Econ - Samuel Pessoa, Ilan, Pérsio Árida e Alexandre Schwartsman - Contra o Artigo de Paulo Gala e De Bolle I

 

Samuel Pessoa, Ilan, Pérsio Árida e Alexandre Schwartsman - Contra o Artigo de Paulo Gala e De Bolle:


266 - Se alguém fixa o preço de algo, esse alguém tem que comprar toda a quantidade que os demais agentes estão dispostos a vender àquele preço. Caso contrário, o preço do bem que foi fixado irá cair. Ou seja, não será fixo.

267 - BC monetizar o Tesouro é fazer a taxa SELIC ir a zero (título e moeda viram a mesma coisa). Liquidez de sobra. Fica impossível enxugar liquidez já que todo excesso monetário (reserva) é remunerado a zero. Qual o custo disso? Perder a mão da rédea de algum processo inflacionário. Ver a inflação transbordar do regime de metas.

268 - Ilan: Emissão monetária não é impressão de papel-moeda (bilhetes e moedas metálicas) que é parte pequena dos nossos meios de pagamento (apenas em torno de 3-4% do PIB). Moeda é algo mais digital (depósitos nos bancos ou reservas bancárias no Banco Central). Não será por meio de mais impressão de papel moeda que conseguiremos financiar 10% do PIB, nem teremos repentinamente mais demanda espontânea na crise (na verdade parece que o isolamento em casa tem reduzido, talvez até permanentemente, o uso de moeda manual).

269 - Emissão de moeda” ou fazer QE (sigla de quantitative easing, termo em inglês para a política monetária que prevê expansão de moeda) são formas de emitir algum passivo do Banco Central (BC). Esses passivos podem ser reservas bancárias remuneradas (típico no exterior, aqui serão chamadas depósitos voluntários) ou operações compromissadas (chamadas repos no exterior, são mais comuns no Brasil, por razões históricas como a cultura do overnight, necessidade de garantia do título, entre outros). (...) Há diferenças sutis pois o QE é usado normalmente quando se chega ao chamado Zero Lower Bound, uma taxa de juro básico tão baixa que limita a ação da autoridade monetária.

270 - No Brasil as compromissadas formalmente fazem parte do nosso conceito de dívida pública. Mas mesmo que não fossem, e tivessem o mesmo status de reservas bancárias/depósitos voluntários continuariam sendo um passivo do governo, no sentido que é um compromisso do governo com a sociedade. Em outras palavras, para todos os fins, aumento do passivo do BC eleva a dívida do governo.

271 - Esse excesso monetário também é remunerado SELICamente, senão desaguaria na economia e poderia gerar inflação. Ademais… “Na ausência de repressão financeira (e/ou controle total de capitais) a sociedade tem a opção de reter ou não esses passivos do BC, remetendo ao exterior ou comprando bens ou ativos reais. Há sempre a possibilidade de fuga da moeda, como é o caso da Argentina e de outros países. Não há em economias emergentes, abertas financeiramente como a brasileira, formas de garantir de maneira automática e mecânica maior financiamento da sociedade seja via dívida do TN, seja do BC.” Isso tudo não apenas por parte dos estrangeiros. Investidor nacional também.

272 - Sobre o corona, até é a favor da queda dos juros: No entanto, há que se ter em mente que juros muito menores vão na direção contrária ao risco percebido. Se distancia do juros de equilíbrio, afirma.

273 - Perigos de inflação e desvalorização do real (juntando os dois perigos, que já são meio “juntos” de todos os pontos anteriores dos textos): O tolerável seria uma depreciação significativa do Real (overshooting), mas controlada, que barateie nossos ativos de tal forma que os investidores esperem uma apreciação futura da moeda que compense pelo risco maior de investir no Brasil. Há sempre risco desse processo afetar expectativas de inflação no médio e no longo prazo.

274 - … Pior das hipóteses: o experimento mal sucedido na crise pode levar a uma fuga da poupança nacional, perda de anos de credibilidade na moeda. (...) Portanto, recomendo que a busca de juros menores ocorram com cautela até porque o BC controla o juros de curto prazo, mas não os juros de equilíbrio que os investidores exigem para comprar um título do Tesouro Nacional.

275 - Talvez a dolarização fosse preferível, Ilan, não sei: Foram necessárias décadas de juros altos e avanços na parte fiscal/monetária/institucional que permitiram a atual credibilidade da moeda brasileira. À essa credibilidade deve-se a não dolarização da economia, o fato da poupança permanecer no país, e o baixo repasse da variação cambial aos preços (passthrough). Graças a isso, já não é mais necessário dar um choque de juros (para cima!) em crise.

276 - Alexandre crê que o superávit primário terá que ser no mínimo de 1% para corrigir trajetória em vez de déficit primário não-recorrente de 2% como vinha sendo antes da covid.

