Econ - Dante Mendes Aldrighi - Uma Avaliação das Contribuições de Stiglitz à Teoria dos Mercados Financeiros III

 (continuação...)

103 - Taxa de juros e informação. Dificuldade de saber quem é o credor bom e o credor ruim leva a, por via das dúvidas, para não quebrar, um banco tenda a elevar a taxa de juros para todos. Porém, esse “equilíbrio” tem seus males: A assimetria de informações entre potenciais credores e tomadores de empréstimos pode fazer com que um aumento na taxa de juros gere um impacto negativo tanto sobre a composição do pool de solicitantes de crédito (o efeito da seleção adversa) como sobre o comportamento destes em relação a riscos (o efeito incentivo, ou o efeito do moral hazard).

104 - Desequilíbrios possíveis da situação acima: o aumento na taxa de juros de empréstimo como resposta ao excesso de demanda por crédito induz os solicitantes mais avessos a riscos (e que talvez disponham de projetos de melhor qualidade) a não tomarem crédito, remanescendo entre os demandantes apenas aqueles com maior probabilidade de default. É o problema da “seleção adversa”. Pode pegar louco por risco, ambicioso, que não necessariamente tem um bom projeto.

105 - … O problema do moral hazard, por sua vez, consiste no incentivo que a elevação das taxas de juros dos empréstimos cria nos tomadores de crédito para que, tendo recebido os fundos, escolham projetos de maior risco. Se falir, a responsabilidade é limitada (LTDA.). E se der certo, o lucro será alto o suficiente para cobrir os juros e sobrar para o iate. Um projeto consistente e pé-no-chão talvez só garanta o pagamento dos juros, que já exigem uma boa margem de lucro.

106 - Se acontecerem esses dois efeitos, a demanda por crédito será crescentemente só dessa galera aí.

107 - Quanto maior o leverage do devedor, maior a despesa com obrigações financeiras e, portanto, maior o risco de default. O maior endividamento incita o devedor, ademais, a um comportamento do tipo moral hazard. Desse modo, o racionamento do crédito pode constituir uma solução ótima para o credor, uma vez que, em sua avaliação, qualquer prêmio adicionado sobre a taxa de juros pode não compensar o incremento no risco de default ensejado pelo aumento no grau de endividamento.

108 - Intervenções nisso? Céticos. Contratos mais completos, que contemplassem inúmeras contingências e punições que inibissem os tomadores de empréstimos a correr riscos exagerados, são custosos e pressupõem a existência de uma infra-estrutura jurídica desenvolvida que assegure seu cumprimento: legislação adequada, precisão nas regras de responsabilidade, pronta execução das decisões judiciais etc.

109 - Por tudo isso, a taxa de juros afeta diretamente a qualidade do empréstimo e, assim, o retorno do credor.

110 - De fato, restaria ainda às empresas preteridas pelo racionamento do crédito a possibilidade de levantar recursos no mercado de ações. Só que a assimetria da informação atua lá também, afirma. Acionistas podem ter ainda menos controles sobre uma diretoria de empresa, que pode ter seus interesses particulares. Uma má governança é exemplo. A elevação dos rendimentos de CEO muito acima do crescimento dos lucros das empresas dos EUA na década de 00 (estou lembrando desse exemplo) é talvez uma prova. Bancos podem ter vantagens vis-à-vis um acionista típico para monitorar os diretores, pois dispõem de mais informações sobre a situação das empresas e podem impor sanções quando necessário — não renovando, por exemplo, os empréstimos.

111 - Outro problema que torna improvável essa via de escapatória às empresas que querem fugir da “seleção adversa” do problema da assimetria da informação com os bancos: Segundo, há a possibilidade de que a captação de fundos no mercado acionário induza os investidores potenciais a concluírem que ou a empresa não apresenta uma perspectiva favorável (senão estaria disposta a assumir o risco incremental de uma dívida maior), ou que não conseguiu crédito dos bancos (supostamente melhor informados sobre a situação financeira de seus clientes), ou ainda que os bancos só se dispusessem a lhe fornecer crédito a uma taxa de juros demasiadamente alta. Essa sinalização adversa sobre a "qualidade" da empresa que recorre à emissão de ações como fonte de financiamento (justificando inferências dos investidores sobre uma situação financeira frágil ou sobre o maior risco de falência da empresa) provocaria uma queda no preço das ações que poderia encarecer excessivamente a captação de recursos por essa via. Assim, para Greenwald, Stiglitz e Weiss (1984: 195 e 198) "não é surpreendente, conseqüentemente, que as empresas raramente emitem ações para levantar capital."

