Karl Marx - O Capital, Livro I - Capítulo XXIII
XXIII - A Lei Geral da Acumulação Capitalista
1. Demanda crescente de força de trabalho com a acumulação, com composição constante do capital
445 – Composição do capital = composição orgânica. Composição-valor. É o capital constante.
446 – “Acumulação do capital é, portanto, multiplicação do proletariado.”
447 - Já em 1696 dizia John Bellers: “Se alguém tivesse 100 mil acres de terra e igual número de libras em dinheiro e em gado, o que seria esse homem rico sem o trabalhador, senão um trabalhador? E como os trabalhadores tornam pessoas ricas, então quanto mais trabalhadores houver, tanto mais ricos. (...) O trabalho dos pobres é a mina dos ricos”
448 – Mais um usando a natureza humana para justificar safadagem. Sir F. M. Eden (segundo Marx, o único discípulo significativo de A. Smith no Século XVIII): “O que convém ao pobre não é uma situação abjeta ou servil, mas uma condição cômoda e liberal de dependência (a state of easy and liberal dependence), e o que convém às pessoas de posses é ter influência e autoridade suficiente sobre aqueles que trabalham para elas. (...) Tal condição de dependência é, como o sabe todo conhecedor da natureza humana, necessária para o conforto do próprio trabalhador".
449 – Marx diz que, em períodos de grande acumulação, o “preço do trabalho” pode subir sem muitos traumas para o progresso. Cita Adam Smith: “Mesmo com lucros diminuídos os capitais continuam a aumentar: crescem até mesmo mais depressa do que antes. (...) Um grande capital, mesmo com lucros menores, geralmente cresce mais depressa do que um capital pequeno com lucros grandes”.
450 - Segundo Marx, a magnitude da acumulação é variável independente enquanto que o montante dos salários é variável dependente, não sendo verdadeira a afirmação oposta. Não há problemas de "trabalhadores demais ou trabalhadores de menos"... Não sei se compreendi o que ele quis dizer. Da forma que entendi, concordo.
451 - Na religião, o ser humano é dominado pelas criações do seu próprio cérebro. Na produção capitalista, pelas de suas próprias mãos. A lei de Acumulação capitalista exclui qualquer decréscimo do grau de exploração do trabalho que possa comprometer seriamente a reprodução em escala sempre ampliada.
2. Decréscimo relativo da parte variável do capital com o progresso da acumulação e da concentração que a acompanha
452 - Condição do aumento da produtividade: avanço nas maquinarias e tal. Existe outro aumento de capital constante que aparece não como condição, mas como consequência do aumento da produtividade. Fala-se aqui do aumento das matérias-primas e materiais acessórios.
453 - Tendência para o crescimento da parte constante (na composição. O que não significa que o gasto com capital variável não possa crescer bastante ao mesmo tempo), gerando valor menor de um produto e, assim, maior consumo do mesmo.
454 - Concentração nas mãos de um indivíduo de grande soma de capital como condição para certos investimentos extremamente produtivos que envolvem cooperação em grande escala. Tendência para a concentração ou centralização que prejudica a concorrência.
455 - Marx diferencia centralização de concentração. A primeira ocorre com a compra, fusões etc. Eram dois ou mais pares de mãos. Agora só um. O último é o crescimento relativo no mercado mediante acumulação de capital, "gerando riqueza" que não existia, aumentando consumo antes inexistente. Assim, há crescimento e concentração (abocanha parte maior do mercado) sem prejuízo para as demais. A concentração torna mais inacessível a competição no ramo. Grande capital inicial para montar o novo negócio. Concentração é meio que reprodução em escala ampliada mesmo. Creio que há um meio-termo entre essas duas hipóteses: crescimento no mercado, entretanto, sem crescimento no geral. Vitória parcial na concorrência mesmo.
456 - A concorrência e o crédito são, para Marx, as duas mais poderosas alavancas da centralização.