277 - Pérsio Árida, lembrando que a trajetória importa mais que o montante, lembra, a meu ver com razão, a seguinte fórmula: D*(r - g) = z

O significado dos símbolos é o seguinte: g é a taxa de crescimento do PIB, r é a taxa real de juros que incide sobre o estoque de dívida D e z é o superávit primário. Se a taxa de juros for igual à taxa de crescimento (r = g), basta equilibrar o orçamento (z = 0) para manter a dívida constante em relação ao PIB. Se a taxa de juros for maior do que a taxa de crescimento, como tem sido nosso caso, precisaremos de um superávit orçamentário (z > 0) para manter a dívida estável em relação ao PIB.

278 - Detalhe que eu não tinha entendido antes, o montante da dívida em relação ao PIB muda o superávit primário necessário para estabilizar a dívida: Com uma taxa de juros de 4% e uma taxa de crescimento de 2%, a dívida/PIB permanecerá inalterada em 75% se o superávit orçamentário for 1,5% do PIB. Porém, se a dívida subir para 100% do PIB, o superávit necessário para estabilizá-la passa a ser 2%. Em outras palavras, o salto da dívida de 75% para 100% do PIB requer um esforço fiscal adicional e permanente de 0,5% ao ano.

279 - O papel aceita tudo: é sempre possível calcular o superávit primário que torna qualquer dívida sustentável, mesmo que absurdamente alta. Na realidade política, no entanto, há limites para o montante da renda que os segmentos ativos da sociedade (trabalhadores e empresários) estão dispostos a transferir para os rentistas, os detentores da dívida pública. Um estoque de dívida muito elevado pode levar o país a entrar na zona de instabilidade se a sociedade se recusar a gerar o superávit necessário.

280 - A longo prazo, devemos reduzir a parcela do orçamento público absorvida por salários e Previdência de 80% para 50% ou 60%, como na maioria dos países, para abrir espaço no Orçamento para gastos nas funções precípuas do Estado: prover saúde e educação de qualidade, zelar pela segurança pública e pela defesa nacional, apoiar a ciência, a inovação tecnológica e as artes. Será um processo longo e difícil.

281 - O positivo é que a média de juros mundial menor pode ser o novo normal. Juros zeros ou negativos nos países desenvolvidos. Isso permite um juros real menor por aqui também, mesmo que o montante tenha crescido.

282 - Alexandre coloca que muitos títulos públicos, via operações compromissadas, existem justamente para impedir que as reservas monetárias desaguem na economia. (...) Bancos tornam-se detentores (temporários) de papéis do Tesouro; em contrapartida, há redução de reservas bancárias, o principal componente da base monetária.

283 - Trocar operação compromissada por depósito voluntário (reserva remunerada) faria a dívida pública cair de 75 para 40% do PIB como diz Lara Resende? Alexandre crê que não, pois esses depósitos voluntários possivelmente só ficariam lá com uma remuneração a la SELIC atual, o que no fim das contas geraria a mesma despesa (juros sobre a “não-dívida), apenas maquiando a dívida real. (...) De uma forma (compromissada), ou de outra (depósitos remunerados), o BC seguiria pagando juros aos detentores de títulos ou depósitos.

284 - No Brasil, ao contrário do que ocorre em outros países, o Banco Central é como que “consolidado” dentro do governo geral. Como o Tesouro é seu único acionista, os títulos emitidos pelo Tesouro para o BC não são contabilizados na dívida bruta, já que o Tesouro deve para si mesmo. (...) Por outro lado, os títulos usados nas compromissadas, que estão fora do balanço do BC (portanto fora do balanço “consolidado” do governo geral), são contabilizados na dívida.

285 - Coloca que o Brasil inclusive deveria contar sim o título que o Tesouro emite para o BC fazer política monetária. Caso seguíssemos o critério da maioria dos países (que, diga-se, era o que fazíamos até 2007), nossa dívida já estaria próxima a 90% do PIB, como ilustrado abaixo. Detalhe: o artigo é de janeiro de 2020, ou seja, pré-COVID.

286 - Essa coisa de “dívida interna não é um problema”, de Lara Resende, eu também não como. Se gera juros é problema, pois estes tendem, na CNTP, a crescer e sugar orçamentos. E corrigir isso sem gerar inflação é bem difícil. O “não-pagamento” ou “confisco” seria uma “solução futura”, mas o impacto na economia real seria inegável, segundo Alexandre, tendo em vista a Era Collor e a queda de 8,6% do PIB na época em onze trimestres.

287 - O que Lara Resende não conta, porém, é que BCs só se engajaram no QE quando não foi mais possível reduzir a taxa de juros de curto prazo. (...) De fato, como moeda tem rendimento zero, ao menos numa primeira aproximação não seria possível trazer a remuneração dos títulos de curto prazo abaixo de zero. Sabemos agora que isso não é exatamente verdade por força de regulações e custos de se manter moeda corrente, mas, ainda assim, se não exatamente zero, sabemos haver limitações para reduzir a taxa de juros abaixo de algum patamar não muito distante dele.

288 - Enfim, seria possível reduzir a taxa de juros lá porque se esperava que a inflação fosse ficar na meta mesmo assim. Se não há essa expectativa aqui...

289 - Lembrando que emissão de moeda é meter taxa zero, já que o governo não vai mais remunerar juros (e sim se autofinanciar) e abrir mão do enxugamento de liquidez.

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