112 - Parênteses: (O que é armadilha da liquidez - que Stiglitz contesta? A Suno Research me explicou do que o que eu já tinha ouvido. As pessoas têm preferência por liquidez. Ou seja… Pela preferência, ao escolher entre ativos com mesmos riscos e taxa de juros, as pessoas optariam pelo mais líquido. (...) Sendo assim, as pessoas só optam por investir, ao invés de reter moeda, se forem obter algum ganho com isto.) (Até para aproveitar possíveis grandes quedas, complemento!) (Armadilha: Ele ocorre em período de recessão onde a taxa de juros está tão baixa que as pessoas acreditam que subirá. (...) Sendo assim, as pessoas não aplicam seus recursos. Isto pelo receio de que o aumento da taxa de juros reduza o valor presente do investimento. Os próprios bancos, explica. Recebem dinheiro do BC e não emprestam. Guardam liquidez. (...) Assim, todo o esforço da política monetária para aumentar a liquidez fará com que as pessoas retenham mais moeda.)

113 - Alta taxa de juros também pode aumentar o custo marginal de endividamento: "aumento marginal no custo esperado de falência associado ao incremento da dívida", parcela esta que tende a crescer quando a empresa se defronta com condições econômicas adversas não previstas. Por isso, o custo marginal efetivo do capital está sujeito a variações cíclicas mais intensas se comparado com as taxas de juros de longo prazo ou ao preço das ações, revelando-se uma variável mais poderosa para explicar as amplitudes das oscilações cíclicas dos investimentos.

114 - Enfim, para Stiglitz, o risco de default de uma empresa importa mais que a taxa de juros real de longo prazo ao que entendi. Daí a importância que dá a necessidade de reduzir a assimetria da informação.

115 - (Várias coisas que eu vou escrevendo o próprio texto confirma mais a frente, aí nem repito. Por exemplo, mais a frente tem este trecho aqui que é mais ou menos o que eu disse logo acima: o nível de investimento e o volume da produção são mais afetados pelas restrições na disponibilidade de crédito ensejadas pelas imperfeições de informação do que pelas taxas de juros).

116 - Mesmo empresas com acesso ao crédito podem enfrentar elevação nos custos efetivos de capital devido ao aumento na probabilidade de default associado ao maior grau de endividamento.

117 - Choques de oferta, imprevistos e demais incertezas que levam a perdas de capitalFace às restrições de financiamento derivadas de imperfeições informacionais, a reposição do capital se dá gradualmente através da retenção dos lucros. Enquanto isso ocorre, as empresas contraem a produção e os investimentos para evitar o aumento no risco de falência que a manutenção dos níveis anteriores de gastos implicaria numa situação de patrimônio líquido erodido. Ademais, o choque potencia a incerteza e a assimetria de informações por dilapidar o capital informacional acumulado pelos credores a respeito dos riscos de seus clientes. Os fornecedores de crédito, avessos a risco, podem reagir a essa maior incerteza combinando racionamento, termos contratuais mais duros e rearranjos nos portfólios, privilegiando ativos de menor risco. (Também parece uma armadilha. De Stiglitz).

118 - Trata de multiplicadores ruins - externalidades e afins - que todo esse ciclo pode gerar.

119 - Por último, as restrições financeiras causadas por informações imperfeitas esclarecem o motivo pelo qual as empresas no auge da recessão não ampliam seus investimentos e estoques, a despeito do baixo custo de oportunidade no uso dos fatores e do conhecimento dado pelas experiências anteriores de recessão acerca de sua amplitude e periodicidade.

120 - Stiglitz observa que problemas de rent-seeking e de informação que perpassam a burocracia governamental afligem também as empresas privadas. (...) Em particular, caberia ao governo afrouxar as restrições financeiras à produção e aos investimentos por meio da criação, uso, aprimoramento, e aprofundamento dos mercados; pelo estímulo à constituição de instituições extramercado que atenuem os efeitos das falhas de mercado; pela regulamentação do setor financeiro de modo a assegurar que seus participantes tenham os incentivos adequados, usem a informação de modo eficiente e tomem decisões prudentes; pelo fortalecimento das estruturas legais que garantam a observância dos contratos; e pelo enfrentamento de certas externalidades de informação (via subsídios ou impostos).

121 - Stiglitz e Ásia: … identifica as raízes últimas da crise coreana na liberalização dos mercados financeiros e das contas de capital no início da década de 90 — segundo ele, em decorrência de pressões de instituições financeiras privadas mediadas pelo Tesouro norte americano. Essa desregulamentação das transações financeiras externas desacompanhada de estruturas de fiscalização adequadas que limitassem os efeitos dos problemas de assimetria de informações inerentes aos mercados financeiros resultou em instabilidade econômica e financeira — muito mais do que em crescimento econômico e maior eficiência alocativa, previstos pelos "fundamentalistas de mercado".

122 - Grande pequeno texto! Muito interessante. Concorde-se com tudo ou não.

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