João Bernardo - Da Reificação das Relações Sociais ao Fetichismo do Dinheiro II
(continuação...)
194 - Os operários industriais caíram de três milhões para 1,2 milhão em 1922. Foram para o campo.
195 - Em 1917/1920 a população de 40 capitais de província diminuiu de 1/3; a de Moscou diminuiu de quase metade; a de Petrogrado (futura Leningrado) diminuiu de quase 60%.
196 - O que ocorreu, portanto, foi a desacumulação socialista primitiva via redução do Estado e crescimento do mercado (negro). O campesinato passou a impor ao Estado não só os termos da troca, mas até as formas da troca. Primeiro, o campesinato estabeleceu uma cotação própria do rublo, à medida que a sua desvalorização se acentuava; depois, a partir de certo grau de desvalorização, deixou de aceitar rublos. Desenvolveu-se a escambo (troca direta de produtos sem intervenção de dinheiro). E começou a verificar-se a criação particular de dinheiro: sal, tabaco, farinha, tecidos, álcool.
197 - Calculadas em valor calórico, as rações (parte dos salários em gêneros) distribuídas pelo Estado aos operários representavam apenas 1/3 do consumo calórico da população urbana: o resto provinha do mercado negro. O Estado procurava contrabalançar esta “desacumulação socialista” procedendo a uma forma de acumulação: as requisições. Mas estas tornavam-se cada vez menos eficazes: como disse já, levam à diminuição do out-put agrícola.
198 - A teoria na prática: nem o Estado aboliu o dinheiro internamente (já que as senhas das autoridades serviam como alternativa ao rublo desvalorizado) nem os trocadores da economia o fizeram (já que criaram suas alternativas monetárias).
199 - Guerra Civil Espanhola e CNT: previam a abolição do dinheiro. Para comércio externo se usaria o Ouro. Internamente, o dinheiro seria substituído pelas “cadernetas de trabalho”.
200 - Insurreições pré-guerra civil e localizadas em partes da Espanha já tentaram/vam, antes, abolir o dinheiro. Às vezes com soluções que pouca coisa mudavam. Como os “vale 1kg de pão”.
201 - Problemas mortais segundo JB: Em geral, o proletariado tomava a iniciativa da coletivização e, logo em seguida, entregava a representantes as empresas coletivizadas. Transformados em representantes, os anarquistas têm de atuar como tais. Reproduzem assim o leninismo.
202 - O dinheiro em Barcelona não foi abolido: 11 a été boudé. Os anarquistas aí viraram a cara ao dinheiro, fingindp não o ver. Apesar de as nacionalizações terem assumido enorme extensão, abarcando até o pequeno comércio, só os bancos não foram nacionalizados. Era o desprezo pelo dinheiro, forma negativa da sua abolição . Outros indícios: quando os anarquistas integraram o governo da Generalitat, dissolvendo o seu governo paralelo, não ocuparam a pasta das Finanças; o plano para roubar parte do ouro do Banco da Espanha e levá-lo para a Catalunha não foi por diante.
203 - Ao mesmo tempo, o Ministério da Economia (anarquista também) da Generailtat , quando vendia produtos da Catalunha a outras regiões da Espanha exigia o pagamento em moeda estrangeira. Conclusão: enquanto um “abolia” o dinheiro o outro restaurava-o!
204 - Engenheiros e operários da CNT pensaram inclusive uma reforma monetária em 1936, com inflação moderada (apenas para estimular consumo vide que deflação pode estimular “entesouramento”).
205 - O dinheiro só era abolido nos locais de profunda miséria, onde trocas e excedentes já eram poucos mesmo.
206 - Nessa época, também houve “abolições” em algumas relações com o mesmo problema da URSS: Entendia-se que a realização das transações entre empresas mediante acertos contabilísticos ( clearing ) constituía uma abolição do dinheiro. Não era bem isso.
207 - Clearing inclusive foi o caso da nota 204 acima. A reforma monetária.
208 - Num livro publicado em 1936, Diego Abad de Santillán admitia que a economia anarquista podia realizar-se na Espanha mesmo que o comércio externo fosse boicotado, mediante a substituição sintética de matérias-primas. Era o “anarquismo num só país”.
209 - Problemas do regionalismo ou dos “num só x”: o Comitê de Defesa de Aragão (governo regional anarquista) pretendia que se pusessem contadores de eletricidade na fronteira entre Aragão e a Catalunha, para que o governo catalão (controlado pelos anarquistas, lembre-se) pagasse a Aragão a eletricidade que daí provinha.)
210 - Em setembro de 1936, o grupo anarquista catalão Reclus publica no jornal Tierra y Lihertad uma proposta: eliminar metade de Barcelona, sendo a população correspondente absorvida pelo campo. Acabar com a compra de alimentos ao estrangeiro. Temos aqui. quarenta anos antes, o programa de Pol Pot.
211 - Partindo da tese da reificação das relações sociais pelo dinheiro, que oculta essas relações, estas várias utopias realizadas da “abolição” do dinheiro acabaram por chegar a uma forma extrema de fetichização do dinheiro: julgaram que atacar a moeda materialmente considerada era atacar as relações sociais que ela encobria.
212 - Por fim, dá vários exemplos de transações na Idade Média e de usos e não-usos para moedas e afins. Achei bem interessante, mas não entendi bem o mais importante, que era onde ele queria chegar com os exemplos. O conceito de moeda e dinheiro ficou bem mais difícil pra mim. Mostra, por exemplo, que uma moeda poderia simbolizar a compra pra um enquanto outro a recebia, simultaneamente, como “não-dinheiro”, mas um artigo de luxo. Só um dos exemplos que dá.
213 - Sua conclusão é: O dinheiro é um mero produto de relações sociais, inteiramente decorrente das características de tais relações. A oferta de dinheiro que tais relações tornam necessária nunca pode ser restringida enquanto tais relações perdurarem. Tal oferta é fácil. Querer destruir uma sociedade, ou querer sustentar e consolidar uma sociedade, visando para isso o dinheiro, é como querer destruir ou agarrar um objeto pela sua sombra. Inclusive ele se pergunta se não haveria dinheiro numa sociedade comunista/igualitária.
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