Filosofia - Textos Diversos LXV - Pragmatismo e Neopragmatismo

 (continuação...)

457 - Às vezes me parece que o que estão propondo é que se analise os usos da palavra “verdadeiro” em vez de uma discussão sobre a verdade em si.

458 - O que estou dizendo é que, para Rorty, o trabalho de Davidson mostra que não precisamos de uma teoria substantiva do significado, mas o que precisamos e felizmente temos são dicionários e enciclopédias cada vez mais sofisticados e detalhistas. Agarrar a realidade não seria um trabalho filosófico de modo a explicar, epistemologicamente, como que crenças ou linguagem representam exatamente uma outra parte do mundo que é feita de não-crenças e não-linguagem.  o que seria explicar a relação linguagem-mundo por alguma tradicional teoria da verdade, correspondentista, ou coerentista em um sentido específico. Agarrar a realidade, então, para Rorty, é algo que já estamos sempre fazendo, caso a caso, na medida em que temos constantemente sofisticado nossa capacidade de detalhar os comportamentos de todos os animais, computadores, crianças, planetas e, cada vez mais, os comportamentos do bípede sem penas, em suas variadíssimas maneiras.

459 - Pragmatismo, por vezes, parece ser a doutrina que diz que qualquer discussão abstrata, fora da organização da experiência e do concreto, é, na verdade, idiota.

460 - A prova que Rorty oferece da não diferença em espécie entre justificado e verdadeiro caminha em um sentido específico do raciocínio pragmático. Ele pergunta: quando queremos saber a verdade de uma proposição, sentença, frase ou idéia, temos outra coisa a fazer do que procurarmos justificações, ouvirmos justificações? E ele continua: se a resposta para esta minha pergunta é um sonoro "não!", então porque dizemos que verdade e justificação diferem não por graus, mas por qualquer outra coisa? Por que insistimos em ver um campo transcendental, ainda que pragmático transcendental? E Rorty continua: fazemos isso porque temos saudades do tempo que vivíamos tranqüilos com a noção religiosa de verdade, antes do Iluminismo, ou então com a noção metafísica posta pelo Iluminismo.

461 - A tendência geral da filosofia contemporânea, em termos bastante amplos, é caminhar em um sentido que, de um certa maneira, Foucault levou ao extremo. Foucault começou a perguntar pela história da verdade e não mais pela história verdadeira (a pergunta dos historiadores tradicionais); ele começou a perguntar não mais pela verdade da história (a pergunta dos filósofos que, de alguma maneira, queriam ver como é possível apresentar algo sólido no fluxo das contingências) e mais pela verdade na história.

462 - Ocorreu muita coisa. Muita coisa boa e valiosa: Heidegger, os frankfurtianos, Sartre, os estruturalistas e os pós-estruturalistas, Habermas e suas duas fases, sem falar em Wittgenstein, cuja história pessoal praticamente é marco divisor entre filosofia continental e filosofia analítica, e assim por diante. (...) Jean François Lyotard, A condição Pós-moderna (1979). Quando o termo pós-moderno caiu na mídia e desta foi para todo e qualquer lugar, ele aportou na filosofia. As metanarrativas perdem força: Houve uma espécie de deflacionismo filosófico e científico geral, não só o deflacionismo enquanto termo técnico aplicado à idéia de que temos teorias da verdade que já não recorrem à noção de verdade em sentido tradicional. Houve, sim, um deflacionismo geral: as metanarrativas são reduzidas a narrativas, ou simplesmente desaparecem. (...) Seu texto, em 1979, pode ser visto como um texto sobre a pós-modernidade mas ele mesmo não é um texto pós-moderno, ele é um texto relativamente moderno: a função do texto é quase que a exibição da pós-modernidade seria uma época de auto-consciência da modernidade. Na modernidade, as metanarrativas já estavam perdendo para as narrativas (a filosofia no século XIX esteve em baixa diante da ciência, embora própria ciência quisessse ser uma metanarrativa), mas só agora, no final do século XX, a própria filosofia poderia dar o braço a torcer e afirmar, ela mesma, que o que resta a ela é constatar sua condição de teoria ad hoc. Assim, meio que hegelianamente, a autoconsciência  o saber  só sobrevoa o lugar dos acontecimentos no entardecer: as metanarrativas haviam se tornado tão secundárias diante das narrativas quanto as teorias da verdade se tornaram secundárias diante do uso facilitador e conveniente que é simplesmente ter em nosso vocabulário a palavra "verdade" e "verdadeiro" e, no máximo, uma tipologia, para uma conversa mais abstrata, filosófica.

463 - Rorty diz que verdade, ciência e filosofia continuam valendo sim, só que com iniciais minúsculas, inclusive como sempre foram na verdade, só que agora é que se tem consciência disso. Fica o esforço de diálogo contínuo em busca de tudo isso. Melhor entendendo esses termos: A teoria diz a verdade, ou é definida para assim fazer, e, mais que isso, tendo dito a verdade, ela impregna a utopia de uma metodologia para a realização da utopia. (...) Aliás, os neopragmatistas não têm propriamente utopias, eles têm sonhos, sonhos vagos: sabem mais ou menos o que querem, mas sem os detalhes do estrategista militar, sem a previsibilidade de uma equação lógica ou matemática e, é claro, sem a violência que, uma vez desencadeada, pode não mais parar  querem apenas um mundo melhor para todos.

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