Libertários - Textos Diversos IX (David Harvey)

 

David Harvey (2003) - O 'Novo Imperialismo', ... Acumulação Por Desapossamento I:

148 - Artigo escrito em 2003.

149 - Começando a entrar mais no assunto, considera que as crises de superprodução, que geram excedente de mão-de-obra (desemprego) e de capital (bens encalhados) só podem ser solucionada com alguma combinação de duas medidas: a) uma reorientação temporal por meio de investimentos de capital em longo prazo ou gastos sociais (como educação e pesquisa) que adiam a reentrada na circulação do excesso de capital até um futuro distante; b) reorientações espaciais por meio da abertura de novos mercados, novas capacidades produtivas e novas possibilidades de recursos e mão-de-obra em outro lugar.

150 - Exemplos de “a)” são os transportes, moradias, hospitais… Absorvem massivas quantidades de mão-de-obra e capitais. Requer a mediação de instituições financeiras e/ou estatais.

151 - Essa nova coordenação/reorganização de investimentos vai revigorar a economia? Harvey explica que isso depende de algumas coisas. “Se os gastos em construções ou melhoras sociais se revelarem produtivos (facilitando no futuro formas mais eficientes de acumulação de capital), então os valores fictícios são reduzidos (seja diretamente por amortização da dívida ou indiretamente por maiores retornos através de impostos que permitem pagar a dívida pública)”. Do contrário? Desvalorização dos bens construídos e/ou crise fiscal do Estado.

152 - Harvey coloca que esse investimentos, para “sair da crise” que se tornam algum tipo de infra-estrutura “fixa” podem precisar ser destruídos, anos depois, se o capitalismo, devido a uma nova “superprodução”, precisar criar infra-estruturas diferentes e ainda mais eficientes/baratas em outro lugar. Uma cidade inteira pode ser desvastada assim. Diz que isso faz parte da destruição criativa do sistema....

153 - E se os países (novas miras da expansão) “receptores” do excedente de bens (ainda no tema “superprodução”) estiverem sem dinheiro para comprá-los? Harvey explica: Neste caso um território recebe o empréstimo ou a doação do dinheiro com que compra o excedente de mercadorias geradas no território em questão. A Inglaterra fez isto com a Argentina no século XIX e o excedente do comércio japonês durante os anos 90 foi largamente absorvido por empréstimos aos Estados Unidos destinados a sustentar o consumo dos produtos japoneses. Simples transações comerciais e de créditos deste tipo podem aliviar problemas de superacumulação ao menos em curto prazo.

154 - … Isso pode minar ou salvar o desenvolvimento capitalista de um território a depender do comportamento do sistema de crédito e do capital especulativo.

155 - Com o excedente de capital (e não de bens) a lógica é diferente. Excedentes gerados na Inglaterra no século XIX e enviados para os Estados Unidos, para as colônias no sul da África, Austrália e Canadá, criaram novos e dinâmicos centros de acumulação nestes territórios, gerando uma demanda de bens da Inglaterra. Foi por isso, também, que os EUA resolveram reconstruir o capitalismo de vários países no pós-guerra.

156 - Isso resolve o problema da superacumulação? Depende. Investimentos de portfólio podem manter a construção do capital fixo (ferrovias e represas) requeridas como base para uma sólida acumulação no futuro. Mas a taxa de retorno destes investimentos a longo prazo no ambiente construído depende da evolução de uma forte dinâmica de acumulação no país receptor.

157 - É sempre interessante delimitar o momento em que o sólido desenvolvimento interno transborda em uma busca por ajustes espaço-temporais. O Japão fez isso durante os anos 60, primeiro através do comércio e em seguida por meio da exportação de capital como investimentos diretos, primeiro para a Europa e os Estados Unidos e mais recentemente na forma de investimentos massivos (diretos e de portfólio) para o Leste e Sudeste da Ásia e, por último, mediante empréstimos (particularmente para os Estados Unidos).

158 - Lênin (s.d.) cita Cecil Rhodes ao dizer que o colonialismo e o imperialismo eram a única maneira possível de evitar a guerra civil.

159 - Cita um livro que narra como os “reformadores” (presidentes das nações avançadas e afins) do meio para o final do século XIX responderam à luta de classes interna por meio da expansão do colonialismo e imperialismo. Absorver a superacumulação através de reformas sociais internas iria deixar a coisa menos rentável para a burguesia, logo, voltaram-se “para fora”.

160 - Assim, de 1884 até 1945, muitas figuras liberais e mesmo radicais tornaram-se orgulhosos imperialistas durante estes anos e grande parte do movimento operário foi persuadido a apoiar o projeto imperialista como um fator essencial ao seu próprio bem-estar.

161 - Abertura de mercados e “concorrência”: Sob estas condições, a abertura dos mercados não amplia a concorrência, mas apenas cria oportunidades para a proliferação de poderes de monopólio com todas suas conseqüências sociais, ecológicas, econômicas e políticas. O fato de que aproximadamente dois terços do comércio exterior se concentram atualmente em transações dentro e entre as principais corporações transnacionais é um indicador desta situação.

162 - Faz um bom resumo das vantagens e desvantagens do chamado “capital financeiro”. Na verdade, este texto deveria estar na pasta “Economia ‘Pura’”: De um lado os fluxos de capital são vitais para os investimentos produtivos e para as realocações de capital de uma linha ou lugar de produção a outros. Eles também jogam um importante papel ao equilibrar as necessidades de consumo (de moradia, por exemplo) com as atividades produtivas, em um mundo espacialmente desintegrado, com excedentes em um lugar e déficits em outro. Em todos esses aspectos, o sistema financeiro (com ou sem participação do Estado) é vital para coordenar a dinâmica da acumulação de capital em um contexto de desenvolvimento geográfico desigual. Mas o capital financeiro também engloba uma grande quantidade de atividades improdutivas nas quais dinheiro é simplesmente utilizado para gerar mais dinheiro através da especulação em mercados de futuro, valores monetários, dívidas e outros. Quando grandes quantidades de capital se tornam disponíveis para tais propósitos, então mercados de capital abertos se convertem em veículos para atividades especulativas algumas das quais se tornam profecias auto-realizáveis , como ocorreu, durante os anos 90, com os “ponto.com” e as “bolhas” dos mercados de ações ou os hedge funds, que contavam com trilhões de dólares à sua disposição, e forçaram a bancarrota da Indonésia e até mesmo da Coréia do Sul, independentemente da força de suas economias.

163 - Capitalismo articulado: “E se o poder do mercado não for suficiente para alcançar objetivos particulares e colocar elementos recalcitrantes ou “estados delinquentes” (rogue States) na linha, então o inigualável poder militar estadunidense (direto ou indireto) está preparado para resolver a situação.”

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