Filosofia - Textos Diversos LXXIV - Thomas Mann - Schopenhauer

  

Thomas Mann - Schopenhauer:

585 - Platão e cristianismo. Perfeição quase inalcançável. … a filosofia de Platão mostra o parentesco e a aliança entre a ciência e o ascetismo moral.

586 - Kant: Toda a nossa experiência do mundo -dizia ele - está submetida a três leis e condições que são as "formas em que necessariamente se elabora todo o nosso conhecimento. Chamam-se tempo, espaço, causalidade. Mas não apreendem o mundo tal como ele pode ser em si e por si, independentemente de nosso esforço por percebê-lo, a "coisa em si"; atêm-se somente à sua aparência fenomenal, porque não são mais que as formas de nosso conhecimento.

587 - Em Schopenhauer, a vontade cria tudo. A vontade de vida. A inteligência vem em segundo lugar. Instrumento da primeira.

588 - Todos os compêndios nos ensinam que Schopenhauer foi em primeiro lugar o filósofo da vontade e, em segundo lugar, o do pessimismo. Mas, não há primeiro nem segundo; as duas coisas não são mais que uma: ê1e foi a segunda, porque foi a outra e  ao mesmo tempo; ele foi necessariamente pessimista, porque era o filósofo e o psicólogo da vontade. …  a vontade é em si mesma uma infelicidade fundamental: é insatisfação, As múltiplas encarnações do querer.

589 - Felicidade permanente gera tédio.

590 - O nascimento do sujeito do conhecimento: Mas a inteligência não é o produto da vontade, seu instrumento, sua luz na escuridão, a serva que lhe foi reservada? É assim e assim continua. Nem sempre, porém, nem em todos os casos. Em circunstâncias particularmente felizes - oh! pode-se mesmo dizer bem-aventuradas - em circunstâncias excepcionais por conseqüência, esse criado que é o intelecto, esse pobre servente pode tornar-se mestre de seu mestre; pode pregar-lhe uma peça, emancipar-se, tornar-se autônomo e, ao menos durante algum tempo, estabelecer sobre o mundo sua soberania benfazeja de bondade e de luz, na qual, despojada de seu poder e de sua influência, a vontade cede à doçura dum delicioso aniquilamento.

591 - O prazer estético seria puro, desinteressado, livre do querer; seria "representação", no sentido mais forte e mais sereno, contemplação clara, imperturbada, cheia de calma. A gente esquece do querer e das vontades. Repousa na contemplação.

592 - Parece um solipsista rs, mas entendi o que ele quis dizer sobre o suicídio:  Crês que, à. tua morte, este resto do mundo continuará a existir, ao passo que tu - horrível pensamento! - não existirás mais. Ora, eu te digo: .êste mundo, que é tua representação, não será mais: mas tu (mais exatamente: aquilo que, em ti, teme a morte, que não a quer, porque é a vontade de viver), tu permanecerás, viverás, porque a vontade, que é a tua substância, poderá sempre encontrar o caminho da vida.

593 - Só tu importas, não é? Único ser real. Tu és o centro do mundo, e tudo conspira para teu bem-estar, para, no máximo possível, afastar de ti os sofrimentos da vida, para te procurar profusão de felicidades. 0 que aos outros acontece é duma importância incomparavelmente menor, não te faz bem nem mal. Tal é o ponto de vista do egoísmo natural, inteiro e inteiramente cego, o aprisionamento sem remissão no princípio de individuação. Penetrar com o olhar esse princípio, penetrar por intuição seu caráter enganador, que vela a verdade, pressentir confusamente que não há diferença entre Eu e Tu, ter o sentimento de que por tudo e em todos os seres não há mais que uma só e mesma vontade, é o começo e a essência de toda ética.

594 - 0 amor e a bondade são compaixão, nascida do conhecimento do "Tat twan asi", do "Isto, és tu", do gesto que levanta o véu de Maia.

595 - Como definir o santo? Aquele que não faz nada de tudo que deseja e faz tudo que não deseja. Ora, a castidade ascética, tornada regra geral, acarretaria o fim da espécie humana.

596 - Então nossa animalidade, bem ou mal, mantém a espécie viva. Salva o mundo. Schopenhauer odeia e cultua o homem ao mesmo tempo. É um meio para Deus. È a mais alta e a mais adiantada objetivação da vontade.

597 - …  é no homem de gênio que se eleva mais alto. "0 que determina a hierarquia é a aptidão para sofrer profundamente" - escreveu Nietzsche, seguindo sem reserva e até o fim o aristocratismo do sofrimento de Schopenhauer, doutrina segundo a qual a vocação do homem e do gênio, sua mais alta distinção e seu enobrecimento é o sofrimento.

598 - A arte e a santidade seriam a expressão do humanismo em Schopenhauer. Nossa possibilidade. Concepção de grande beleza mística, em que se exprime um respeito humano pela, missão do homem, prevalece sobre a. misantropia de Schopenhauer, sobre todo o seu desgosto dos homens, e os retifica. É um pessimismo mais otimista do que eu esperava.

599 - Thomas Mann vai criticá-lo:  Como não descobriu ele em sua arte, em seu gênio, a unidade deste mundo? Por que não comprendeu ele que o gênio não é de maneira alguma o silêncio da sensualidade e a ostentação da vontade, de que a arte seria a objetivação pelo espírito, mas a união e a interpenetração das duas esferas, união que encanta mais que, isoladamente, o sexo ou o espírito?

600 - Diz que Goethe viveu toda essa mesma tensão de Schopenhauer de modo feliz e saudável, unificando a vontade e o amor com a elevação. Não é que não reconhecesse esse motor. Ao contrário, reconhece e incentiva.

601 - Clássico ou romântico? Nenhum dos dois, para Mann: mais moderno, mais doloroso, mais complicado que Goethe, mas muito mais "clássicos", mais robusto, mais são que Nietzsche, ele operou a transição.

602 - Schopenhauer, psicólogo da vontade, é o pai de toda a psicologia moderna, dele se vai, pelo radicalismo psicológico de Nietzsche, em linha reta a Freud, assim como àqueles que concluíram sua psicologia do inconsciente e a aplicaram às ciências do espírito. … O antüntelectualismo e n anti-socratismo de Nietzsche não são mais que a afirmação filosófica e a glorificação do primado da vontade, descoberta por Schopenhauer e da intuição pessimista que o fez designar um lugar secundário à inteligência, serva da vontade.

603 - No fundo, toda psicologia desmascara; é o olhar penetrante, irônico do naturalista, que penetra as relações enganadoras do espírito e do instinto. Isso corresponde perfeitamente à conivência mística da natureza nas Afinidades eletivas, em que Goethe .faz Eduardo dizer, já enamorado, após seu primeiro encontre com Odila : "Ela tem muito espírito", e sua mulher lhe responde: "Muito espírito? Mas ela não abriu a bôca!" Schopenhauer por certo gostou desta passagem. É uma amável ilustração, ainda classicamente serena, da frase em que declara que a gente não quer uma coisa porque a reconhece boa, mas que se julga boa porque se quer.

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