João Bernardo - Ainda Não Sabiam Que Eram Fascistas (PP) - Parte I

 

Ainda Não Sabiam Que Eram Fascistas (PP):

594 - O primeiro artigo da série traz a trajetória de Corradini, já discutida aqui.

595 - Seu pensamento refletia um “darwinismo entre nações”. Assim, o imperialismo era a saída para a “nação proletária”. Era um estado de guerra permanente.

596 - O termo nacional-socialista foi usado em 1892 por Drumont, um francês.

597 - Um sindicalista revolucionário francês, influente entre os italianos, Édouard Berth, afirmava que apenas o burguês poderia ser contra a guerra, por sua lógica economicista e pouco afeita à questão da honra. A guerra era a greve da nação.

598 - As ideias de Georges Sorel pareciam avançadíssimas ao tratar da pedagogia das lutas para construção de uma sociedade autônoma, sem chefes.

599 - Acreditava, ainda, que os operários tinham que criar suas próprias instituições de ensino e cultura, não embarcando na instrução burguesa, que crescia como que a complementar a grande teia da mobilidade social ascendente como legitimadora do sistema.

600 - Sindicatos e cooperativas seriam um poderoso fator educativo para Lagardelle, admirado por Sorel. Este último era expressamente louvado por Mussolini, inclusive como verdadeiro intérprete do marxismo, irreconhecível na Alemanha, para o futuro ditador.

601 - As milícias tinham um papel superior ao dos sindicatos no fascismo italiano.

602 - Todos esses autores citados, que começaram defendendo o socialismo revolucionário e autonomista passaram a flertar ou assumir escancaradamente o fascismo em alguns momentos da vida. O que mais demorou a tanto foi Lagardelle. Entretanto, quando o fez…

603 - … Não nos pode espantar que, quase septuagenário, em Abril de 1942, Lagardelle tivesse sido nomeado ministro do Trabalho no governo colaboracionista de Vichy. A sua principal função consistiu em fornecer aos ocupantes nazis uma abundante mão-de-obra sujeita ao regime de trabalho forçado, o que mostra que se pode começar defendendo a autonomia e acabar praticando a escravatura.

604 - Nota de rodapé interessante sobre a França. "Com efeito, segundo um estudo de Mattei Dogan referido por T. B. Bottomore (1967) 85, dos cerca de seis mil deputados que ocuparam os lugares do parlamento francês entre 1871 e 1958, nas Terceira e Quarta Repúblicas, mais de metade era composta por intelectuais, ou seja, professores universitários e do ensino elementar, cientistas, engenheiros, advogados, escritores e jornalistas."

605 - Extrema-direita e extrema-esquerda (parte dela) também na França partilhavam teses. inclusive certo antissemitismo.

606 - Levaram para a extrema direta a atuação radical e ousadia de pensamento que lhe faltava. Já na direita, a teoria das elites pode ficar mais e mais autoritária. Baseia-se em diferenças “desistorizadas” (inventei) ...

607 - … JB comenta: “O alheamento da história é, em qualquer caso, o fundamento da teoria das elites. As diferenças circunstanciais entre vanguarda e base são congeladas fora da ocasião e do lugar em que surgiram, esquecendo que elas se extinguirão e se reorganizarão em novas diferenças à medida que a situação evoluir, e é a esta metafísica sem tempo nem espaço que as vanguardas de um instante recorrem para justificar a sua conversão em burocracias profissionais.

608 - Berth considerava que o outro mérito do capitalismo (além do de nos livrar do “reino da necessidade”) seria ter expurgado a preguiça primitiva do operário, agora capaz de realizar grandes tarefas coletivas. Para ele, quanto maior a autodisciplina, maior a liberdade.

609 - … JB criticou tal ideia nos seguintes termos: “Ao definir a liberdade como uma autocoacção e ao admitir, afinal, que o Estado podia extinguir-se quando cada um fosse capaz de se reprimir a si próprio e aos outros [19], Berth não fez mais do que dar nova vida à única grande utopia do capitalismo, a de que será possível recuperar perpetuamente os conflitos sociais, de maneira que a liberdade não tenha outro conteúdo senão o de uma repressão consentida.”

610 - Sergio Panunzio, futuro fascista, assim conjugava anticapitalismo, antiestatismo e princípio da autoridade ao elogiar o sindicalismo revolucionário: «[…] o sindicalismo é antiestatista por definição, mas não antiautoritário». Era a disciplina de empresa que exigia a autoridade. O capitalista tornara-se supérfluo, mas a direcção técnica da empresa mantinha-se indispensável. «Quando a exploração inerente ao organismo da empresa capitalista for eliminada pela unificação e pela associação livre dos factores produtivos, já nas mãos dos operários sindicalizados, continuará a haver grupos de produtores que terão necessidade de um regime técnico, de uma direcção. Mesmo no regime económico operário instituído pelos sindicatos, sem classe patronal nem Estado, existirá um princípio autoritário, chamemos-lhe assim, que resulta inevitavelmente das imperiosas necessidades técnicas do trabalho e da produção».

611 - Sorel fez sempre a apologia de uma tecnocracia: Sorel argumentou que aqueles a quem Lenin «tivera de oferecer remunerações consideráveis» não eram políticos nem especuladores das finanças, mas «organizadores de empresas», «engenheiros» e «todo o tipo de especialistas estrangeiros».

612 - Se dizia, ainda, antipatriótico e antielitista, inclusive criticando o bolchevismo pela possibilidade de tão apenas inaugurar uma nova servidão.

613 - O proletariado em Sorel não importa em si. É pura massa de manobra para renovação da elite. Embora talvez nem ele mesmo percebesse isso. Ficou claro, porém, quando escreveu: «A experiência mostra que a burguesia se deixa facilmente espoliar, desde que seja um tanto ou quanto pressionada e lhe façam medo com a revolução. O futuro está reservado para o partido que souber manipular com mais audácia o espectro revolucionário […]» [45]. E de novo, no segundo capítulo: «É tudo uma questão de avaliação, de cautela, de oportunidade. Necessita-se muita subtileza, tacto e uma calma audácia para conduzir semelhante diplomacia: fazer crer aos operários que se ergue a bandeira da revolução, à burguesia que se põe termo ao perigo que a ameaça, ao país que se representa uma corrente de opinião irresistível» [46]. O fascismo transportou para a história o que nas páginas de Sorel fora ainda um argumento retórico.

(continua...)

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