Andreas Krell - Ativismo Judicial

 

Anotações Sobre o Texto: “Realização dos direitos fundamentais sociais mediante controle judicial da prestação dos serviços públicos básicos”, de Andreas J. Krell.

 

              Capítulo 1 do Texto - Introdução:

              1 – “A jurisprudência e parte da doutrina têm aderido a teorias estrangeiras sobre a aplicação e eficácia dos direitos sociais, que nem sempre se prestam a ser empregadas no Brasil.”

 

Capítulo 2 – Os direitos sociais como direitos fundamentais:

2 – Direitos fundamentais sociais: por meio do Estado (políticas sociais) e não somente contra o Estado. Segunda Geração. Weimar (1919) e Mexicana (1917). Chegou em 1934 ao Brasil. Baixa normatividade e eficácia duvidosa.

3 – Normas programáticas: segundo o autor, Andreas Krell, não representam meras recomendações ou preceitos morais com eficácia ético-política meramente diretiva.

4 – Pontes de Miranda: normas programáticas são dirigidas aos três poderes estatais.

5 – Segundo Krell, a Constituição confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definição da forma e medida em que o direito social deve ser assegurado – “livre espaço de conformação”.

6 – “Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade (...). No entanto, parece necessária a revisão do vetusto dogma da “separação dos poderes” em relação ao controle dos gastos públicos (...), visto que o os Poderes Legislativo e Executivo se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais.

7 – “A eficácia dos direitos fundamentais sociais a prestações materiais depende naturalente dos recursos públicos disponíveis”.

 

Capítulo 3 – Falhas na prestação dos serviços sociais (falta de leis ordinárias?):

8 – Nem faltam. O problema maior é a não-prestação real dos serviços sociais básicos pelo Poder Público.

9 – Direito à educação recebeu mais forte regulamentação constitucional que o “à saúde”. Assim, o primeiro é mais facilmente exigível que o segundo, facilitando a responsabilização do Poder Público.

10 – São poucos os meios jurídicos eficientes para combater a má aplicação dos recursos públicos. Ações de improbidade administrativa e ação popular em defesa da moralidade administrativa encontram, geralmente, grande dificuldade. O controle do Tribunal de Contas, onde houver, restringe-se aos aspectos formais dos gastos. Há vários municípios nos quais se gasta mais em divertimento que em saúde por exemplo.

 

Capítulo 4 – Eficácia dos direitos sociais; a “proibição de retrocesso”; aplicabilidade imediata...:

11 – Direitos Fundamentais têm aplicação imediata (parágrafo primeiro do artigo quinto). Não dependem de lei. Portanto, têm caráter perceptivo e não-programático.

12 – José Afonso da Silva aceita a criação de direitos subjetivos individuais a partir de direitos fundamentais sociais somente na sua vertente negativa, ou seja, podendo-se ensejar inconstitucionalidades. Há controvérsias.

13 – É pouco desenvolvida no Brasil a tese da “proibição de retrocesso”. Por exemplo, não há decisão judicial contra diminuição de alguma prestação social.

 

Capítulo 5 – A doutrina alemã dos direitos fundamentais... (direitos a prestações positivas):

14 – Lei Fundamental Alemã: direitos sociais quase não constam da atual carta germânica.

15 – Deve-se atentar para as diferenças entre leis para nações centrais e as mesmas aplicadas aos países periféricos.

16 – Doutrina constitucional alemã do pós-guerra: a carta de Weimar parece-lhes notadamente fracassada. Os seus amplos direitos sociais foram, na época, ridicularizados por nazistas e comunistas (“promessas vazias do estado burguês”) e levaram à “radicalização” (pro lado nazista...). Segundo Krell, isso também explica a falta de mecanismos de participação popular direta na carta alemã de Bonn (1946), pois estes foram largamente utilizados por extremistas da época, apoiados por massas “radicalizadas e mal-informadas” (plebiscitos), “inviablizando medidas do governo democrático”,

17 – Os alemães, portanto, segundo Krell, temem “textos não-realizáveis” que tirem a normatividade de sua constituição. Temem o “papel morto” revoltante. Preferem evitar os “direitos sociais”. Em 1990 até discutiu-se muito a inclusão, mas o sucesso dos anos anteriores convenceu do contrário. Não deixaram, porém, de criar normas-fim como “Estado Social” (rumo ao...).

18 – “No entanto, (...) os direitos fundamentais clássicos ligados à liberdade estão cada vez mais fortemente dependentes da prestação de determinados serviços públicos, sem os quais o indivíduo sofre sérias ameaças. Os direitos fundamentais de defesa somente podem ser eficazes quando protegem, ao mesmo tempo, as condições materiais mínimas necessárias para a possibilidade da sua realização.” Ex: direito à vida e integridade física em bairros pobres depende de serviços públicos de saúde, educação etc., pois não podem pagar os privados.

19 – Doutrina moderna: qualquer direito fundamental implica obrigações negativas e positivas por parte do Estado, seja qual for a geração.

20 – Krell critica Lôbo Torres quanto à não-classificação dos direitos sociais como “fundamentais”. Seria uma imitação perigosa e injustificável da doutrina alemã.

21 – “Reserva do possível”, defendida por Canotilho, vem da jurisprudência alemã. Decisão em que a Corte Constitucional recusou a criação de vagas nas universidades, pelo Estado, para atender todos os candidatos.

22 – Quem é o legitimado, no Brasil, para definir o que seja “o possível”? Situação diferente.

 

Capítulo 6 – O “padrão mínimo social” para uma “existência digna”:

23 – Direitos sociais programáticos representam “mandados de otimização” (Robert Alexy) que devem ser “densificados”; Krell: “o seu descumprimento pode ser negado por parte do Estado apenas temporariamente em virtude uma impossibilidade material evidente e comprovável”.

