Site Voyager - Esquerda e Democracia III

(continuação...)

228 - A Comuna de Paris acabou destruída brutalmente em poucas semanas. Foi uma carnificina: cerca de 20 mil pessoas terminaram executadas. Número que superava, inclusive, os mortos durante o sempre lembrado Terror jacobino.

229 - Havia o poder dual de que tratava Trotsky na Rússia em 1917? Nem Governo Provisório, nem Soviete de Petrogrado, segundo Daniel Aarão Reis: Havia ali um reconhecimento da legitimidade das instâncias centrais, mas não uma obediência automática às suas orientações. Nesse sentido, seria mais fácil falar de uma “rede” de conselhos, de uma multiplicidade de poderes, e não de uma dualidade de poderes”.

230 - A democratização das Forças Armadas quebrava a espinha dorsal da instituição, baseada na hierarquia a na disciplina. No interior, os camponeses seguiram o mesmo caminho, conformando instancias deliberativas locais, que também não se sujeitavam ao Governo Provisório: “como o comitê do vilarejo Sotnursk lembrou às suas autoridades regionais: Nós elegemos vocês. Vocês têm que nos ouvir!”

231 - De certa forma, os sovietes buscavam a hegemonia. Lênin lançou o “todo poder aos sovietes”. Nessa concepção de democracia, a política pluripartidária não faria sentido, pois o governo seria um executor das deliberações que viriam de baixo.

232 - O problema é que ao mesmo tempo em que os Sovietes brotavam como cogumelos, o Governo Provisório fortalecia a democracia representativa, tirando os partidos da ilegalidade e prometendo convocar uma Assembleia Constituinte. Cedo ou tarde, haveria conflito.

234 - As primeiras medidas adotadas pelo CCP iam na direção do fortalecimento da democracia direta. Lênin precisava ampliar as bases de sustentação política e oficializou algumas decisões que já haviam sido decididas pelos conselhos: como a jornada de trabalho de oito horas, o direito dos povos não russos à autodeterminação, aboliu as distinções civis e estabeleceu o controle operário das empresas. Por outro lado, a Assembleia Constituinte foi mantida e os outros partidos passaram a apostar nela para ampliarem sua influência. (...) A aposta de oposição na democracia liberal deu resultado. Os Sociais Revolucionários (SRs) conquistaram 267 deputados, número muito maior que as 167 cadeiras assegurada pelos Bolcheviques. Havia uma clara crise de legitimidade, proporcionada pela coexistência de dois modelos políticos distintos. Os Socialistas Revolucionários tinham a legitimidade do voto, enquanto os Bolcheviques dominavam grande parte dos Sovietes. Caso a conformação da democracia representativa tivesse continuidade, ela fatalmente iria desmontar os conselhos locais e concentrar poder.

235 - A Guerra Civil tornou a descentralização política inviável e fortaleceu aqueles que defendiam soluções autoritárias dentro do partido. O pêndulo político deslizava para o outro lado. Os partidos oposicionistas foram declarados como inimigos da revolução e do povo Russo. A administração da Justiça passou para os Sovietes e, na prática, passou a ser administrada pelo governo. (...) Foi criado uma polícia política, a Tcheka. A economia passou a ser administrada e planejada centralmente, colocando um ponto final em qualquer possibilidade de autogestão nas fábricas. “Os Bolcheviques, de fomentadores da desagregação e da ruptura, convertiam-se, agora, em força centrípeta, campeões de um processo rápido de centralização autoritária da sociedade”. (Daniel Aarão Reis). (...) A Guerra Civil, que surgiu para solucionar o conflito entre dois modelos distintos de democracia, acabou enterrando os dois.

236 - Uma nova burocracia se instalou no Estado, inteiramente sob o modelo que Lênin havia instituído em 1904 para a organização do Partido. Se conforme este modelo as autoridades centrais do Partido deviam vigiar, dirigir e determinar todas as expressões de vida dos camaradas do Partido e do movimento operário em geral, a nova burocracia devia vigiar, dirigir e determinar todas as expressões de vida do conjunto da população, não só na vida do Estado mas também no processo de produção e de circulação, mesmo toda a vida social, todo pensamento e todo sentimento das massas” (em “A Ditadura do Proletariado”). (…) “Sem dúvida, liberdade de circulação e de domicílio, liberdade de escolher a sua profissão e o seu serviço são liberdades ‘liberais’, assim como a liberdade de imprensa e de reunião, etc.

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