Lei de Terras - Compilado de textos diversos

 

1 - A Lei das Terras, de setembro de 1850, transformou-a em mercadoria, nas mãos dos que já detinham "cartas de sesmaria" ou provas de ocupação "pacífica e sem contestação", e da própria Coroa, oficialmente proprietária de todo o território ainda não ocupado, e que a partir de então passava a realizar leilões para sua venda.


2 - Para Maricato (1997), foi entre 1822 e 1850, nas décadas anteriores à aprovação da Lei das Terras, que se consolidou de fato o latifúndio brasileiro, através da ampla e indiscriminada ocupação das terras, e a expulsão dos pequenos posseiros pelos grandes proprietários rurais. 


3 - Fim do tráfico: Segundo Boris Fausto (1994), entre 1870 e 1873, os produtos ingleses eram responsáveis por 53,4% do valor total das importações brasileiras.


4 - A mão de obra foi ficando mais cara a partir de 1830, eis que o tráfico estava ameaçado.


5 - Função da Lei: Nesse sentido, a Lei das Terras coibiu, como vimos, a pequena produção de subsistência, dificultando o acesso à terra pelos pequenos produtores, inclusive imigrantes, e forçando seu assalariamento nas grandes plantações. 


6 - Em suma, a riqueza dos poderosos era medida pelos seus escravos, que serviam – o que não era o caso da terra, antes de 1850 – até como objeto de hipoteca para a obtenção de empréstimos.


7 - Se o país tinha, em 1700, cerca de 3 milhões de habitantes, o tráfico negreiro alterou bem a situação, e em 1850 somente os escravos já eram cerca de 4 milhões. Quanto aos imigrantes europeus e japoneses, sua vinda começou efetivamente na década de 1840, intensificando-se após 1850. Entre esse ano e o de 1859, cerca de 110 mil imigrantes chegaram ao país, parte deles concentrando-se, vale dizer, nas cidades. Em São Paulo, por exemplo, dos 130 mil habitantes em 1895, 71 mil eram estrangeiros. Mas, a terra como "mercadoria" não ficou por causa disso mais disponível para essa massa de população. Como vimos, a distribuição das terras no Brasil se deu, para os senhores de então, em um sistema com muito pouca, ou nenhuma concorrência.


8 - As vendas eram "à vista" e em hasta, o que inviabilizava médios e pequenos proprietários.


9 - Liberais e conservadores passaram mais de vinte anos discutindo a transição para o fim do tráfico. O projeto liderado por José Bonifácio, de implantar uma colonização branca combinada à pequena propriedade privada, e financiado com a venda das terras devolutas foi der­rotado pelos latifundiários (Smith, 1990)


10 - Maricato: A definição e demarcação das terras devolutas, após 1850, foi uma das maiores farsas que marcaram a história do Brasil. Ela se assemelha à farsa que marcou a proibição do tráfi­co de escravos entre 1831 e 1850, isto é, era proibido mas feito à luz do dia e envolvendo autoridades de prestígio na sociedade luso-brasileira. Tratava-se de uma das mais rentáveis formas de aplicação financeira, como demonstram Alencastro e Florentino (Alcncastro, 1998; Florentino, 1999). (...) O caso da demarcação das terras devolutas, prevista na lei de 1850, revela uma história de leis e decretos não aplicados e que são continuamente su­cedidos por outras medidas também inúteis. São criados organismos ineficientes que são sucessivamente extintos e substituí-los por outros também ineficientes. A criação de arquivos e re­gistros, que se sucedem, não são alimentados senão para confir­mar as "propriedades" existentes! Esse processo é descrito por Ligia Osório Silva em seu livro  Terras devolutas e latifúndio, efeitos da lei de 1850" (Silva, 1996).  


11 - Emília: A disputa pela terra vem ocorrendo na história do Brasil desde a sua formação. As lutas entre portugueses e indígenas que habitavam as terras nacionais, que culminou com a revolta conhecida como Confederação dos Tamoios; a formação dos quilombos como forma de resistência a um processo de escravidão; [...] todas são exemplos desta disputa histórica. 


