Maurício Tragtenberg - Textos Diversos VIII - Pistrak, Uma Pedagogia Socialista (e outros três)

 

Pistrak, Uma Pedagogia Socialista:

412 - Alguns achavam que bastava mudar o conteúdo. Pistrak vai fundar a “Escola do Trabalho”. Pregava a criatividade pedagógica em consonância com os objetivos centrais da Revolução Russa no plano sócio-econômico.

413 - Nesse sentido, a finalidade do conteúdo do ensino consiste em armar o educando para a luta e criação de uma nova sociedade. O trabalho na escola, enquanto base da educação, deve estar ligado ao trabalho social, à produção real, a uma atividade socialmente útil.

414 - Para ele, a aptidão do trabalho coletivo é adquirida no processo do próprio trabalho. É necessário saber quando é preciso mandar ou obedecer, e isto se consegue através da auto-organização dos educandos, em que “todos, na medida do possível, ocupem sucessivamente todos os lugares, tanto as funções dirigentes como as funções subordinadas” (p.41). Isso só será atingido se a auto-organização for admitida sem reservas. Conhecimento do real e auto-organização são chaves da nova escola, inserida na luta pela criação de novas relações sociais.

415 - Início da Revolução: Na falta de uma diretriz comum, o trabalho manual e intelectual eram independentes entre si: trabalho e aula não possuíam canais de comunicação. O trabalho não era inserido no problema geral do trabalho infanto-juvenil na sociedade socialista.

416 - Enfatiza também a necessidade de criar restaurantes e clubes como formas que permitem desenvolver a aptidão dos jovens para a vida e o trabalho coletivo, tendo como base “as tarefas domésticas coletivas” (p.50), como a manutenção da ordem e limpeza dos quartos, a participação nas tarefas da cozinha e distribuição dos alimentos preparados. (...) As crianças devem também participar cuidando dos jardins e dos parques públicos, plantando árvores e conservando as belezas naturais, organizando campos de jogos e práticas esportivas, enfim, associando as iniciativas da escola às de outros órgãos administrativos.

417 - Em 1918: Enquanto as crianças menores trabalham com tecido, papel e papelão, as maiores trabalham com metais e madeira. Para Pistrak, isto é essencial para o ensino de questões como a divisão de trabalho e o trabalho mecanizado: o aluno compreenderá melhor a mecânica e a essência do maquinismo se utilizar ferramentas diferenciadas.

418 - O trabalho agrícola na escola deve ser considerado um problema pedagógico que leve a criança à compreensão da aliança operário-camponesa e, portanto, da realidade atual.

419 - A fábrica também é uma escola: Assim, para Pistrak, o estudo da força motriz de uma fábrica e das diferentes formas de energia levam ao da geografia econômica e à compreensão da luta imperialista pelas fontes energéticas. (...) A máquina-ferramenta conduz a questões econômicas e técnicas, fundamentadas na física, matemática e química, e situa o papel do rendimento do trabalho. Por sua vez, situando-se o operário como ponto de partida, pode-se abordar as questões como as classes sociais, o salário, o sindicato, a ligação do operário com o camponês e com o Partido, a condição feminina e o trabalho.

420 - Pistrak: o que é importante, do ponto de vista pedagógico, é que as crianças tenham o sentimento de colaborar na produção; o que também é importante é que tenham a liberdade de estudar a fábrica em todas as suas partes.

421 - A área do chamado “trabalho improdutivo” (escritório, contabilidade, administração, estatística, escola, biblioteca, clube, serviço sanitário e médico) também necessita de mao de obra e, por isso, Pistrak acentua que a formação política dos trabalhadores desse setor é tão importante quando ao do trabalhador qualificado do setor industrial.

422 - Após a formação geral: é necessário que as crianças do segundo ciclo do segundo grau fiquem um certo número de horas por semana ligadas a alguma empresa, e que, por sua vez, o trabalho que realizam seja inserido na escola, para ser explicado e aprofundado cientificamente.

423 - Fim dos exames infernais: A passagem da escola à vida, para Pistrak, se dá por mediações através de “projetos” ou de “iniciativas”: seis meses antes do término dos estudos abandona-se o trabalho puramente teórico, dedicando-se o aluno à prática e ao “projeto” que deve executar, usando seus próprios recursos.

424 - Pistrak curte demais um taylorismo segundo MT. Sugere por exemplo que se esteja sempre de olho no relógio. Isso implica, segundo Pistrak, desenvolver nas crianças o gosto pelas formas racionais de cálculos e planos. (Não vou negar que não achei nada de errado se for feito, como ele disse, de baixo para cima)

425 - A aplicação desses princípios sofreu algumas dificuldades, e após a Revolução, a reação aos programas estabelecidos “do alto” levou a escola à anomia, ao vácuo. Na tentativa de resolver o problema, o Comissário para a Instrução Pública editou, em 1920, o “Programa Modelo para Escola Soviética Única”, com caráter meramente indicativo, permitindo que as escolas vinculassem os programas à realidade local. Não eram, porém, definidas as relações entre os Programas e os objetivos.

