Econ - Moisés Wagner Franciscon - Mercado e Iniciativa Privada na URSS III

 (continuação...)

172 - A economia cinzenta teria um segundo impacto sobre o setor estatal – o da apropriação não apenas de ferramentas para serviços privados ou o desvio de mercadorias para o mercado negro. Também levaria a uma confusão da propriedade estatal com a privada por parte de alguns agentes, em especial os gerentes de lojas. “O que estava envolvido era, por um lado, o gerenciamento privado do capital social das empresas estatais; e, de outro, a apropriação privada dos produtos daquele capital” (LEWIN, 2007, p.449). Ser membro do partido não significava muita coisa. Era mais uma formalidade. Não significava implicações ideológicas. O que realmente importava era a teia de relações pessoais e de blatnoi lubrificando as engrenagens da corrupção e da indiferença. Assim, existe uma ligação entre o sistema estatal descentralizado e a posterior privatização legal empreendida por Gorbachev e Yeltsin. (LEWIN, 2007, p.448-450).

173 - Após a morte de Stalin e a consolidação da urbanização e da educação secundária e universitária em amplas parcelas da população (a ponto da URSS ter possuído o maior número de cientistas do mundo nos anos 1960-80), as taxas de natalidade, antes das mais elevadas da Europa, declinaram para uma das mais baixas – acompanhando a evolução estrondosa dos dois indicadores de urbanização e educação.

174 - Enquanto o modelo centralista e estatal era forjado sob Stalin, uma ampla gama de produtos e serviços não era objeto de qualquer empreendimento do Plano Quinquenal. Quem quisesse cadarços para os sapatos, consertar relógios, encanamentos, comprar móveis para a casa, cortar o cabelo, tinha que recorrer à iniciativa privada, que monopolizava essas atividades em razão da ausência do Estado. (...) Todd (1977, p.86) afirma que essa segunda economia era tão grande quanto a economia oficial.

175 - As reformas dos anos sessenta não chegaram a instaurar um capitalismo, afirma. … tenderam a enfatizar, unilateralmente, a incorporação de mecanismos de estímulo do mercado (como a transformação do ‘lucro’ na meta da produção das empresas) sem adotar os mecanismos mais punitivos da concorrência (como o recurso à ‘falência’ para punir uma gestão empresarial ineficiente). 

176 - Em alguns países, como a Alemanha Oriental, o uso de marcas pelos produtos era um procedimento universal. Era possível escolher os produtos considerados de melhor qualidade pela opinião – e renda – do público. Havia marcas populares de café, conservas e de bens de consumo que existem ainda hoje. Na URSS, essa era uma prática bem menos comum.

177 - O texto critica a velha tese de Todd de que liberdade econômica – ao menos de alguns – leva à liberdade política. O que os regimes de Pinochet e da China, a partir de Deng, mostraram ser falso.

178 - Na segunda metade dos anos 1960 a repreensão do regime aos admiradores da moda ou música da maioria dos grupos inovadores do ocidente desapareceu, como também contra a manifestação religiosa. O célebre cantor Eduard Khil, o Sr. Trololó, aparecia com ternos com lapelas e golas da moda ou calças boca de sino, como as apresentadoras soviéticas compareciam com a última moda das estrelas americanas. Moda que não ficou restrita à mídia, também ocupando as ruas. O rock e a música disco se popularizaram.

179 - Chernyshova (2013, p.81) mostra outro cenário para os mesmos anos 1970 – o consumo de bens como móveis, roupas, cosméticos e eletrodomésticos (com especial atenção para a TV em cores e o toca-discos) superou, e muito, o de bens de subsistência, como alimentos. A renda do trabalhador dobrou entre 1960 e 1980.

180 - URSS já em Lênin e Stálin comerciava. O Tratado de Rampallo, com a Alemanha de Weimar, previa não apenas a cooperação militar, mas também econômica, com uma pauta de importações de commodities soviéticas e importações de tecnologia e bens industriais.

181 - Pós-guerra: O maquinário da URSS não era competitivo com o que se produzia na Inglaterra ou Estados Unidos. Porém tinha preços atrativos para os novos governos do Terceiro Mundo que precisavam modernizar suas nações.

182 - URSS negociava bastante inclusive com países e empresas de países anticomunistas (ministr Delfim, Maluf etc.). Para Fernandes (1991), a URSS passou a montar uma rede imperialista de atrelamento financeiro de países pobres à sua tecnologia, mercado e crédito, pois faria a venda casada de seus produtos: oferecia o crédito com a condição de ser gasto com bens soviéticos. A taxa de juros era atrativa: 1% ao ano nos tempos de Stalin; 2,5% ao ano, dos anos 1960 ao fim da década de 1970. Entre os últimos anos de Brejnev e o governo Gorbachev a taxa foi elevada para a média internacional de 6,5%. Para outros autores, esse imperialismo, em termos leninistas de dependência econômica, era abandonado pela visão do imperialismo militar, com a ocupação do Afeganistão.

183 - Conclui afirmando que a liberalização econômica de Kruschev pra frente levou mais à desorganização econômica que ao aumento da produção. Interessante para os que atribuem o crescimento da China pós-Mao à liberalização econômica.

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