Direitistas - Textos Diversos IV - A Ética e a Economia da Propriedade Privada (Hoppe)
(continuação...)
On Reason 07/01/2016 22:31
"Estas ideias do velho Kant já foram questionadas e colocadas abaixo por uma legião de filósofos que o sucederam - inclusive por filósofos considerados idealistas como Hegel."
Falso. As ideias racionalistas de Kant foram (e são até hoje) criticadas, refinadas, revistas, modificadas, algumas descartadas, etc., mas não "colocadas abaixo"; as ideias de Kant seguem servindo de referencial para a discussão filosófica até hoje, seja na filosofia continental, seja na filosofia analítica. Aliás, as categorias da analiticidade, apriorismo e necessidade são fundantes do debate na filosofia analítica, foram recuperadas e revigoradas por Kripke, e, repito, são debatidas até hoje.
O debate epistemológico sério não prescinde da obra de Kant (ao menos como ponto de partida), tampouco a ética normativa, haja vista que a ética deontológica (em contraposição à ética consequencialista) é identificada como tendo sido delineada na obra de Kant.
Outrossim, outros âmbitos da filosofia também tem em Kant o seu referencial: na filosofia jurídica, a influência vai de positivistas (kelsenianos) a não-positivistas, como Ernest Weinrib. Na filosofia política, a influência mais famosa é em John Rawls.
Seria enfadonho eu te demonstrar isso com as inúmeras e incontáveis obras que até hoje seguem firme debatendo (e, claro, inclusive defendendo) as ideias de Kant; vou apenas te citar dois tratados de filosofia analítica, extremamente atuais, de dois dos maiores filósofos britânicos, um no âmbito da ética normativa (e do princípio da "golden rule" kantiana), Derek Parfit:
https://global.oup.com/academic/product/on-what-matters-9780199572809?q=on%20what%20matters&lang=en&cc=br#
E outro no plano do epistemologia (racionalismo crítico), John Skorupski:
https://global.oup.com/academic/product/the-domain-of-reasons-9780199664672?q=domain%20of%20reasons&lang=en&cc=br#
E, conforme eu disse, há muito mais, desde obras gerais até mais específicas (tratando do conceito kantiano de autonomia, etc).
É realmente infindável a bibliografia, com obras publicadas inclusive no final do ano passado, abarcando obras dos maiores kantianos da atualidade; p.ex.:
https://global.oup.com/academic/product/kants-transcendental-deduction-9780198724865?prevSortField=9&sortField=9&start=0&resultsPerPage=20&q=kant&lang=en&cc=br&prevNumResPerPage=20#.
"Pra começar, não existe "a prioir" de nada. Nenhuma categoria humana é apriorística. Nem o espaço e o tempo (veja teoria da relatividade), nem o princípio de causalidade, nem nada"
Falso. Você opera com uma ideia equivocada de a priori, tanto que intenta infirmar o apriorismo das categorias de tempo e espaço invocando a teoria da relatividade, o que é um disparate. O que eu disse acima já serve a demonstrar o equívoco dessa sua afirmativa: o a priori segue firme e forte sendo debatido na filosofia analítica, e mesmo os chamados céticos (como Quine e seus discípulos) não chegaram a ponto de negar o a priori.
Mais uma vez, a literatura (que envolve o debate sobre racionalismo-empiricismo) é infindável. Exemplos:
O tratado de David Chalmers:
https://global.oup.com/academic/product/constructing-the-world-9780199608584?q=david%20chalmers&lang=en&cc=br
Robert Hanna:
https://global.oup.com/academic/product/kant-and-the-foundations-of-analytic-philosophy-9780198250722?q=robert%20hanna&lang=en&cc=br#
Alberto Casullo:
https://global.oup.com/academic/product/a-priori-justification-9780195304183?q=casullo&lang=en&cc=br
Laurence Bonjour:
www.cambridge.org/br/academic/subjects/philosophy/logic/defense-pure-reason-rationalist-account-priori-justification?format=PB
"Qual a falácia deste argumento?"
Sinceramente, vc não demonstrou a "falácia" do argumento. A máxima da "golden rule" não é refutada com isso: "falta em Kant a reconciliação entre a escolha individual e a universalidade"; tampouco vc demonstrou como o argumento encontraria óbice na guilhotina de Hume.
"E se eu partir do princípio de que eu sou proprietário do meu próprio corpo, mas devo ser também proprietário do corpo de outrem? E se eu partir do princípio de que só deve existir propriedade privada para alguns poucos eleitos, enquanto que o restante da população deveria ser escravizada?"
