Filosofia - Textos Diversos LXIX (Sérgio Lessa)


Sérgio Lessa - O Estatuto Ontológico da Essência:

516 - Retirado do artigo: "Lukács e a ontologia: uma introdução" da revista Outubro nº 1.

517 - Supremacia ontológica da essência até Hegel é inconteste: a existência do fenômeno é, para sermos breves, de segunda ordem, decorrente da existência primordial da essência.

518 - Marx opera uma reviravolta nesta concepção, segundo Lukács. Para Marx, a essência e o fenômeno são categorias que possuem o mesmo estatuto ontológico, são igualmente existentes e igualmente necessárias ao desdobramento de todo e qualquer processo.

519 - A questão que Marx observa nos processos (de uma semente a uma árvore, por exemplo) é que a singularidade dos momentos do processo não significa, contudo, que não haja, também, elementos de continuidade que os permeiem a todos.

520 - Assim: diferente de todas as ontologias anteriores, o desenvolvimento dos fenômenos exerce uma influência real no desdobramento da essência que, no limite, poderá ser profundamente transformada pelo fenômeno. Pensemos, por exemplo, em um processo revolucionário.

521 - A essência pode, por vezes, ser o singular em vez de estar no universal, cita o exemplo das revoluções. Diz Lessa que Marx é o primeiro a pensar assim.

522 - Assim, a essência em Marx apresenta alto grau de continuidade, mas está sujeita à história.

523 - Lukács: O que determina o desenvolvimento do homem enquanto tal não é sua porção natural-biológica (ser um animal que necessita da reprodução biológica), mas sim, a qualidade das relações sociais que ele desdobra. Se é verdade, por um lado, que as barreiras naturais (a necessidade da reprodução biológica) jamais podem ser abolidas, não menos verdadeiro é que elas são cada vez mais “afastadas”, de modo que exercem, na história dos homens, uma influência cada vez menor, ainda que sempre presente.

524 - O homem vai se transformando a partir do momento em que transforma a natureza. Vai se produzindo também. E dá origem a sociabilidades cada vez mais complexas.

525 - Por que ele diz que o trabalho funda o ser social? Por ser o locus ontológico da criação do novo, o trabalho é o fundamento genético de necessidades que, muitas vezes, requerem o desenvolvimento de complexos sociais que são em tudo e por tudo heterogêneos ao trabalho. Basta pensarmos em complexos como a linguagem (com a lingüística, a gramática, etc.), como o direito, a filosofia, as ciências, a religião, etc, para termos uma noção da complexidade do processo aqui referido. É por esse processo de desenvolvimento que o mundo dos homens vai se explicitando, ao longo do tempo, como um “complexo de complexos” cada vez mais mediado e internamente diferenciado, cada vez mais desenvolvido socialmente.

526 - Para distinguir entre o trabalho e o conjunto muito amplo das praxis sociais que não operam a transformação material da natureza, Lukács denominou o primeiro de posição teleológica primária e o segundo de posições teleológicas secundárias. A ideologia mora nas segundas aí.

527 -  como o real é uma síntese de múltiplas determinações, o conhecimento de uma destas determinações remete, necessariamente, às relações que ela possui com as “outras determinações”, de tal modo que nenhum conhecimento de nenhum setor específico da realidade se esgota em si próprio, remetendo sempre à totalidade dos complexos ao qual pertence e, no limite, à totalidade do existente.

528 - Lessa critica o pessoal que diz que toda prática social é “trabalho”, pois, assim fosse, o trabalho e a reprodução da vida material perderiam a centralidade na história e, ademais, os empresários seriam, também, trabalhadores.

529 - A ideologia em Lukács é diferente da de Marx e existiria numa sociedade com ou sem classes, sendo que nesse segundo tipo não precisaria a estar associada a nenhum uso da força. Portanto, a ideologia, para Lukács, é o conjunto das idéias que os homens lançam mão para interferirem nos conflitos sociais da vida cotidiana.

(continua...)

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