426 - Propunha o estudo dos diversos complexos (creio que nas suas múltiplas determinações) de acordo com problemas reais e fundamentais da realidade local. (...) Tal sistema de complexos é facilitado no primeiro grau na medida em que um só professor ministra todas as disciplinas; complica-se ao segundo grau com a existência de disciplinas isoladas ministradas por vários professores.

427 - O estudo de cada complexo deve ter duração curta nas crianças (semanas no máximo) e longa no jovem (um complexo, talvez o complexo “homem”, pode durar o ano).

428 - No segundo grau, já não se trata mais de concentrar todas as disciplinas em torno de um tema qualquer, mais de subordiná-las a uma idéia diretriz, a um único objetivo. O complexo é um meio, acentua Pistrak, não um fim em si.

429 - … E só vale a pena se for compreendido pelos alunos. O estudo pelo sistema de complexo só é produtivo se estiver vinculado ao trabalho real dos alunos e à sua auto-organização na atividade social prática interna e externa à escola.

430 - A escola será a base desse coletivo infantil no dia em que se constituir como centro da vida infantil e não somente como o lugar de sua formação. Nunca se pode esmagar as inciativas de auto-organização das crianças.

431 - No lugar da “justiça infantil” das escolas burguesa, Pistrak propõe que Assembléia geral das Crianças – em que o professor é apenas um membro – tenha poderes para julgar comportamentos de outras crianças. Como exemplo, apresenta a experiência das Comunas de Trabalho onde, foram recolhidos menores com problemas de conduta: ladrões, viciados em cocaína, jovens prostitutas. O êxito dessas colônias se deveu ao fato de elas se fundarem na autoridade do coletivo e na auto-organização, e serviu para mostrar “que estes viciados em cocaína, ladrões, prostitutas de 12 anos, etc., que foram levianamente classificados na categoria de crianças marcadas pela ‘insuficiência moral’ e irremediavelmente perdidas, são, na realidade, crianças brilhantes, ativas, capazes, de grande iniciativa, mas pervertidas pela vida, e que encontram condições quando o coletivo infantil tem possibilidade de se desenvolver, de crescer pelos seus próprios meios e de se organizar numa base social. Tudo se explica pelo coletivo infantil”

432 - A auto-organização das crianças é uma escola de responsabilidades assumidas, onde as atividades infantis se definem, desde a conservação da limpeza do prédio, a divulgação de normas higiênicas, a organização de sessões de leitura, o registro dos alunos, até espetáculos e festas escolares, a biblioteca e o jornal escolar. Isso inclui a participação das crianças na administração financeira das escolas.

433 - Fundamental importância é a recepção que os veteranos oferecem aos calouros.

434 - Havia até a Assembleia Geral das Crianças para escolher “dirigentes” com mandatos curtos, a fim de evitar especialização.


Pós-Graduação e Consciência Social:

435 - Diferentemente de França, Estados Unidos e Inglaterra, que realizaram suas revoluções “por baixo”, pela base, Alemanha, Japão, Itália, realizaram-nas “de cima”.

436 - Brasil: Não há o cidadão que reivindica direitos, mas sim, como já dizia Max Weber, o “súdito tributário”. Não é o cidadão na plenitude de seus direitos que aparece, mas sim o súdito que só tem deveres e não direitos e o principal consiste nas regras de obediência que o poder impõe sejam respeitadas, além do pagamento em dia dos impostos devidos ao Estado tributário.

437 - A desativação da pós-graduação, após as injeções de recursos que recebera na época do ‘milagre econômico’, além de significar o desperdício desses recursos com o alto custo social e econômico que isso implica, torna vulnerável a credibilidade ao meio acadêmico nacional nas autoridades educacionais caboclas.

438 - Porém há outro fator a considerar como um dos móveis da política de desativação da pós-graduação, além do reconhecimento de que não é necessária tecnologia criada no País e o melhor caminho ainda é incorporar as das multinacionais: é a formação de uma nova consciência social. “Cidadãos” conformados.


Pós-Graduação, Bode Expiatório:

439 - Discussão parecida com a atual. Tem que valorizar o ensino de base (o que não ocorrerá), então vamos precarizar o ensino de “topo” (o que pode ocorrer).


(...)


Relações de Poder na Escola:

443 - Vigilância escolar como disciplina para formar corpos dóceis. Texto de 85.

444 - O poder professoral manifesta-se através do sistema de provas ou exames onde ele pretende avaliar o aluno. Na realidade está selecionando, pois uma avaliação de uma classe pressupõe um contato diário com a mesma, prática impossível no atual sistema de ensino.

445 - A possibilidade de desvincular saber de poder, no plano escolar, reside na criação de estruturas horizontais onde professores, alunos e funcionários formem uma comunidade real. É um resultado que só pode provir de muitas lutas, de vitórias setoriais, derrotas, também. Mas sem dúvida a autogestão da escola pelos trabalhadores da educação – incluindo os alunos – é a condição de democratização escolar.

.

Comentários