3. Produção progressiva de uma superpopulação relativa ou de um exército industrial de reserva
457 - Marx passa a discorrer sobre a relação maquinaria e desemprego. parece-me uma parte um tanto óbvia.
458 - Marx coloca que o exército de reserva sempre disponível é algo muito importante para o capital já que este tem necessidades variáveis de expansão. Nos períodos mais rápidos (em que a força de trabalho demandada cresce até uma nova invenção que reinicia uma espécie de ciclo de expansão), lá estará o exército. Ademais, o exército de reserva pressiona os ocupados a trabalharem sob as pesadas condições que o capital coloca (sob pena de substituição).
459 - No período infantil do capitalismo, a acumulação não se dava tanto à evolução do capital constante, assim, havia o aumento da procura de trabalhadores. Como nem todos estavam disponíveis (não havia o exército...), foi necessária "alguma" violência a ser tratada mais adiante...
460 - Marx fala de ciclos de 10 ou 11 anos, mas alerta que a tendência é que eles se encurtem gradualmente.
461 - Novamente o exemplo dos trabalhadores que queriam emigrar em 1863 (crise do algodão, guerra civil estadunidense). O economista burguês rejeita a proposta de permitir pois faltaria exército no momento da expansão ou reanimação.
462 - Por sinal, lembre-se que aumento do capital variável (antes de uma nova invenção na maquinaria, por exemplo) não significa necessariamente mais trabalhadores empregados. Pode até ser o contrário. Aumento da jornada... intensidade... Tudo isso acompanhado de aumento salarial resulta na elevação do capital variável.
463 - Volta e meia, Marx está combatendo a teoria que atrela os ciclos do capitalismo moderno a uma "teoria da população". parece que isso era forte na época. A idéia de que ora faltava gente, ora tinha gente demais... Mesmo antes de ler as considerações de Marx, não me pareceria nada razoável. Resta ver se ainda tem gente que defende isso. Em Marx, é o capital que condiciona a população, tornando trabalhadores supérfluos.
464 - Marx não coloca as coisas de modo absoluto (maquinaria X desemprego), o que me parece algo bastante acertado. Diz que há possibilidade de o "novo capital" gerado pela maquinaria se converter em novos empregos que supririam a demissão. Entretanto, isso não parece fácil. Afirmo que o capitalista pode preferir investir em outras coisas (que não beneficiam de forma alguma a classe trabalhadora).
465 - Marx: "se sua acumulação (do capital) aumenta a procura de trabalho, aumenta também a oferta de trabalhadores (...)".
4. Formas de existência da superpopulação relativa. A lei geral da acumulação capitalista
466 - Estudo do Dr. Lee quanto à duração média da vida de um trabalhador nas grandes cidades industriais: Manchester, 17 anos. Liverpool, 15. A burguesia vivia mais que o dobro.
467 - Produção capitalista se apoderando do campo leva ao êxodo urbano na Inglaterra. Jã em 1861, a população urbana ultrapassa.
468 - Quando Marx fala (pág. 748 por sinal) em "miséria de camadas cada vez maiores do exército ativo", fico me perguntando se perdi alguma coisa da exposição, se é momento de raiva dele, ou se o pessoal que diz que ele subestimou o capitalismo está certo. Parece mesmo que é esta última alternativa, por mais que sua análise do capitalismo seja talvez a melhor já feita. Nos capítulos anteriores, Marx não se apressa tanto. Vale dizer que em passagens posteriores do livro (págs. 751 a 758, por aí), dá a impressão de estar falando mesmo da pobreza relativa, o que ao menos torna essa afirmação bem coerente com a época em que viveu. O capitalismo de hoje não é outro sistema, mas é diferente.
