Eduardo Paes Machado - A Polícia dos Pobres

 

               Eduardo Paes Machado - A Polícia dos Pobres:


133 - O segundo estudo, realizado com 1.383 indivíduos, em 1996, constatou uma grande descrença popular em relação às agências de controle social - prisões, Judiciário, polícia. Somando os que avaliaram essas agências como ruins e muito ruins, a rejeição foi maior em relação às prisões (75%), vindo em seguida o Judiciário (43%) e, em terceiro lugar, as polícias (41%). Quanto ao sentimento de segurança, a maior parte dos entrevistados se sente “muito insegura” ou “insegura” quando caminha em ruas e praças (89%), quando dirige seu carro particular (69%) ou quando está no local de trabalho (52%) (Noronha, Paes Machado et alii, 1997).

134 - Entre esses assentamentos, Novos Alagados, com 12.000 pessoas vivendo em uma superfície de 33 hectares, que inclui aterros e construções sobre palafitas, está situado em uma área que se converteu em um símbolo de pobreza, degradação ambiental e violência de Salvador - o Subúrbio Ferroviário, com 41 km2 e uma população de 303.503 habitantes em 1994.

135 - Acho que tá falando do subúrbio: Além do salário, as principais fontes de rendimento são biscates e o pequeno negócio realizado em estabelecimentos comerciais conjugados com as habitações, ou nas próprias vias de circulação do bairro. Entre as ocupações mais citadas pelos que estão trabalhando, sobressaem as atividades ligadas à construção civil para os homens e o serviço domésticos para as mulheres. Estas, por sinal, estão à frente da metade das famílias, declarando-se proprietárias das habitações e responsáveis pela manutenção do respectivo grupo doméstico.

136 - Combinação de “co-moradia com os país” e desemprego: Confrontados com essas dificuldades, muitos pais de família perdem a auto-estima, entregando-se à ociosidade ou ao “desespero” de não poder sustentar a família e adotando posturas compensatórias como o alcoolismo, que estimulam agressões.

137 - Ocupados em sobreviver, os pais não têm tempo para os filhos: Entregues a si mesmas, as crianças fazem brincadeiras que motivam desentendimentos entre moradores em torno da autoridade para aplicar punições nos menores. Dada a precariedade do espaço físico, as crianças invadem o espaço do outro, danificam o espaço comum e, tal como os pais, não aceitam reclamações dos vizinhos.

138 - Parece haver um consenso de que se o jovem não tiver uma educação que inclua vigilância e surras, ele irá envolver-se com “gente ruim”, com o que “não presta”, com a criminalidade.

139 - Os modelos daqui eram assim... Carlinhos Tipofe era o grande modelo da gente... porque [era] um justiceiro... o cara tinha uma arma... E as lendas que se contam deles… são maravilhosas... de contar assim que eles saíam dando dinheiro na rua... pagava cerveja para todo mundo... e isso fascinava todo mundo (...) E a gente cresceu muito assim com esses modelos (...) Ser marginal sempre foi a grande sensação.

140 - O aumento da visibilidade do bando pode levar a pactos de não-agressão ou a atos de beligerância contra os moradores. Se, no primeiro caso, eles conseguem a neutralidade e a simpatia de pessoas, no caso do confronto, quando os marginais “sujam” o território, eles alienam o apoio e ficam mais expostos às queixas e denúncias dos moradores. (...) As relações pessoais com as lideranças também são importantes para obter reparos de ofensas, reaver valores roubados e, até mesmo, poder receber visitantes externos ao bairro. Em meio a essas estratégias, existem pessoas que se tornam cúmplices dos infratores, prestando serviços, obtendo favores e receptando bens roubados. Não sendo suficiente para proporcionar segurança, a diplomacia precisa ser acompanhada de outras medidas.

141 - As evidências disso se expressam nos coeficientes de alocação dos policiais entre áreas de classe alta e média, nas quais a relação é de 1 policial militar para cada 150 moradores, e áreas pobres, nas quais a mesma relação se eleva para 1 policial para 2.272 habitantes. Incluído entre estas últimas áreas, o Subúrbio Ferroviário detém uma proporção de 1/1.045 e dispõe de apenas três viaturas.

142 - Os policiais civis são mais vistos como “próximos” e tendem a receber mais apoio da comunidade, tida como mais competente também, na identificação verdadeira de bandidos e tal.

143 - Quadrilhas rivais acabam sendo uma boa fonte de informação da polícia. Há pouca solidariedade entre eles. Às vezes há períodos de paz armada.

144 - Na fase de pressão contra os marginais, são organizadas operações, rápidas ou demoradas (de até uma semana), que compreendem o cerco da área, bloqueio de vias de circulação, invasões domiciliares, tiroteios, prisões e mortes. Embora a polícia tome alguns cuidados como avisar aos moradores para estes não circularem nas vias públicas, o terror é um componente obrigatório das operações.

145 - Reclamam que a polícia não é ostensiva como em outros bairros. Não impõem respeito. Há outra crítica: Esta crítica é alimentada pela falta de sigilo e suspeitas de colaboração com o crime por parte dos agentes públicos. O fato de a polícia não manter sigilo sobre denunciantes, expõe os mesmos a retaliações. (...) “Agora tem aqui uma quadrilha que quem está ajudando é a própria polícia(...) E não é só esse caso não, tem vários e vários”.

146 - Tanto a agressão motivada pela “aparência pessoal”, como a resistência do grupo ao uso da força policial, podem ser verificadas em um relato que trata da violência praticada contra um negro que usava cabelo identificado com a afirmação racial.

147 - Traz uma série de comentários críticos à polícia. Ora, igualando moradores e marginais, a polícia acaba sendo identificada com os bandidos que, como ela, também não respeitam o direito do outro e usam a força para impor a sua vontade.

148 - “Essa semana teve um assalto na barraca e os ladrões correram para cá. Na casa que eles acharam aberta eles entraram. Então a polícia veio atrás, foi atirando sem saber quem estava na frente. No ano passado teve um rapaz mesmo que morreu. Todo mundo aqui teve de ficar de porta fechada porque a polícia foi atrás e acabou matando ele dentro da maré. Se tem uma criança na frente passando... é capaz de tomar um tiro.”

149 - Critica-se que a polícia não tenha cuidados no uso da violência. Que contra os marginais, tudo bem “ser igual a eles”. Porém, o fato de “às vezes matar inocente” incomoda. Estão nem aí para o “entorno”, criticam.

150 - Extermínio. As execuções eliminam lideranças e produzem revolta entre os sobreviventes das quadrilhas, que aumentam as agressões contra moradores desprotegidos. O fim de uma liderança também é acompanhado por ajustes de contas e lutas sucessórias sangrentas, que desorganizam o controle dos delinqüentes sobre o bairro e tornam os moradores vulneráveis à ação de outras quadrilhas que, não encontrando resistência local, invadem o território dantes monopolizado por eles.

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