seu
entender, teria pela frente. Por isso mesmo, vai propor, no seu intuito de
humanização da História e da sua aliança com a Ciência, que se esboce inclusive
a história dos sentimentos - amor, ciúme, crueldade, medo, valorização da vida
humana, etc.
Conclui-se que esse tipo de abordagem da História, em que pesem as
polêmicas com as demais escolas, pretende, no mínimo, tornar possível que se
abra um campo de novas - e talvez numericamente ilimitadas - investigações, as
quais têm razão de ser na própria complexidade de fatores que envolvem o
entendimento dos fatos e desenvolvimentos históricos. Ao historiador, caberia
contribuir para compor uma espécie de mapa do “homem” de cada tempo.
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