Filosofia - Textos Diversos LIV - Marilena Chauí Sobre Filosofia Moderna

 

Marilena Chauí Sobre Filosofia Moderna:

281 - Mas não é linear nem causal: idéias e criações podem estar em avanço ou em atraso com relação aos acontecimentos sócio-políticos e econômicos, não porque pensadores e artistas sejam criaturas fora do espaço e do tempo, mas porque tudo depende da maneira como enfrentam questões colocadas por sua época, indo além ou ficando aquém delas. Em resumo, a relação entre uma obra e seu tempo não é a do mero reflexo intelectual de realidades sociais dadas.

282 - Todos os fundadores da filosofia moderna - Descartes, Bacon, Leibniz, Hobbes, os experimentos de Galileu - tiveram precedentes não tão famosos. ... a idéia de que a política é uma esfera de ação laica ou profana, independente da religião e da Igreja, tema caro aos filósofos modernos, foi desenvolvida no final da Idade Média por um jurista como Marsílio de Pádua. Também a idéia do valor e da importância da observação e da experiência para o conhecimento humano aparece nos fins da Idade Média com filósofos como Roger Bacon ou Guilherme de Ockam. ...

283 - A solução de alguns é colocar o renascimento como período de transição. Preparatório. Tomado por crises: Em primeiro lugar, crise da consciência, pois a descoberta do universo infinito por homens como Giordano Bruno deixava os seres humanos sem referência e sem centro; em segundo lugar, crise religiosa, pois tanto a Devoção Moderna quanto a Reforma Protestante criaram infinidade de tendências, seitas, igrejas e interpretações da Sagrada Escritura, dos dogmas e dos sacramentos, de modo que a referência à idéia de Cristandade, central desde Carlos Magno, se perdera; em terceiro lugar, crise política, pois a ruptura do centro cósmico (o universo é infinito), a perda do centro religioso (o papado), a perda do centro teórico (geocentrismo, aristotelismo tomista, mundo hierárquico de seres e de idéias) foi também a perda do centro político (o Sacro Império Romano Germânico destroçado pelos reinos modernos independentes e pelas cidades burguesas do capitalismo em expansão) e de suas instituições.

284 - Não à toa, o ceticismo de Erasmo e Montaigne ganhou atenção.

285 - As lutas religiosas não ocorrem apenas entre católicos e reformados, mas também entre estes últimos e particularmente entre eles e as pequenas seitas radicais e libertárias que serão freqüentemente dizimadas, com violência descomunal.

286 - A Contra-Reforma, com a Companhia de Jesus, vai pensar a alfabetização como estratégia para a divulgação da fé católica e o direito divino dos reis como adaptação da Igreja à nova realidade monárquica.

287 -  É no quadro da Contra-Reforma, como renovação do catolicismo para combate ao protestantismo, que a Inquisição toma novo impulso e se, durante a Idade Média, os alvos privilegiados do inquisidor eram as feiticeiras e os magos, além das heterodoxias tidas como heresias, agora o alvo privilegiado do Santo Oficio serão os sábios: Giordano Bruno é queimado como herege, Galileu é interrogado e censurado pelo Santo Oficio, as obras dos filósofos e cientistas católicos do século XVII passam primeiro pelo Santo Oficio antes de receberem o direito à publicação e as obras dos pensadores protestantes são sumariamente colocadas na lista das obras de leitura proibida (o Index).

288 - Convém não esquecermos que a distinção entre filosofia e ciência é muito recente (consolidou-se apenas nos meados do século XIX), de modo que os pensadores do século XVII são considerados sábios (e não intelectuais, noção que também é muito recente) e não separam seus trabalhos científicos, técnicos, metafísicos, políticos.

289 - As explicações finalísticas são reprimidas ou, em casos mais radicais, negadas (até no campo da moral ou da ética às vezes, como em Espinosa), sendo adotadas as explicações referentes às causas (causalidade). A mecânica começa a invadir todas as áreas do conhecimento (deve ser isso que o comediante Olavo chamou de Newton instalando o vírus da burrice no mundo…)

290 - Mudança: a destruição, vinda do Renascimento, da idéia greco-romana e cristã de Cosmos, isto é, do mundo como ordem fixa segundo hierarquias de perfeição, dotado de centro e de limites conhecíveis, cíclico no tempo e limitado no espaço. Em seu lugar, surge o Universo Infinito, aberto no tempo e no espaço, sem começo, sem fim, sem limite e que levará o filósofo Pascal à célebre fórmula da "esfera cuja circunferência está em toda parte e o centro em nenhuma".

291 - Em vez de milhares de substâncias, Descartes traz apenas estas: Os modernos, especialmente após Descartes, admitem que há apenas três substâncias: a extensão (que é a matéria dos corpos, regida pelo movimento e pelo repouso), o pensamento (que é a essência das idéias e constitui as almas) e o infinito (isto é, a substância divina). (...) Os materialistas ... dirão que há apenas extensão e infinito; os espiritualistas, que há apenas pensamento e infinito. E, nos dois extremos dessa discussão, estarão Espinosa, de um lado, e Leibniz, de outro. O primeiro dizendo que todas essas vêm da substância Deus e o segundo misturando as três teorias, criando sua quarta. (...) O importante é notar que fizeram a verdade, a inteligibilidade e o pensamento dependerem da explicação causal e afastaram a explicação meramente descritiva ou interpretativa.

292 - Matemática ganha destaque no método científico, na identificação das causas. Vimos que, no Renascimento, o conhecimento operava com a noção de Semelhança, era descritivo e interpretativo. A diferença entre os renascentistas e os modernos consiste no fato de que estes últimos criticam a Semelhança, considerando-a causa dos erros e incapaz de alcançar a essência das coisas. Conhecer pela causa significa que a inteligência é capaz de discernir a identidade e a diferença no nível da essência invisível das coisas. A ordem e a medida têm a função de produzir esse discernimento e por isso são o núcleo do método e da mathesis.

293 - Descartes: Nós não podemos fazer Deus existir, mas a idéia de Deus nos revela que ele existe.

294 - Método científico é analítico (do todo para as partes) ou sintético (da parte para o todo)? Pode ser uma combinação de ambos, conforme as necessidades próprias do objeto de estudo (como faz Leibniz). (...) Em qualquer dos casos, realiza-se pela ordem e pela medida, mas é considerado dedutivo pelos racionalistas intelectualistas (que partem das idéias para as sensações) e indutivo pelos racionalistas empiristas (que partem das sensações para as idéias). Essa diferença repercute no conceito de intuição, que é considerado por todos como o ponto de partida da cadeia dedutiva ou da cadeia indutiva: no primeiro caso, a intuição é uma visão puramente intelectual de uma idéia verdadeira; no segundo caso, a intuição é sensível, isto é, visão ou sensação evidente de alguma coisa que levará à sua idéia.

295 - Hegel coloca que os modernos são os primeiros a partir da consciência de ser consciente. (Isso me lembra muito Descartes, vou chamá-lo de pai da porra toda então).

295 - O texto é mais rico que as coisas que pude resumir aqui. Dá um ótimo panorama das mudanças da Idade Média para a Idade Moderna.

.

Comentários