César Maia e outro texto - Chile de Pinochet
Alguns ingênuos relevam a barbárie de Pinochet, justificando-a pelas mudanças na economia que explicariam a situação exemplar do Chile de hoje. Outro embuste. A economia foi entregue aos mais ortodoxos monetaristas da escola de Chicago. Aplicou-se o receituário mais horizontal possível. As empresas quebraram, a economia desintegrou.
Transformações
Chile
Os defensores do neoliberalismo apelidaram esse período de "milagre chileno". Mas as estatísticas frias mostram números pouco milagrosos:
durante o regime Pinochet, entre 1974 e 1987, o PNB per capita do Chile caiu 6,4% em dólares constantes, caindo de US$ 3.600 em 1973 para 3.170 em 1993 (dólares constantes). Apenas cinco países da América
Latina tiveram, em termos de PNB per capita, um desempenho pior que o do Chile durante a era Pinochet (1974-1989) [1] [2].
(...) Esta desigualdade chilena - que inexistiu até 1970 e só surgiu após o golpe militar de Pinochet - é atribuída, por alguns, ao
atual sistema liberal (em comparação às décadas de 50, 60 e 70, quando o Chile tinha uma distribuição de renda exemplar), outros a atribuem à adoção de fatores
naturais (que fez desenvolver um determinado tipo de economia extrativista que favorece instituições que propiciam a desigualdade; já o relatório da Comissão Européia menciona como
um dos fatores que contribuem para essa grande desigualdade econômica os impostos regressivos [3].
A partir dos anos 80, com o estrangulamento de natureza externa e a inflexão do ciclo econômico, ò crédito doméstico ao setor produtivo contraiu-se
drasticamente. O montante das operações registradas ao final de 1980 representava apenas a metade, em termos reais, do nível alcançado em 1978. Enquanto isso, pelo lado dos haveres financeiros em
circulação na economia, observava-se um significativo incremento da emissão de títulos governamentais.
Na última década, o sistema financeiro, atado às necessidades
crescentes de recursos para lastrear a dívida pública interna governamental, vivenciou um processo de sofisticação e, ao mesmo tempo, de descaracterização de suas principais funções.
Ele deixou de intermediar recursos para as esferas produtivas e transformou-se no principal instrumento de rolagem da dívida mobiliária estatal. Na competição pelos fundos disponíveis na
economia, as instituições lançaram-se em pesados programas de informatização de seus serviços, visando diversificar atividades e prestar melhores serviços a seus clientes.
Se os bancos deixaram de ser atraídos pelas aplicações de recursos nas esferas produtivas, ofertando menos recursos ao financiamento das atividades do setor
privado, não é menos verdade que o próprio setor produtivo da economia passou a demandar menos crédito. As políticas de ajustamento econômico de cunho ortodoxo e as incertezas com relação
ao futuro deprimiram o investimento, levando empresas e rentistas a preferirem o abrigo seguro das letras do Tesouro ao invés de correrem os riscos e as vicissitudes inerentes ao investimento produtivo.
Portanto,
pode-se dizer que, com o estrangulamento externo e as suas conseqüências sobre as contas do setor público brasileiro, os bancos se tornaram os grandes canalizadores de recursos para a rolagem do endividamento
interno governamental. Por outro lado, o tipo de tentativa de ajustamento, em linhas ortodoxas, que prevaleceu na maior parte do período posterior a 1982, reduziu drasticamente a demanda interna por investimentos.
Assim, a ciranda financeira que se estabeleceu com os papéis do Tesouro acabou sendo um mecanismo funcional para o governo, as instituições financeiras e o próprio setor produtivo privado. Isso porque: o primeiro rolava seus débitos; o segundo fugia do risco privado, crescente num momento de recessão, para o risco "soberano", representado pelas obrigações do Tesouro; e o setor produtivo encontrava na ciranda financeira não só uma forma de tentar preservar o valor real de sua riqueza líquida, como também uma alternativa de aplicação de seus ganhos e lucros, dada a impossibilidade de transformá-los em novas inversões produtivas num quadro de recessão, queda dos rendimentos reais dos assalariados e redução do emprego, prevalecentes no país há mais de uma década.
Em síntese, na ciranda financeira articularam-se a necessidade do governo em girar seu endividamento com a preferência pela liquidez do setor produtivo que, assombrado
com o estado das expectativas, deixou de investir.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141993000100010
Comentários
Postar um comentário