Gustavo Machado - István Mészáros e a teoria do socialismo em um só país II
(continuação...)
63 - O capital continuou dominando portanto a sociedade “pós-capitalista do tipo soviético”.
64 - Algumas críticas que Gustavo fez a Mészáros logo após eu não vi sentido algum. Que fundo de consumo assegurado teria o trabalhador soviético? E como o controle do processo de trabalho não seria direto? Capitalista compra força de trabalho justamente para exercer esse comando. Isso é tão verdade quanto o fato de que o capitalista não “pode mais” que a relação capital, mas não altera a conclusão. Ou então seria crer que o controlador do capital é magnânimo e consegue romper a relação gerindo tudo em interesse social-coletivo.
65 - Marx diz que o “trabalhador […] não é mais do que tempo de trabalho personificado. Todas diferenças individuais se dissolvem na distinção entre trabalhadores” (MARX, 2013, p. 317). Toda colorida “multidão de trabalhadores de todas as profissões, idades e sexos que nos atropelam com mais sofreguidão do que as almas dos mortos a Ulisses, e nos quais se reconhece à primeira vista […] as marcas do sobretrabalho” são indistintamente igualados. Por isso, “diante do capital, todos os seres humanos são iguais” (MARX, 2013, p. 327). Gustavo pergunta: Onde encontrar esse processo em uma sociedade em que o conjunto dos trabalhadores não se confrontem com o capital enquanto vendedor de sua força de trabalho? Então os trabalhadores da URSS definiam autonomamente o valor da força de trabalho deles, Gustavo? Os inúmeros casos de lutas - alcoolismo pode ser resistência individual, vale lembrar - e boicote à produtividade não eram uma tentativa de diminuir a exploração? Por que? Controlavam seu tempo e ritmo de trabalho? Eles confrontavam a lógica do capital sim, já que não tomavam as decisões.
66 - Pergunta Gustavo: Que autoexpansão é esta se Mészáros não fala de mais-valia, mas, antes, de trabalho excedente? Qual era a diferença disso para o trabalhador soviético, pergunto eu, já que os conceitos têm que dizer respeito ao concreto e não o contrário. Tanto o capitalista quanto o burocrata soviético visam a expansão do capital. Na cabeça deles, como meio (para superar o capitalismo, fazer guerra ou para ficar rico), mas a relação-capital “está nem aí” para isso, ela continua “operando”.
67 - (Porém isso tudo é algo sobre que ainda penso, até pelo debate interno aqui “mais-valia e trabalho excedente”, diferença prática e se só se aplica ao capitalismo. Também temo que seja um debate de melhor sistema de conceitos e não um debate concreto. Mészaros e Gustavo podem ter simplesmente conceitos mais ou menos abrangentes na caracterização da relação social “capital”)
68 - Gustavo invoca Marx contra Mészáros: Não sem razão, “o capital é ao mesmo tempo necessariamente capitalista, e a ideia de alguns socialistas, segundo a qual precisamos do capital, mas não dos capitalistas, é inteiramente falsa” (MARX, 2011, p. 421). Nesse trecho Marx se refere, dentre outros, aos chamados socialistas ricardianos como John Gray, Thomas Hodgskin e John Francis Bray, bem como Proudhon.
69 - Outra crítica de Gustavo: Marx insiste, inúmeras vezes, que o capital é uma unidade de produção-circulação. (...) Sem forma-valor que, por sua vez, pressupõe a troca de mercadorias generalizada, inclusive a mercadoria força de trabalho, não se têm mais-valia e nem capital. (A meu ver, a URSS mostrou que esse pressuposto é relativo. Marx explicou o capitalismo que conhecia, mas este não é necessariamente o único modo pelo qual o capital opera seu domínio sobre o conjunto das relações sociais).
70 - (Isso tudo sem contar o mercado cinza que existia na URSS e que foi inclusive drenando produtividade da economia oficial, o que bem mostra que o trabalhador mais vendia sua força ao Estado que comandava este e seu processo de trabalho, daí o boicote).
71 - Gustavo: Ora, como podemos ver, nos parece correto afirmar que a URSS não superou o capital. No entanto, o motivo não foi porque a especificidade de sua lógica de reprodução interna possa ser determinada como uma espécie de subsistema do capital, mas o fato de permanecer dependente, e em doses cada vez mais ampliadas, do mercado mundial. Os produtos comprados pela URSS do mercado externo atuavam nestes como capital-mercadoria. Da mesma forma, as mercadorias vendidas atuavam no exterior como capital mercadoria. Isso sem falar no capital monetário em permanente intercâmbio com os estados soviéticos a partir da dívida pública constituída pela URSS desde o pós guerra. (...) como superar o fetichismo da mercadoria em uma nação isolada que precisa de um excedente cada vez mais ampliado para trocar com um mercado internacional que se rege, por sua vez, pela valorização do valor e não pelas necessidades humanas?
72 - Critica Lukács - estou por fora dos detalhes do debate: O que poucos sabem é que quem primeiro formulou esta linha de intervenção de modo consciente, a Frente Popular, antes mesmo da Internacional Comunista, foi Lukács em suas Teses de Blum de 1928. Teria Mészáros realizado a crítica dessas teses? Ao contrário, ele louva o fato de Lukács ter sido o primeiro a formulá-la, motivo pelo qual sofreu forte ataque na Internacional Comunista naquele momento e diz apenas que tais teses foram “internacionalmente inovadoras” (MÉSZÁROS, 2002, p. 348).
73 - No geral, critica que Mészáros parece crer que resolvendo os problemas internos - superando a lógica do capital - o socialismo em um só país até poderia ser possível. Também critica que Mészáros minimize a importância explicativa - mal aborda - da internacionalização da revolução na superação da lógica do capital.
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