Resenha: "Os anarquistas julgam Marx"

 

Resenha: "Os anarquistas julgam Marx"


Fui na feirinha anarquista que foi realizada há alguns dias atrás no Tendal da Lapa. Sou contra este tipo de evento pois ele tem a finalidade de criar segmentos de mercado. Assim, temos a feira do automóvel, da informática... e agora uma feira anarquista! Talvez a melhor crítica dos tempos atuais foi feita pelos situacionistas na década de 60 do século passado: "A sociedade do espetáculo". Segundo eles, já naquela época, o fetichismo da mercadoria jé dava mostras de chegar ao seu ponto máximo de abstração. O que isto quer dizer? O fetichismo, trocando em miúdos, é quando as coisas passam a ter relações sociais e as pessoas passam à condição de coisas. Como assim? O que define uma mercadoria é seu valor de troca. Você não faz uma mercadoria para usá-la, mas para vendê-la, isto é, trocá-la por dinheiro. Quando vendemos nosso trabalho, nos tornamos uma mercadoria (uma coisa). A partir daí, as relações de troca passam a determinar todas as relações sociais. Isto é, o dinheiro e a mercadoria passam ao primeiro plano nas relações humanas, subordinando estas à lógica da troca. Para os situacionistas isso chegou ao seu auge: assistimos passivos ao espetáculo das mercadorias: elas passam a ter vida própria. Por exemplo, enquanto, nos anos 10 e 20 do século XX, os anarquistas lutavam efetivamente contra a exploração, hoje os anarquistas levam todo ideário anarquista a uma esfera unicamente abstrata. Então você assiste o pessoal vestido (ou fantasiado) de revolucionário, palestras e mais palestras, debates, shows, livros, CDS etc. E o que está por trás disso? A mercadoria, a unidade mínima do capital. Ou seja, assistimos há muitos espetáculos, inclusive a dos anarquistas. No final aplaudimos e vamos dormir satisfeitos em nossas casas. Enquanto isso a desigualdade social, a miséria, é cada vez maior. Noutras palavras, delegamos nossas vidas a imagens que não passam de mercadorias. Estas imagens podem ser os personagens da novela, a Ferrari atrás da vitrine, a figura do Che etc., que passam a representar a vida por nós.

 

Foi na feira que comprei o livro "Os anarquistas julgam Marx" da editora Imaginário. Relutei em comprar porque achei que era mais um ataque ressentido dos anarquistas. Mas mudei completamente de idéia depois de ler: o livro é extremamente bom. O livro é uma coletânea de textos e as críticas são muito bem fundamentadas e não caminham no sentido de "olha, os anarquistas são os melhores". É claro que há um ou dois textos assim, mas, de modo geral, os textos são excelentes. O livro é simplesmente uma prova de que os teóricos anarquistas de hoje só não são mais conhecidos pelo público por causa da campanha (política) maciça dos marxistas acadêmicos para denegrir a imagem daqueles e omiti-los. Por exemplo, o texto "A questão econômica" de Eric Vilain, para mim o melhor, demonstra um profundo conhecimento da obra de Marx, conhecimento este que muito marxista (a maioria) não tem; por exemplo, o autor chega a citar idéias centrais da obra de Marx (2a. fase) como o fato do capital ser o sujeito (da história), isto é, sujeito pseudoconcreto, a influência de Hegel, e chega mesmo a mencionar os "Rascunhos" (Grundrisse), que pouca gente conhece, inclusive marxistas mais ferrenhos, mas que é fundamental. Este autor diz que devemos absorver os pontos positivos de Marx e rejeitar os negativos, e devemos proceder da mesma forma com os anarquistas, em se tratando da crítica ao capitalismo. Neste sentido vão todos os outros textos, isto é, não é a velha repetição dos textos de Bakunin, muito apropriados, é verdade. Os autores demonstram renovar as críticas, conhecendo muito bem a vida e a obra de Marx e atacam nos seus lugares mais frágeis (como Bakunin fez em sua época). Outros destaques são: "Karl Marx, a Tênia do socialismo" de Maurice Joyeux;

 

Marx e a social-democracia" de Daniel Guérin; "O jovem Marx e os patinhos feios" de Jean Barrué; "Marx era realmente marxista" de Michel Ragon; "Marx e o Anarquismo" de Rudolf Rocker. Ou seja, quase todos. Simplesmente, não dá para parar de ler.



Para finalizar, na minha opinião, enquanto Marx dá um show em economia, os anarquistas dão uma lição em política e sociologia. Marx devia ter aprendido com os anarquistas, e os anarquistas com Marx. Pelo menos nisso os anarquistas estiveram à frente, Bakunin leu a obra de Marx, traduziu para o russo o "Manifesto Comunista", e teve mais boa vontade com seu adversário, sendo vítima, no entanto, das manobras políticas (e não "econômicas") e das calúnias de Marx e Engels.

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