Econ - Moisés Wagner Franciscon - Mercado e Iniciativa Privada na URSS II

 (continuação...)

165 - Com a liberdade de decisão sobre os seus lucros, as empresas, em geral, passaram a apostar nos trustes verticais (horizontais já tinham vários). Quando multinacionais foram autorizadas a se estabelecer de maneira direta na URSS, e não mais pela criação de joint-ventures novas, esse foi o modelo comumente adotado. Como o McDonald`s, que possuía desde as fazendas para produção de ração para o gado a ser abatido, como frigoríficos e os restaurantes da franquia.

166 - No âmbito do COMECON, o bloco econômico comunista, a URSS começou a pressionar seus satélites para a adoção das reformas liberalizantes de Kossigyn. A Romênia, a Hungria e a Polônia foram além dela, estimulando o turismo ocidental, criando grandes dívidas externas com banqueiros dos países capitalistas, descoletivizando o que havia se formado de granjas e cooperativas. Os resultados foram mistos, como demonstra Alec Nove (1989, p.231). A Hungria foi um exemplo da eficiência do socialismo de mercado, ou socialismo goulash, como ficou conhecido no início dos anos 1970. A Polônia, o exemplo do seu fracasso. A Romênia, do seu refluxo. Todos os três casos acabaram entrando em crise devido à divida externa em dólares nos anos 1980: desastrosa no caso da Romênia e da Polônia durante toda a década, mas que eclodiu na Romênia apenas em 1989.

167 - A Alemanha Oriental, orgulhosa do desempenho de sua economia centralizada e de ordens, foi o país em que a URSS enfrentou os maiores problemas para se impor. Mesmo assim os governos de Ulbricht e de seu sucessor Honecker, acenando para os soviéticos com a reforma, a implementaram ao seu modo. As empresas estatais continuaram amplamente dependentes do plano e dos ministérios, podendo ser severamente punidas caso não cumprissem as ordens centrais. Ao mesmo tempo o setor privado foi incentivado, com a permissão da criação do status de trabalhador individual e autônomo. Muitos operários e técnicos da construção civil aderiram a essa fórmula, prestando serviços para a construção de casas privadas ou mesmo para o Estado. Centralização estatal e liberdade individual permitiram à pequena república de 17 milhões de habitantes fortalecer sua posição econômica, a ter o mesmo IDH da Itália – apesar de inferior ao de sua vizinha, Alemanha Ocidental.

168 - Tem um bem longo trecho de rodapé com detalhes sobre a economia informal - segunda economia, mercado negro -, que nem sempre era necessariamente ilegal, mas muitas vezes estava no limiar disso. Resume o geralzão assim: Como os salários perdem seu poder de compra, a população é forçada a encontrar outras fontes de renda, levando muitos a se engajarem em alguma atividade adicional, além de seus empregos regulares no Estado. Os especialistas que tentaram avaliar a extensão da economia da sombra, nos anos 1960-90, estimam que se multiplicou 18 vezes nesse período: um terço do total na agricultura, um outro terço no comércio e no setor de alimentos, e o último terço na indústria e na construção. No caso dos serviços, as principais atividades eram reparos domésticos e de automóveis, além de serviços médicos privados e educação em casa. (...) Em 1960, 10% da mão-de-obra do país estava envolvida com a economia cinzenta. Em 1980, mais de 1/5, ou 30 milhões de trabalhadores.

169 - Essa economia ‘tenebrosa’, que também existe no capitalismo, poderia ser desenvolvida na garagem de casa, nas ruas, dentro das fábricas, hospitais, etc. Poderia inclusive degenerar em na levo, jeitinho, ou o blatnoi, suborno para o funcionário realizar suas funções de maneira mais rápida ou com melhor qualidade: o pagamento extra ao taxista, ao garçom que obtém da cozinha um produto em falta, etc. Como, em última análise, todos na URSS eram funcionários, a extensão desse expediente era ampla.

170 - Não sei se essa análise é exata, mas deve ser pesquisada: Como um senhor de escravos ou barão, a produtividade obtida dos servos era baixa e declinante – a menos que se usasse de força. Assim, na época de Stalin a segunda economia era controlada pela intensa repressão e fiscalização dos trabalhadores. Sem o terror, após sua morte em 1953, o único elemento de emulação ao trabalho era o aumento dos salários. Kruschev fez isso e manteve a situação. Com o estancamento da economia e a falta de capital para investimento (inclusive pelo aumento dos salários), Brejnev não pôde reajustar salários, e a migração para a segunda economia aumentou. (TODD, 1977, p.86-87)

171 - O bem-estar da Era Brejnev teria vindo dos preços tabelados (que freavam a necessidade de aumentar salário) e da renda extra que a migração para a segunda economia ia gerando. Enquanto isso, a produtividade da economia oficial ia caindo.

(continua...)

Comentários