Ora, esse é um dos pontos principais do artigo do Hoppe: ele demonstra as consequências que adviriam da adoção de princípios como esses indicados por vc.
Daniel Ribeiro 09/01/2016 19:08
"Falso. As ideias racionalistas de Kant foram (e são até hoje) criticadas, refinadas, revistas, modificadas, algumas descartadas, etc., mas não "colocadas abaixo"
Eu não disse todas as ideias de Kant. Eu disse as ideias baseadas numa fundamentação "a priori". É evidente que Kant segue sendo um grande filósofo, a base para muitas áreas, em especial a ética. Portanto, não precisa se dar ao trabalho de me mostrar a importância de Kant nas várias áreas. Eu sei. Eu acredito.
"Você opera com uma ideia equivocada de a priori, tanto que intenta infirmar o apriorismo das categorias de tempo e espaço invocando a teoria da relatividade, o que é um disparate"
Juízos "a priori", segundo Kant, são aqueles que não são fundados na experiência. Em sua obra "Crítica da Razão Pura", Kant deixa claro isso. Como também deixa claro que as categorias de espaço e tempo seriam apriorísticas.
Já a evocação da teoria da relatividade não é novidade minha, assim como a crítica das categorias apriorísticas. A geometria não euclidiana, as formulações de Poincaré... A própria fenomenologia também deram sua contribuição. E se espaço e tempo fossem categorias "a priori", Einstein estaria errado.
"Sinceramente, vc não demonstrou a "falácia" do argumento. A máxima da "golden rule" não é refutada com isso: "falta em Kant a reconciliação entre a escolha individual e a universalidade";"
1º) A primeira fórmula do imperativo categórico de Kant não se resume pura e simplesmente à "regra de ouro". É muito mais sofisticada.
2º) Eu postei vários argumentos, e não apenas este (aliás, o trecho meu que vc postou entre aspas é apenas parte dele, e sozinho não representa nada mesmo). Eu postei 3 argumentos sobre isso. É só ler de novo.
3º) Todo ser humano, mesmo agindo da maneira considerada como imoral, ainda assim está levando em conta uma racionalidade, está associando meios e fins, causa e efeito. Ainda que a razão, conforme entende Kant, fosse o fundamento absoluto para o agir, não haveria motivos para que os desprovidos de razão devessem agir levando-a em conta, ao invés de suas próprias relações causais.
A maneira como a propriedade é justificada por Hülsmann, Hans-Hermann Hoppe e Mises enquadra-se no uso de uma "razão prática": para eles é uma necessidade prática admitir a existência da apropriação original e da propriedade privada. Mas uma necessidade prática absoluta não faz sentido, e não pode ser deduzida de uma necessidade a priori absoluta. Diz Kant na Crítica da Razão Pura que os juízos sintéticos a priori não podem fundar-se na razão pura, mas somente na "consciência humana real". Mises faz a mesma coisa para tentar fundamentar determinados conceitos - como o de propriedade privada. Ela teria validade a priori porque os seres humanos só poderiam representá-la desta maneira.
Se a existência da propriedade privada fosse uma necessidade lógica, e sua negação recaísse em contradição lógica, então todos deveriam concordar com sua existência, todos deveriam ser unânimes em defendê-la. Entretanto, tal nunca ocorreu. Será que falta racionalidade a essas pessoas? Acho difícil defender este ponto de vista. Todo ser humano é racional.
Um princípio prático de um imperativo hipotético não resulta de uma lei natural ou uma necessidade lógica
Imperativos hipotéticos:
- "Se queres y, faça x"
o que equivale a
- "Se queres y, é bom (ou melhor) fazer x
ou ainda
- "Se queres y, é racional fazer x"
Kant concebia a possibilidade de um imperativo da razão incondicional, do tipo: "é bom fazez x", equivalente a "é racional fazer x".
Se os imperativos não hipotéticos fossem possíveis, poderiam representar diversas leis materiais. Kant supunha que da simples racionalidade resultaria uma simples legalidade (lei natural). Mas de uma razão, mesmo que fosse absoluta, não resulta uma lei universal, assim como, por extensão, de um racionalidade qualquer não implica necessariamente lei alguma. É necessário um conteúdo para que a lei (universal) faça sentido. Este conteúdo vem da EXPERIÊNCIA. Nesse ponto também erro feio o Mises.
(o comentário continua na próxima parte...)
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