469 - Townsend é mais um que fala em lei natural para justificar safadagem: "Parece ser uma lei da Natureza que os pobres sejam até certo ponto imprevidentes (improvident)” (isto é, tão imprevidentes quanto vir ao mundo sem uma colher de ouro na boca), “que sempre há alguns (that there may always be some) para a realização das tarefas mais servis, mais sórdidas e mais ignóbeis da comunidade. O fundo de felicidade humana (the fund of human happiness) é muito incrementado com isso, enquanto os mais delicados (the more delicate) estão livres do trabalho penoso e podem seguir, sem serem perturbados, uma vocação mais alta etc. (...) A Lei dos Pobres tem a tendência de destruir a harmonia e a beleza, a simetria e a ordem desse sistema, que Deus e a Natureza estabeleceram no mundo.”
470 - A citação de Storch também é ótima: "O progresso da riqueza social”, diz Storch, “gera aquela classe útil da sociedade (...) que exerce as ocupações mais enfadonhas, sórdidas e repugnantes, numa palavra, que põe tudo o que a vida tem de desagradável e servil sobre os ombros e, por meio disso, proporciona às demais classes o tempo, a serenidade de espírito e a convencional (c’est bon!) dignidade de caráter etc.”
471 - Destutt de Tracy é mais um da sessão "quando a direita diz a verdade": “As nações pobres são aquelas em que o povo está bem, e as nações ricas são aquelas em que ele é comumente pobre”
5. Ilustração da lei geral da acumulação capitalista
a) Inglaterra de 1846 a 1866; b) As camadas miseravelmente pagas do proletariado industrial inglês
472 – A carência alimentar do trabalhador da indústria, demonstrada por Marx nas páginas destes itens, combina-se com outros fatores fatais: habitação terrível, higiene precária... Falta tudo do mais básico ao trabalhador. Dificilmente há que se falar em saúde. As condições habitacionais de Londres pioraram em 20 anos.
473 – Marx relata ainda a especulação imobiliária em Londres, percorrendo o cheiro dos “grandes empreendimentos” e elevando os aluguéis a preços impagáveis. As condições gerais da população pioravam com os chamados “melhoramentos” na cidade, com expulsão de trabalhadores para as infernais “workhouses”.
474 – Inglaterra viveu sua febre das moradias improvisadas. O ritmo da expansão dos negócios (acumulação de capital) urbanos era maior que o de construção de novas casas.
c) a população nômade
475 – A mesma situação anterior. Aliás, pior.
d) Efeitos das crises sobre a parte mais bem remunerada da classe trabalhadora
476 – Mostra-se que uma forte crise não poupa sequer a parte mais bem remunerada dos trabalhadores.
477 – Na Bélgica, “paraíso do livre-cambismo”, estudos mostram que o trabalhador belga consegue consumir um pouco menos que um presidiário do país. Alimentação insuficiente. A proporção de indigentes é bem maior que a encontrada na Inglaterra. Parece-me que mais que o dobro por sinal.
e) O proletariado agrícola britânico
478 – A situação no campo piorou no século do “O Capital”, comparando-se a séculos passados. O proprietário territorial e o arrendatário oprimem conjuntamente o trabalhador rural.
479 – Com a Lei dos Pobres (1795-1814), a paróquia local complementava a renda do trabalhador para que este pudesse vegetar ao menos. Por conseqüência, o salário pago ao trabalhador rural caiu constantemente no período. A indústria percebia que podia pagar menos e “transferir o encargo”, digamos. Tal trabalhador foi chamado de “escravo branco” por estudiosos da época.
480 – Quando os industriais pleitearam a eliminação das leis aduaneiras, movendo-se campanha contra os exploradores de trabalhadores rurais, foi produzido vasto material que denunciava a condição destes últimos. O contrário também ocorreu na época das leis fabris por sinal, aí o capitalista urbano “se doeu”, digamos.
481 – Afirma que a extinção das leis aduaneiras levou à renovação/modernização do campo inglês e, conseqüentemente, maior exploração do trabalhador rural, tendo este virado um “servo” só que em condições pioradas. Isso segundo o testemunho do “Dr. Rogers”, amigo de liberais e pertencente a essa escola segundo Marx.
