Esquerdistas - Textos Diversos VIII - Democracia Domesticada (Luis Felipe Miguel)

 

Luis Felipe Miguel - Democracia Domesticada:

78 - Em Atenas, com todos os defeitos conhecidos sobre a maioria excluída, a democracia ao menos era direta: As principais decisões políticas eram tomadas pela assembleia popular, que era soberana. Importava mais isso que qualquer outro aspecto. Havia também a isegoria - direito de ser escutado na Ágora. Instituições como a assembleia popular e o preenchimento de cargos por sorteio permitiam uma presença muito maior do homem comum no processo decisório e obrigavam os próprios candidatos à liderança a uma supervisão muito mais estrita dos populares.

79 - Democracia e elitismo (a elite estaria na elite por seus méritos intrínsecos): Os fundadores dessa corrente, Mosca, Pareto e Michels, não escondiam sua oposição aos movimentos democráticos e socialistas presentes na virada do século XIX para o XX. Suas obras revelam a apreensão com a atuação desses movimentos e buscam demonstrar que seus objetivos igualitários eram ilusórios. Segundo eles, sempre vai haver desigualdade na sociedade, em especial a desigualdade política. Isto é, sempre existirá uma minoria dirigente e uma maioria condenada a ser dirigida, o que significa dizer que a democracia, enquanto “governo do povo”, é uma fantasia inatingível. Pois é exatamente esta visão que, sobretudo a partir da teoria de Schumpeter, publicada nos anos 1940, se torna a base da tendência dominante da teoria democrática – e penetra profundamente na concepção corrente sobre a democracia. O que era esse povo? … engenheiro, economista e sociólogo franco-italiano Vilfredo Pareto e o jurista e sociólogo italiano Gaetano Mosca, que disputaram entre si o título de pioneiro da corrente; um pouco mais tarde, viria a contribuição do sociólogo Robert Michels, alemão de nascimento e italiano por adoção.

80 - . Mas o fantasma da igualdade não estava encarnado apenas em teorias. Na Europa, começava a haver, de fato, uma democratização da vida social, sobretudo a partir do momento em que a classe operária irrompeu com face própria na cena política, com a Revolução de Fevereiro de 1848, na França. Antigos privilégios foram questionados e perderam sustentação legal. O direito ao voto foi paulatinamente estendido, até alcançar o sufrágio masculino. No campo das mentalidades, os plebeus passavam a se considerar iguais aos nobres, a deferência do povo em relação às classes altas diminuía. Em suma, as estruturas aristocráticas foram sendo corroídas.

81 - Coloca que Tocqueville soube apreender que o futuro era a democracia, mesmo que ele não a apreciasse. Por isso foi estudar a “América” e seu igualitarismo (ainda que problemático). Era necessário aprender a conviver com aquilo.

82 - A fruição estética diferenciada também marca a superioridade autodeclarada dos elitistas. Ouvir Bach e ler Proust. Mesmo intelectuais importantes sucumbiram ao elitismo e à sua versão mais extremada - o fascismo.

83 - Ortega y Gasset e Nietzsche estiveram altamente preocupados com a cultura de elite e a ameaça do nivelamento social, por exemplo.

84 - No alemão, mais que o instinto de autopreservação, o mais importante num ser humano é a vontade ser mais, o que seria mais forte em alguns e mais fraco em outros. Ele é obscuro, metafórico, ambíguo porque busca atingir não (ou não prioritariamente) a razão dos leitores, mas seus instintos e intuições. No lugar da razão, Nietzsche vai colocar, como fundamento que deve guiar as ações humanas, a vontade: a vontade de poder (ou vontade de potência, de acordo com a tradução). Contra a democracia e o instinto de rebanho da maioria: Os fortes não podem se guiar por regras morais de bondade ou altruísmo, já que devem estar comprometidos apenas com a própria vontade do poder. Sua característica distintiva é a capacidade de “deixar sofrer” (Nietzsche, 1992:102). Nesse sentido, estão “além do bem e do mal”.

85 - Nietzsche não colocava caráter racial em suas teorias. Porém… o próprio Nietzsche (1998:28), aliás, relacionava a “revolta dos escravos” a uma “revolta judia”, que procurava impor aos senhores a moralidade judaico- cristã. (...) Por isso, Nietzsche pôde ser apropriado pelo nazismo; por isso, Mosca, Pareto e Michels, os teóricos elitistas políticos clássicos, simpatizavam com o fascismo (e foram usados para legitimá-lo).

86 - Enquanto Maiakóvsky se maravilhava com a democratização da poesia, por exemplo, Ortega y Gasset se preocupava com o fato das obras de artes serem cada vez mais acessíveis e menos reservadas somente às elites.

87 - Ortega: À massa opõem-se os “seletos”, aqueles que exigem mais de si próprios e cujas características seriam individuais e inatas; nada têm a ver com a situação social ou econômica, nem podem ser alteradas pela educação, que serve para fornecer conhecimentos, mas não cria o espírito (Ortega y Gasset, 1987:38-39 e 70). Dessa forma, as hierarquias sociais são naturalizadas e, portanto, legitimadas.

88 - Além disso, Pareto aplaina diferenças fundamentais, presentes na sociedade, ao tratar as muitas elites como se fossem idênticas. Segundo ele, o mendigo que faz ponto na frente da igreja matriz, e portanto é o mais bem-sucedido na sua atividade, é tão “de elite” quanto o bilionário que ganha rios de dinheiro com a especulação financeira.

89 - Outras ideias de Pareto: ii) a idéia de que todas as mudanças políticas são, por trás das aparências, repetições do mesmo processo, a luta dos leões (a contra-elite e futura elite governante) contra as raposas (a astuciosa elite). Assim, discutir as transformações nas estruturas sociais, a economia ou a ideologia é inútil. Seja a Revolução Francesa, a Revolução Russa, a subida de Mussolini ao poder ou o que for, trata-se apenas de mais um capítulo da luta entre pessoas da classe I e da classe II;

iii) os únicos agentes políticos relevantes são a elite e a contra-elite. A massa é incapaz de intervir no processo histórico. Se parece que o faz, é porque está sendo manobrada por outro grupo;

(continua...)

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