Marxistas - Textos Diversos LVI - Hamburgueres Versus Valor

 

Marcel - Hamburgueres Versus Valor:

858 - Escrito por Marcel, membro do grupo comunista Kämpa Tillsammans! e por G. Dauvé.

859 - Trabalhou em hamburgueria de médio porte: A maior parte do pessoal trabalhava ilegalmente e tinham de trabalhar mais de um ano para poderem assinar um contrato normal e para receberem também um salário normal. Antes disso todos eram aprendizes com salários muito mais baixos. E ser um aprendiz significava também poder ser despedido sempre que bem apetecesse ao patrão.

860 - Algumas pessoas de esquerda chegaram a ter o atrevimento de me dizer que era bom eu trabalhar no restaurante por este não ser nenhuma empresa multinacional e também por causa dos boatos sobre a filantropia do proprietário

861 - Entusiasta das “resistências sem rosto” cotidianas.

862 - Poucos aguentavam mais que alguns meses. Quando eu trabalhei no restaurante apenas o patrão, o filho dele e os amigos do filho ali estavam há mais de dois anos. (...) era o filho do patrão e os amigos dele que faziam os horários de trabalho e que, por isso, ficavam sempre com os melhores turnos. … Eles também iam contar ao patrão tudo o que nós fazíamos e diziamos por isso cedo começaram a ser vistos como os espiões do patrão. Também nos diziam quais as regras do restaurante - por exemplo, que não era permitido conversarmos acerca dos salários nem compará-los uns com os outros. Claro que isto significava que a primeira pergunta que fazíamos a alguém novo quando o/a conhecíamos era quanto ganhava.

863 - Trata das sabotagens que criaram para poderem chegar mais tarde ou levarem certo dinheiro. (...) Se não tirássemos demasiado dinheiro da caixa o patrão não reparava em nada porque dava uma pequena margem para permitir que as pessoas registassem o preço errado.

864 - Os principiantes trabalhavam com outros dois colegas no turno da noite, mas quando o patrão achava que já tínhamos aprendido o mais importante passávamos a trabalhar apenas com mais uma pessoa, o que significava que tínhamos muito mais trabalho. Para resistirmos a isto fazíamos muitos pequenos “erros” para que o patrão achasse que ainda não estávamos preparados para trabalhar em pares.

865 - Também tentava se comunicar, ainda que seja implicitamente, com os outros grupos de funcionários da empresa, para que as resistências se generalizassem. Como fazer o patrão achar que precisava de três pessoas por turno, por exemplo. Porém, não tentavam envolver mais pessoas. Admitimos simplesmente que eram todos leais ao patrão e ao local de trabalho.

866 - (...) A maior parte das pessoas faziam coisas parecidas ao que eu fazia com os meus amigos mas havia algumas que iam contar ao patrão e ao filho dele o que se fazia contra o restaurante. Uma das melhores maneiras de descobrir se podia confiar ou não em alguém era, claro, conversar acerca daquilo que não podíamos falar. Como por exemplo comparar os salários ou perguntar a alguém se trabalhava “ilegalmente” (sem pagar impostos) e se trabalhava que percentagem do dia é que era ilegal. Quando alguém falava acerca disto mostrava sempre de que “lado” estava.

867 - Ele queria dividir o trabalho para uma pessoa ficar na cozinha, outra lavar os pratos e ainda outra fazer os hambúrgueres. Isto significava que estávamos todos isolados uns dos outros e que fazíamos coisas sozinhos. Felizmente quase ninguém obedecia a estas regras - mal o patrão se ia embora organizávamos as tarefas em conjunto e ajudávamo-nos uns aos outros. (...) criou-se uma comunidade importante entre nós e o dia de trabalho tornou-se mais fácil e divertido. Era uma forma de resistência ao aborrecimento e à alienação e uma forma de se trabalhar menos.

868 - Associa capitalismo a valor de troca.

869 - A sabotagem e a destruição de mercadorias eram menos comuns do que outras coisas - por exemplo, do que os roubos. Mas de cada vez que aconteciam nós reparávamos que o patrão ficava muito intimidado e se comportava de forma mais “correcta” para connosco depois de alguém ter destruído algo.

870 - O fato do patrão estar sempre lá e trabalhar muito: Para alguns – poucos - isto gerou o sentimento de que deviam ajudá-lo e passaram a identificar-se com o local de trabalho.

871 - Não era ódio ao patrão, pelo contrário até, mas sim a ter que trabalhar por dinheiro (isso vale pra direita besta parar de falar de “inveja do patrão”. Não é algo contra um sujeito em si).

872 - … não são os capitalistas que controlam o capital, é o capital que controla os capitalistas. Não são apenas os proletários que são intercambiáveis (substituíveis)- os funcionários do capital também o são. No capitalismo os seres humanos não valem nada enquanto humanos.

873 - Não é luta de rico e pobre, mas sim luta contra as relações sociais, contra a lei do valor. Nas pequenas empresas o patrão tem muitas vezes de trabalhar ao lado dos empregados, muitas vezes até mais, e mais arduamente do que os seus empregados.

874 - Se o capital significa passividade na medida em que as nossas actividades não nos pertencem e na medida em que as pessoas não acreditam que podem mudar a sua própria situação, então o comunismo significa actividade e movimento.

875 - A resistência ao trabalho é uma forma de recuperar alguma da “humanidade” que o trabalho nos rouba: por isso torna o nosso dia de trabalho menos alienante. Negar isto é não compreender como o capitalismo funciona nem porque continua apesar de todos os seus horrores. A auto-organização da vida de trabalho (e das suas lutas) é, paradoxalmente, também a condição para uma possível revolução.

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