César Maia e outro texto - Chile de Pinochet

 

Alguns ingênuos relevam a barbárie de Pinochet, justificando-a pelas mudanças na economia que explicariam a situação exemplar do Chile de hoje. Outro embuste. A economia foi entregue aos mais ortodoxos monetaristas da escola de Chicago. Aplicou-se o receituário mais horizontal possível. As empresas quebraram, a economia desintegrou.


No período 1950-1971, o PIB por habitante do Chile cresceu 2% ao ano. Entre 1972 e 1983, o PIB por habitante decresceu à taxa de 1,1% ao ano. Insisto: 1,1% ao ano, negativos. Em 1970, a relação do PIB por habitante do Chile em relação ao dos EUA era de 35,1%. Em 1992, era de 33,6%. Isso depois de um forte crescimento nos últimos anos de Pinochet.

Dos 17 anos de ditadura, o período de desenvolvimento econômico veio quando os conselheiros de Pinochet sugeriram que ele saísse de nomes ortodoxos e apostasse num economista brilhante que trabalhava na Oficina de Planejamento e havia participado, assessorando, da área da Previdência Social.


A propaganda de Pinochet, depois de uma queda abissal do PIB nos primeiros anos, apresentava números positivos que nada mais eram que uma reação ao abismo. Depois de 12 anos de fracasso, assumiu o Ministério da Fazenda/Economia Hernán Buchi (que os chilenos pronunciam Birri). Com poderes plenos, atuou como uma espécie de premiê econômico.

 

Transformações


Foram nesses cinco anos sob o comando de Buchi que a economia chilena viveu as transformações que conhecemos: reforma do Estado, focalização nos setores com vantagem comparativa, abertura da economia, desvalorização para estimular as exportações, controle de capitais especulativos, gestão monetária e fiscal flexíveis (a reforma previdenciária custou 10% do PIB).


Quando veio a primeira eleição pós-ditadura, com a Concertação entre democrata-cristãos e socialistas apresentando um político experimentado, Patricio Aylwin, Pinochet não tinha um nome para apresentar. Recorreu a Buchi e o lançou sem nenhuma experiência política anterior e com seu cabelinho de corte à príncipe valente.


Assim mesmo, Buchi obteve 40% dos votos. Confundir o desastrado período Pinochet com os últimos cinco anos dos 17 em que ele mandou e que, no fim, apelou para outra direção econômica, assim como querer atribuir ao período ditatorial uma façanha econômica é no mínimo outra impostura. Hoje, Buchi dirige seu Instituto Liberdade e Desenvolvimento e continua prestando serviços ao Chile com seu talento.



CESAR MAIA é prefeito do Rio e viveu no Chile entre 1969 e 1973


(...)


Chile

Os defensores do neoliberalismo apelidaram esse período de "milagre chileno". Mas as estatísticas frias mostram números pouco milagrosos: durante o regime Pinochet, entre 1974 e 1987, o PNB per capita do Chile caiu 6,4% em dólares constantes, caindo de US$ 3.600 em 1973 para 3.170 em 1993 (dólares constantes). Apenas cinco países da América Latina tiveram, em termos de PNB per capita, um desempenho pior que o do Chile durante a era Pinochet (1974-1989) [1] [2].



(...) Esta desigualdade chilena - que inexistiu até 1970 e só surgiu após o golpe militar de Pinochet - é atribuída, por alguns, ao atual sistema liberal (em comparação às décadas de 50, 60 e 70, quando o Chile tinha uma distribuição de renda exemplar), outros a atribuem à adoção de fatores naturais (que fez desenvolver um determinado tipo de economia extrativista que favorece instituições que propiciam a desigualdade; já o relatório da Comissão Européia menciona como um dos fatores que contribuem para essa grande desigualdade econômica os impostos regressivos [3].

A partir dos anos 80, com o estrangulamento de natureza externa e a inflexão do ciclo econômico, ò crédito doméstico ao setor produtivo contraiu-se drasticamente. O montante das operações registradas ao final de 1980 representava apenas a metade, em termos reais, do nível alcançado em 1978. Enquanto isso, pelo lado dos haveres financeiros em circulação na economia, observava-se um significativo incremento da emissão de títulos governamentais.

Na última década, o sistema financeiro, atado às necessidades crescentes de recursos para lastrear a dívida pública interna governamental, vivenciou um processo de sofisticação e, ao mesmo tempo, de descaracterização de suas principais funções. Ele deixou de intermediar recursos para as esferas produtivas e transformou-se no principal instrumento de rolagem da dívida mobiliária estatal. Na competição pelos fundos disponíveis na economia, as instituições lançaram-se em pesados programas de informatização de seus serviços, visando diversificar atividades e prestar melhores serviços a seus clientes.

Se os bancos deixaram de ser atraídos pelas aplicações de recursos nas esferas produtivas, ofertando menos recursos ao financiamento das atividades do setor privado, não é menos verdade que o próprio setor produtivo da economia passou a demandar menos crédito. As políticas de ajustamento econômico de cunho ortodoxo e as incertezas com relação ao futuro deprimiram o investimento, levando empresas e rentistas a preferirem o abrigo seguro das letras do Tesouro ao invés de correrem os riscos e as vicissitudes inerentes ao investimento produtivo.

Portanto, pode-se dizer que, com o estrangulamento externo e as suas conseqüências sobre as contas do setor público brasileiro, os bancos se tornaram os grandes canalizadores de recursos para a rolagem do endividamento interno governamental. Por outro lado, o tipo de tentativa de ajustamento, em linhas ortodoxas, que prevaleceu na maior parte do período posterior a 1982, reduziu drasticamente a demanda interna por investimentos.

Assim, a ciranda financeira que se estabeleceu com os papéis do Tesouro acabou sendo um mecanismo funcional para o governo, as instituições financeiras e o próprio setor produtivo privado. Isso porque: o primeiro rolava seus débitos; o segundo fugia do risco privado, crescente num momento de recessão, para o risco "soberano", representado pelas obrigações do Tesouro; e o setor produtivo encontrava na ciranda financeira não só uma forma de tentar preservar o valor real de sua riqueza líquida, como também uma alternativa de aplicação de seus ganhos e lucros, dada a impossibilidade de transformá-los em novas inversões produtivas num quadro de recessão, queda dos rendimentos reais dos assalariados e redução do emprego, prevalecentes no país há mais de uma década.


Em síntese, na ciranda financeira articularam-se a necessidade do governo em girar seu endividamento com a preferência pela liquidez do setor produtivo que, assombrado com o estado das expectativas, deixou de investir.



http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-40141993000100010

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