24 – A Corte Alemã já condenou o Estado (que deve ser Social) a verificar a possibilidade de aumentar as vagas nas universidades para determinados cursos como conseqüência do direito fundamental à livre escolha da profissão. Parece-me que há implicações orçamentárias claras nisso.

25 – Pode o cidadão recorrer ao direito fundamental à igualdade em conexão com o princípio do Estado Social para exigir uma prestação vital.

26 – Apesar da tal “falta de direitos sociais” na constituição germânica, a Corte Alemã determinou o aumento do valor mínimo que o Estado está obrigado a pagar a cidadãos carentes, extraindo-se o direito a um “mínimo de existência” do princípio da dignidade da pessoa humana (DPH), do direito à vida e à integridade física, confirmando-se tese de Krell das anotações 18 e 19.

27 – Assinala, por último, que os tribunais superiores são os mais resistentes a legitimidade do Judiciário para ordenar a prestação adequada dos serviços públicos sociais.

 

Capítulo 7 – A questão da “constituição dirigente”:

28 – Canotilho antes: a inércia do Estado pode dar lugar à inconstitucionalidade por omissão.

29 – Canotilho depois: entusiasta da transnacionalização e globalização com conseqüente flexibilização da constituição portuguesa (social). Do contrário, impedem-se alternativas políticas. Ademais, só o legislador estaria legitimado a determinar o conteúdo concreto dos direitos sociais. Tem que haver a intermediação da lei para a eficácia das normas constitucionais.

30 – Tal mudança deve-se principalmente à situação social alterada de Portugal no seio do processo de integração econômica e política na União Européia que proporcionou ao país uma prosperidade e estabilidade socioeconômica jamais vivenciada antes. Deve-se ainda à influência alemã. Não é o caso do Brasil. Na Europa, o nível de atuação da sociedade civil organizada é bem maior.

 

Capítulo 8 – O Poder Judiciário: a tradição do formalismo; necessidade de uma interpretação...:

31 – Crítica a hermenêutica puramente lógico-formal que ignora as finalidades das normas. Falta aos profissionais a interpretação coerente dos valores da nova Carta.

32 – Poder Judiciário se tornando cada vez mais espaço de confronto e negociação de interesses. Aplicadores que não estariam “à altura” do texto constitucional complexo.

33 – Até José Afonso da Silva lamenta a incapacidade do Judiciário atual de interpretar as normas buscando realizar justiça social (como prevê a CF). Falta de conhecimento social e filosófico.

34 – R. Smend: Teoria dos Valores – direitos fundamentais como expressão de uma “ordem objetiva de valores”. Teoria defendida pela Corte Alemã. “Os valores assentados nos direitos fundamentais são capazes de impregnar toda a ordem jurídica”, incluindo relações jurídicas dos cidadãos entre si (não só poderes públicos).

35 – A crítica ao positivismo na Alemanha surgiu em grande parte devido à utilização deste pelo regime nazista para atentar contra a Constituição de Weimar, elaborando leis de modo legal, formalmente falando. Até positivista ferrenho se converteu após ver o nazismo. A exemplo de Gustav Radbruch que passou a falar até em “injustiça legal e direito supralegal” e de “leis que não são direito”.

 

Capítulo 9 – Nova compreensão da teoria da separação dos poderes; controle judicial de ,,,:

36 – Mandado de injunção e ação de inconstitucionalidade por omissão ainda não surtiram os efeitos intencionados e desejados pela Constituição Cidadã.

37 – Krell defende o valor político de uma decisão judicial que declara a mora do Estado em relação a obrigações sociais, culturais etc. Acredita que poderia canalizar reivindicações da sociedade.

38 – Critica STF que se nega a controlar sequer os pressupostos constitucionais de edição de medidas provisórias, além de nunca criar normas para resolver casos concretos em mand. de injunção.

39 – Defende uma releitura da “separação de poderes”: deve este proteger os direitos fundamentais não apenas do arbítrio do Estado, mas também da omissão deste.

40 – A Alemanha, devido aos bons serviços públicos e elevado nível de vida da população, não precisa, na atual fase, de muito “ativismo judicial”. Brasil é diferente.

41 – Comparato defende que o Judiciário, apesar da “separação dos poderes”, possui competência para julgar “questões políticas”. Defende ainda o juízo de constitucionalidade de políticas públicas (incluindo política monetária, por exemplo).

42 – L. Lopes defende a ação direta de inconstitucionalidade por parte do MP toda vez que orçamento – leis orçamentárias – contrariarem dispositivos constitucionais.

43 – Indício de revisão gradual da “separação de poderes”: previsão da utilização da “ação civil pública” para defender direitos sociais. Se o Judiciário não pode interferir, não se teria criado este instrumento. (Está certo que ele não funciona muito, mas...)

 

Capítulo 10 – Normas programáticas sobre direitos sociais: mero “simbolismo”?:

44 – Bobbio (em a “Era dos Direitos”): um direito ainda pode ser chamado de “direito” quando o seu reconhecimento e sua efetiva proteção são adiados sine die?

45 – Somente não se deve normatizar o inalcançável.

46 – Crítica de Marcelo Neves e Eros Grau: normatização constitucional social como forma de dominação ideológica, contendo modelos alternativos mediante eternas promessas de realização dos desejos. Porém, Krell ressalta que acha válido à função sugestiva, apelativa, educativa das normas. Suprimir, segundo ele, seria pior (enfraqueceria a luta...). E certo “utopismo” seria bom talvez.

47 – No Capítulo 11, conclui pedindo, entre outras coisas, maior aproveitamento das potencialidades dos novos institutos processuais (ACP; AI por omissão; injunção) e juízes criadores.

 

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