João Bernardo - Sobre a Esquerda e as Esquerdas (PP) - Parte II

 (continuação...)

649 - Outro comentador critica que se associe a ciências estruturalmente ao capitalismo, sendo que este faz apenas um mal uso daquela. Não é culpa da ciência se se pesquisa mais cosmético que algumas “doenças de pobre”, ou algo do tipo.

650 - JB se revolta contra a epistemologia a uma dada altura dos comentários: Ora, não é sugestivo que, apesar de este meu Manifesto visar as condições da transformação prática, a sucessão de comentários tenha acabado por incidir no plano epistemológico? Não bastará isto para recordar como o ambiente pós-moderno nos aprisiona a todos e nos estiola? E, no entanto, não foi há uma enormidade de anos-luz que Henri Lefebvre se insurgiu contra a tradição filosófica que considera o conhecimento como um problema e afirmou que ele é um facto, e um facto prático

651 - No terceiro artigo, JB continua a criticar o pós-modernismo, mas agora tratando de organização. A afirmação de que tudo o que é pessoal é político tem como corolário a redução do político ao pessoal. O modo de vida tornou-se, por si só, político, o que significa que em vez de mudar o mundo basta viver de certa maneira. A ideia seria se verem no outro como forma de apassivar. A transformação do mundo deixa de ser necessária eis que posso viver com meus iguais.

652 - Tem uma avaliação bem pessimista das formas de ação atuais: Em terceiro lugar, as ocupações de espaços públicos convocadas pelas redes sociais ou se mostram impotentes para impedir a rápida reversão das suas conquistas (Primavera Árabe) ou se revelam incapazes de evitar o seu sequestro a partir de dentro por forças da direita (a revolta dos coxinhas na sequência das manifestações de Junho de 2013 no Brasil) ou servem igualmente de modelo de mobilização à direita e à extrema-direita (Tailândia, Ucrânia) ou são encenações irrelevantes que convertem a política numa estética inofensiva (occupy e acampadas).

653 - Para JB, “Os mercados também não pressupõem necessariamente a existência de propriedade privada e serviram em vários casos para inter-relacionar colectividades proprietárias.”

654 - Defende que não existe uma real concorrência entre os trabalhadores, isto porque: “as empresas, enquanto compradoras de tempo de trabalho, encontram-se numa situação oligopsonista, que tenderá tanto mais para monopsonista quanto mais os capitalistas se coordenarem nos confrontos de classe.” Isso invalidaria a ideia do “não tá gostando? Mude de empresa”.

655 - A mesma coisa para a relação entre as grandes empresas e firmas subcontratadas.

656 - No mercado de consumo, idem. Monopólios e oligopólios.

657 - Aquelas pessoas que não imaginam a possibilidade de superar o capitalismo sem abolir o dinheiro deveriam meditar sobre as tentativas de supressão do dinheiro levadas a cabo pelos anarquistas na Catalunha e em Aragão durante a guerra civil, que demonstraram, afinal, a plasticidade do dinheiro e o seu ressurgimento nas novas condições sociais.

658 - No processo de derrube do capitalismo, a rotatividade não pode incluir a esmagadora maioria das funções nem pode presumir-se a ausência de especialização e de divisão do trabalho. A rotatividade deve conceber-se nas funções de direcção, com a condição de a direcção ser entendida como coordenação.

659 - Ora, uma sociedade baseada num colectivismo de produtores e recorrendo ao mercado e ao dinheiro como instrumentos de inter-relacionamento pode evitar a centralização, que é um dos factores de existência do Estado, pois o mercado e o dinheiro permitem a conexão descentralizada.

660 - O papel da informática nisso aí: “Ora, se estas redes veiculam hoje uma recolha de informações que segue da periferia em direcção ao centro e de emanação de decisões que vai do centro para a periferia, elas têm condições técnicas para sustentar percursos inversos, em que instituições coordenadoras recebam as decisões emanadas da periferia, as articulem e as reenviem para a periferia, juntamente com novos fluxos de informação.”

661 - Se o interesse e a competência generalizados e uma divisão do trabalho igualitária forem uma utopia irrealizável, então será impossível a autogestão da abundância e teremos de optar entre uma abundância gerida por outros ou a autogestão da miséria. Toda a questão do comunismo é esta.

662 - (Enfim… Dá o que pensar esse manifesto bernardiano).

663 - (Sobre essa questão do dinheiro. Talvez surja algo com função similar, mas bem diferente. Digamos que exista um equivalente monetário do PIB mundial que, claro, pode crescer se a democracia assim decidir, que seja distribuido digitalmente às populações para decidir o que deve ser produzido… Por aí se organizaria a produção. Não deixa de ser “dinheiro”, de certa forma. Quanto a existência de mercados, não sei se entendi. Fala-se de concorrência entre as unidades produtivas para ver quem acumula mais dinheiro, mas agora com relações de trabalho igualitárias?)

664 - O comentador Taiguara parece vincular a existência de mercado a excedentes e fez a seguinte provocação aos que acreditam num comunismo sem mercado: “Parece-me que o seu primeiro parêntese o traiu e revelou uma contradição na sua argumentação. Nele você afirma que, “grosso modo, apenas os excedentes eram trocados ou vendidos”, para, logo em seguida, dizer que “O mercado sempre se sustentou na escassez”. (...) Eu diria que o mercado só pode existir porque uma dada unidade produtiva, seja ela uma família, uma clã, uma tribo, uma fábrica ou uma comunidade, não produz todos os valores de uso que lhe são necessários, mas, por outro lado, produz em abundância um certo número deles cuja parcela excedente pode ser trocada. (...) O que me leva à seguinte pergunta. Numa sociedade hipotética em que haja “autogestão absoluta nas empresas”, você acha que cada uma delas produziria todos os itens ou serviços necessários à mais elementar forma, porém digna, de existência humana?

(continua...)

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