João Bernardo - Da Reificação das Relações Sociais ao Fetichismo do Dinheiro I

 

João Bernardo - Da Reificação das Relações Sociais ao Fetichismo do Dinheiro:

186 - Define o “comunismo de guerra” como conjunto de práticas entre meados de 1918 e primeiro trimestre de 1921. Medidas: a máxima expansão da propriedade do Estado; a planificação central da produção e da distribuição no setor estadualizado; a organização centralizada da força de trabalho no interior do setor estadualizado; o controle pelo Estado das relações entre o setor estadualizado e o setor privado (= camponês); a abolição do dinheiro.

187 - Foi uma “utopia realizada”, já que prevista anteriormente por Kautsky, o qual definira já o socialismo como a extensão do Estado até se transformar numa empresa única e a abolição das relações mediante dinheiro, substituídas por relações mediante gêneros.

188 - Como abolir o dinheiro sem que o campesinato percebesse o “confisco” da propriedade privada. O plano (que mais tarde se verá que deu errado) era o seguinte: da desvalorização progressiva do dinheiro resultaria a sua abolição final. Essa desvalorização, devida a uma inflação provocada voluntariamente pelo Estado, constituiria uma forma de troca desigual entre o Estado e o campesinato, beneficiando-se o Estado. É esta a origem do modelo da “acumulação socialista primitiva” (Preobrazenskij): a desvalorização progressiva do dinheiro constituía, na prática, um imposto para financiar o setor estadualizado.

189 - Atribui a crise de 18 na produção industrial à imaturidade do proletariado e não à guerra civil. Não explica porém.

190 - Quando por vezes se usava explicitamente dinheiro no interior do setor de Estado, evitava-se empregar as notas emitidas pelo banco central, devido à extrema desvalorização (inflação), e o diretor de uma fábrica ou qualquer outra autoridade local emitia senhas, com a sua assinatura, que valiam como dinheiro. (Isto revela a falta de coesão do aparelho planificatório central, ultrapassado pelo localismo, o que é um reflexo da situação de classe dos gestores na Rússia.)

191 - Na época final do Comunismo de Guerra o governo nomeou comissões de economistas para estudarem a criação de uma unidade que substituísse, na contabilidade, o velho rublo. Todas as propostas apresentadas constituíam variantes de uma unidade: o trabalho físico incorporado. La boucle est bouclée (O círculo completava-se). Da pretensa abolição do dinheiro resultara a naturalização absoluta da lei do valor. (Para os que se interessam pelo problema: seria engraçado discutir com os membros destas comissões o célebre problema da transformação dos valores em preços.) O Comunismo de Guerra acabou antes que uma destas propostas, adotada como projeto de decreto, tivesse sido efetivamente decretada.

192 - A massa monetária mais que duplicou em 1918, mais que triplicou em 1919 e mais que quintuplicou em 1920. Com a oferta estancada ou pior, houve fortíssima inflação.

193 - Da crise no interior do setor do Estado resultou a crise nas relações entre esse setor e o campesinato. Sem produzir bens industriais para vender aos camponeses, o Estado não podia comprar produtos agrícolas. Assim, a relação entre o setor do Estado e o campesinato, prevista como troca desigual mediante a desvalorização do dinheiro, não podia ter lugar no mercado, e o Estado teve de recorrer à requisição sistemática de produtos agrícolas. Reação camponesa: redução das áreas semeadas, abate de gado, ocultação de estoques, recurso a canais de distribuição não controlados pelo Estado: mercado negro.

(continua...)

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