Benedict Anderson - Comunidades Imaginadas, Reflexões Sobre a Origem e a Difusão do Nacionalismo II
(continua...)
14 - Eram “línguas-verdade” (o latim canônico era “nosso” famoso exemplo) as quais, há algum tempo atrás, não deveriam sequer serem traduzidas. A realidade ontológica só poderia ser apreendida por um único sistema de signos. (Isso me faz entender várias defesas que os católicos “fundamentalistas” fazem até hoje, 2019).
15 - Adorei ele falando do caráter abstruso “autoconstruído” da linguagem dos advogados e economistas. Lembrei muito do nosso primeiro dia de conversa falando justamente isso.
16 - Os letrados eram como a mediação entre o céu e a terra. Membros da hierarquia do divino. As línguas inferiores eram máscaras da realidade, sem alcançar a profundidade desta.
17 - A exploração do mundo não-europeu dos séculos seguintes ajudaria a reduzir o prestígio das grandes comunidades imaginadas religiosamente e sua “coesão inconsciente”. O contato com outras culturas leva a um Marco Polo, por exemplo, falar em religião “mais verdadeira” em vez de religião “verdadeira”, ao tratar de cristianismo em um dos textos.
18 - Fatores internos também contam. O latim deixou de ser a única língua ensinada. Já no fim do Século XVI tudo tinha mudado. O francês já superava o latim como língua da maioria dos livros em pleno ano de 1575. Em 1500 eram só 23%.
19 - A desprestígio da língua latina avançou pari passu :) à fragmentação e territorialização gradual das comunidades sagradas amalgamadas pelas antigas línguas sacras.
20 - As dinastias (estados monárquicos) derivaram seu poder das divindades e se expandiram pela guerra e política sexual (casamento e miscigenação, inclusive com sistemas de concubinatos).
Pág. 51-61
21 - Na Europa pré-nacionalismos, digamos assim, importava mais o prestígio das dinastias e seus nomes e sobrenomes que propriamente a nacionalidade de um monarca ou a ideia de nação. O exército da Prússia mesmo, nos tempos de Frederico O Grande, possuía mais estrangeiros que tudo inclusive. (Cita como isso mudaria com Guilherme III e o Exército nacional-prussiano mais à frente). Em 1914, embora os estados dinásticos ainda fossem maioria, muitos já havia incorporado ou adicionado fortemente à sua legitimidade a chancela do “nacional”.
22 - Anderson avisa, porém, num novo subcapítulo do livro, que tudo isso não se tratou de mera substituição.
23 - Começa contando como havia várias representações visuais e auditivas para levar as concepções religiosas às massas. Também observa que era normal uma Virgem Maria representada com “roupas do presente”. A história não era, na época, o que é hoje para nós. Passado e presente eram meio que irrelevantes ou no mínimo misturados ou diluídos na eternidade divina que guiava o pensamento da época. Era comum que imaginassem a proximidade da segunda vinda de Cristo e do fim de tudo. Como se o tempo vivido fosse mera continuação imediata da historinha da Bíblia.
24 - Esta concepção medieval de “simultaneidade-ao-longo-do-tempo” foi substituída pela ideia de “tempo vazio e homogêneo”, a qual tem a ver com a gênese obscura do nacionalismo, afirma. Porém, segundo entendi, Anderson vê uma diferença muito grande entre as duas figuras e quer chamar a atenção para isso.
25 - Esse tal “tempo vazio e homogêneo” aparece em jornais e romances do século XVIII. Quem percorria esse tempo era uma comunidade sólida (um organismo sociológico) em sentido ascendente ou descendente. Era uma comunidade imaginada, baseada na atividade constante, anônima e simultânea dos membros.
(Uma vez vi, 2012 acho, um documentário no History que era muito isso, quase uma história religiosa sobre o surgimento dos EUA, umas dez horas de nacionalismo deslumbrado. Não à toa Trump era um dos vinte comentaristas ou algo do tipo).
26 - Entre as páginas 56 e 63, Anderson transcreve e comenta bem brevemente exemplos literários do surgimento da noção de “comunidade imaginada” que viria a se relacionar com o nacionalismo.
Pág. 61-70
27 - Os romances citados possuem um contexto delimitado, claro e particular. Assim, enquanto que na Bíblia há uma prisão magicamente única em que Salomé se sente enfeitiçada por João Batista, o mesmo não ocorrerá na obra literária de cunho nacionalista ou anticolonial, já que a prisão na qual estará um herói será não única, mas meramente representativa do sistema opressor daquela colônia particular.
(Acho que ele faz essas diferenciações para marcar a diferença entre a “substituição” das dinastias e religiões pela coisa da nação como fator unificador e que dá sentido às coisas. Pra não parecer que essa transição é simples ou que isso explica tudo)
28 - Apresenta notícias de diferentes partes do mundo presentes na primeira página de uma edição do New York Times. A ligação implícita entre todas elas vem de um vínculo imaginado. Tal vínculo vem do “avanço constante do tempo vazio e homogêneo” e da relação entre o jornal e um mercado, qual seja, a criação da ficção da comunidade, neste caso, de um tipo específico de comunidade (diferente da religiosa unida pela língua sagrada): a “comunidade imaginada secular, historicamente regulada pelo relógio”.
29 - Ao fim do capítulo, resume as três quedas que criaram o ambiente propício ao florescimento do nacionalismo: a) a ideia de língua escrita oferecendo acesso privilegiado à verdade ontológica justamente por ser parte desta inclusive; b) a organização em torno de centros elevados, como o monarca que teria seu poder na legitimidade divina e seria um elo entre os mundos; c) a confusão temporal entre cosmologia e história e as origens dos homens e do mundo como sendo essencialmente as mesmas. Esse conjunto todo dava sentido explicativo às fatalidades da vida e oferecia redenção.
30 - … As dinamites que explodiram esse edifício foram a transformação econômica; as descobertas sociais e científicas e o desenvolvimento de meios de comunicação cada vez mais velozes. Tudo isso levou à separação entre cosmologia e história, fazendo com que se iniciasse nova busca para reunificar a fraternidade, o poder e o tempo. O capitalismo editorial viria a catalisar essa busca, mudando a forma como as pessoas pensavam sobre si mesmas e se relacionavam umas com as outras.
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