482 – O presidiário inglês também era mais bem alimentado que o trabalhador rural, que comia menos que os trabalhadores urbanos também (competidores dos presidiários).
483 – O trabalhador agrícola inglês também é mais mal-alimentado que os demais do Reino Unido (Escócia, País de Gales...). Diferença grande. A habitação do trabalhador rural inglês assemelha-se a um chiqueiro. Muitas vezes, tal chiqueiro é alugado pelo próprio arrendatário (com preço elevado) e tal (exploração dupla).
484 – Passa-se a analisar as condições de habitações precárias/péssimas/vergonhosas de trabalhadores rurais em 12 diferentes condados ingleses.
485 – Fenômeno curioso observado inclusive mediante documentos oficiais: “Os trabalhadores agrícolas são sempre demasiados para as necessidades médias e sempre insuficientes para as necessidades excepcionais ou temporárias da lavoura.” Isso leva a exploração do trabalho infantil e das mulheres na lavoura (época que precisa colheita e tal..).
486 – Fala-se da figura do gangmaster, intermediário que faz uma espécie de contrato de empreitada com o arrendatário. Chefe dos trabalhadores que fica com o encargo de explorá-los ao máximo. Normalmente, nem ganha muito mais que um trabalhador normal. É o sistema de turmas (de crianças e mulheres, excetuando-se o intermediário/chefe). Alguns arrendatários inclusive admitem que, além de ser o mais barato, é também o sistema mais ruinoso para as crianças.
487 – Crianças e mulheres substituem homens. Daí a superpopulação relativa e falta de mão-de-obra ao mesmo tempo. Pretexto para empregar mão-de-obra barata já que os homens são mais caros. Não sei se entendi bem a explicação de Marx aqui.
f) Irlanda
488 – “(..) a Irlanda, em menos de 20 anos, perdeu mais de 5/16 de sua população.” Cerca de 8 para cerca de 5 milhões. A maioria da perda foi devido á emigração.
489 – Não entendi de onde Marx concluiu isso: “A Inglaterra, país de produção capitalista desenvolvida e eminentemente industrial, esvair-se-ia mortalmente caso sofresse uma hemorragia populacional igual à irlandesa”. E, falando da Irlanda, explica porque isso não “matou” os lucros. Ora, parece-me bem simples que o que importa é a produção per capita. A produção caiu até pouco com o decréscimo populacional. Só não entendi qual seria a tragédia inglesa.
(Mais uma discussão de mais de dez anos atrás que me falta o contexto completo)
490 – Marx ressalta que a emigração da Irlanda não melhorou a situação da classe trabalhadora que lá continuou. Diz inclusive que a superpopulação relativa continuou, afinal, a revolução na agricultura acompanhou o ritmo da emigração. Prova que o mercado é quem gera a superpopulação relativa. Não é esta um problema independente. Falha da teoria da população.
491 – Também o trabalhador agrícola irlandês teve sua “proletarização” consumada em meados do Século XIX. As condições de vida pioraram.
492 – Trecho interessante de Marx: “As leis inglesas do trigo, de 1815, asseguraram à Irlanda o monopólio da livre exportação de cereais para a Grã-Bretanha. Favoreceram, por conseguinte, artificialmente o cultivo de cereal. Esse monopólio foi subitamente removido em 1846 com a abolição das leis do trigo. Abstraindo as demais circunstâncias, só esse evento foi suficiente para dar grande impulso à transformação das terras irlandesas de lavoura em pastagens de gado, à concentração dos arrendamentos e à expulsão dos pequenos camponeses.” Tirando a “expulsão (...), poderia ser confundido com um pessoal que não gosta nem um pouquinho do alemão barbudo. A frase na tradução do Reginaldo Sant’anna fica ainda mais curiosa.
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