12 - Com a “Independência” do Brasil e a extinção do regime de sesmarias, os sítios de pequenos produtores vinham se expandindo rapidamente[1] frente à ausência de outra legislação que regulasse a posse das terras devolutas (SILVA, José Graziano da, 1983, p. 24).


13 - A venda das terras devolutas cumpria, ainda, a função de fornecer verba governamental para que fossem trazidos os colonos da Europa. O objetivo era viabilizar a substituição da mão-de-obra escrava por “homens livres”. Facilmente se deduz que “libertar” a mão-de-obra implicou “aprisionar” a terra ao regime de compra e venda, o que logrou impedir que imigrantes europeus simplesmente ocupassem terras “livres” para prover seu sustento em vez de trabalharem nas fazendas dos grandes latifundiários.


14 - Estamos falando da confusão fundiária que permite a particulares se apropriarem de terras públicas no final do século XX, no Estado de São Paulo e mesmo nos arredores da Região Metropolitana de São Paulo. Su­perposição de propriedades, desapropriações da mesma área mais de uma vez, terras desapropriadas por valores equivalentes a 20 vezes o valor de mercado, são casos que abundam na região mais desenvolvida e mais capitalista do país. (MARICATO, 2007, p. 177)


15 - Eduardo Galeano sobre a lei: Esta lei “foi reforçada e ratificada, desde então, por uma copiosíssima legislação, que estabelecia a compra como única forma de acesso à terra e criava um sistema cartorial de registro que tornava quase impraticável que um lavrador pudesse legalizar sua posse...


16 - Quilombolas: Com a instituição da Lei de Terras em 1850, grileiros, posseiros e supostos donos de terras buscaram obter ou regularizar títulos de propriedade sem levar em conta os direitos de comunidades que historicamente ocupavam seus territórios. Nesse processo, muitas comunidades sofreram graves processos de expropriação.


17 - Objetivos da lei: 1) proibir a aquisição de terras que não se desse por meio da compra, extinguindo, portanto, o regime de posses; 2) aumentar o preço da terra e dificultar a sua obtenção por parte dos trabalhadores rurais, visando a impedir a redução da oferta de força de trabalho na agricultura e, consequentemente, a elevação dos salários; 3) os recursos obtidos com a venda das terras seriam destinados ao financiamento da imigração de trabalhadores, com a finalidade de ampliar a oferta de força de trabalho e impedir que os salários se elevassem.


18 - Lei e pequenos posseiros: Teria a Lei de 1850, para o efeito de proteger o posseiro, vindo depois de vitoriosa a reação latifundiária, sem reconhecer a silenciosa revolução que ocorria nos ermos, subitamente revelados à economia. "Em que pese as boas intenções, essa legislação veio tarde demais. Não obstante a resistência encarniçada e, às vezes, altiva dos, pequenos posseiros, estes não podiam sustentar por muito tempo a luta com poderosos adversários possuindo relações no Rio de Janeiro, recursos abundantes para pagar advogados, e os lazeres necessários para fazerem viagens à sede do município. Conquanto subsistissem ainda grande número de pequenos posseiros, de 1830 a 1850 e mesmo mais tarde, tornou-se sua posição gradativamente subalterna, na medida em que a riqueza do município se concentrava nas mãos dos proprietários da grande lavoura. Prensados entre as grandes fazendas, dedicaram os pequenos sitiantes suas atividades à produção de mantimentos. (...) Dessa luta, a vitória coube aos senhores das sesmarias, definindo a cultura do café como empresa da grande propriedade, que a escravidão acentuou, impedindo a cultura pessoal do pequeno proprietário, por suas mãos. (...) A Lei de 1850 não lograra, inspirada pelo povoamento e colonização, compensar, pela pequena propriedade, o rumo expansionista do latifúndio. Reforçara, contudo, à margem das sesmarias, algumas posses, voltadas à grande extensão.

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