João Bernardo - Os Náufragos (Anticomunismo e Esquerda Esgotada)

 Os Náufragos (Anticomunismo e Esquerda Esgotada):

273 - O artigo começa contando a história da deportação pro Canadá em navios britânicos de inúmeros (cerca de 1.200) alemães, austríacos e italianos. O governo britânico assim o quis e foram acertados, no percurso, por um submarino germânico, tendo morrido inclusive diversos combatentes antifascistas!

274 - Primeiro pegaram os suspeitos… "O critério foi ampliado, e em Maio de 1940 ordenou-se o internamento em campos de concentração de todos os adultos de sexo masculino originários da Alemanha e da Áustria e residentes no sudeste e no leste da Grã-Bretanha, uma medida que em Junho, com a entrada da Itália na guerra, passou a aplicar-se igualmente aos italianos. Entretanto, o ministro do Interior determinou que as autoridades detivessem em toda a ilha pessoas originárias dos países inimigos, mesmo que sobre elas não pesasse qualquer suspeita especial." Pegaram mais de 27 mil. Uns 7.500 foram deportados para o Canadá.

275 - O “estranho” é que os fascistas - mesmo os apologistas de Hitler - britânicos continuaram em liberdade. Só depois desse acirramento aí, maio de 1940, resolveram prender também esses dirigentes.

276 - A deportação foi uma boa desculpa para neutralizar os perigos de uma subversão interna durante a guerra.

277 - Por fim, as autoridades britânicas libertaram gradualmente os estrangeiros detidos, poucos restando no final da guerra. Mas é verdade que então a participação da União Soviética no conflito ao lado dos Aliados, a partir de Junho de 1941, e a dissolução da Internacional Comunista em Maio de 1943 pareciam oferecer garantias suficientes de que o conflito entre imperialismos não seria transformado numa revolução de classe.

278 - Antes de tudo isso já havia um campo de concentração na França para os libertários que fugiram de Franco nos últimos momentos da república espanhola.

279 - Logo nos primeiros dias de Setembro de 1939, quando declarou guerra ao Reich, o governo francês confinou em estádios − os militares de Pinochet não inventaram nada − e depois em campos de detenção não só os estrangeiros suspeitos, mas igualmente os antifascistas alemães, italianos e da Europa central, mesmo oriundos de países então neutrais, como era o caso do húngaro Koestler, que haviam julgado encontrar na velha democracia uma garantia de liberdade. Ernst von Salomon recordou o caso de um literato judeu alemão que sofreu a mesma sorte, apesar de o seu filho servir no exército francês.

280 - Horror e democracia. Nessa época o órgão oficial do Partido Nacional-Socialista publicou uma lista de escritores antinazis que as autoridades francesas haviam mandado internar em campos de concentração, perguntando no fim, com um pesado sarcasmo, se eles continuariam convencidos das benesses da democracia. A resposta estava dada já, na inscrição que um refugiado espanhol gravara na cruz erguida sobre a sepultura de um camarada seu em Le Vernet. «Adios, Pedro. Os fascistas queriam queimar-te vivo mas os franceses deixaram-te morrer de frio em paz. Pues viva la democracia».

281 - Parte do exército francês parecia preferir a vitória do Reich a fim de evitar o perigo revolucionário.

282 - Foram estes os náufragos, que haviam lutado em vários países e tentado salvar-se atravessando as fronteiras, odiados pelos fascistas por serem comunistas, odiados pelos nazis por serem judeus − já que, para eles, judeus e comunistas, comunistas e judeus, era tudo a mesma coisa − odiados pelas democracias por serem anticapitalistas. Foram eles, os refugiados antifascistas, as primeiras vítimas do conflito militar entre as democracias e os fascismos. Mas por que não procuraram abrigar-se na União Soviética? Não seria esse o lugar natural de exílio dos comunistas e dos antifascistas? Teriam os náufragos perecido só por estarem do lado errado da geografia?

283 - Lá também se era partidário da obediência passiva. Segundo um refugiado (Valentín González) espanhol, dos 6.000 que foram pra lá, mal tinham sobrevivido 1.200, declarou sobre os campos de concentração que os aguardavam. Valentín González foi chefe comunista na guerra civil espanhola. Escapou duas vezes dos campos de concentração soviéticos (foi mandado por discordar da linha oficial do partido). Na primeira, as autoridades britânicas devolveram-no. Na segunda, enfim conseguiu.

284 - A URSS, por sinal, entregou vários comunistas alemães e austríacos aos nazistas em 1940. Subversivo tinha que morrer, digamos.

285 - Milhares - quase milhão - de polacos que fugiram de Hitler tornaram-se prisioneiros na URSS até esta assinar, em 1941, um acordo com o primeiro-ministro polaco exilado. “As detenções maciças de refugiados revelam que os dirigentes soviéticos queriam, por um lado, evitar que a população russa tomasse contacto com pessoas que tinham conhecido outros sistemas políticos e outras formas de vida e cujas mentalidades não haviam sido formadas pela propaganda staliniana; e, por outro lado, temiam a presença de exilados políticos que haviam dado mostras de coragem e de determinação e estavam ligados entre si por redes organizacionais independentes do monolitismo soviético. Quem soube lutar contra uns saberá lutar contra outros, foi este o pensamento que presidiu em todos os casos à atitude tomada para com os refugiados.”

286 - Do campo dos nazis para as gulags de Stálin. Esse foi o destino inclusive de militares soviéticos que combateram os nazis! Pelo mesmo motivo acima. A alegação oficial era de que não combateram com coragem, deixando-se capturar - o que era uma evidente mentira em muitos casos.

287 - As “democracias” também não queriam os refugiados judeus. Os planos iam de mandar para o Alaska a colocar nas colônias.

288 - A situação repetiu-se em 1940, quando um navio português carregado com cerca de 80 judeus fugitivos do Reich se viu recambiado dos portos mexicanos mas conseguiu que a maior parte dos passageiros desembarcasse nos Estados Unidos. Isto só serviu para endurecer mais ainda as posições do Departamento de Estado, a ponto de nos meados de 1941 o alto funcionário que então superintendia estes assuntos, confesso admirador de Hitler e de Mussolini e obcecado com o perigo de uma conspiração judaico-comunista, se gabar de ter estancado definitivamente a entrada de refugiados. Com efeito, enquanto a guerra durou os consulados norte-americanos concederam um número de vistos inferior ao que a lei lhes permitia.

289 - Entre novembro de 1941 a junho de 1942, chegavam cada vez mais informações sobre extermínio de judeus. Era a solução final hitleriana.

290 - Ao saberem disso, passaram a fingir que faziam algo. “Só em Dezembro de 1942 os Aliados procederam a uma declaração conjunta acerca da «política alemã de extermínio da raça judaica», e de então em diante tanto o governo dos Estados Unidos como o do Reino Unido se esforçaram por subestimar o problema e por adiar qualquer tipo de solução, recusando-se a dar fundos e a fornecer meios de transporte para salvar os judeus. Em Abril de 1943 a conferência anglo-americana das Bermudas, convocada especialmente para discutir as questões suscitadas por este genocídio, absteve-se de propor qualquer iniciativa eficaz. Finalmente, em Janeiro do ano seguinte o governo dos Estados Unidos criou o War Refugee Board, Comissão para os Refugiados de Guerra, mas perante a dimensão da tarefa os resultados obtidos foram insignificantes. «Na realidade», afirma uma equipa de eruditos, «tanto os britânicos como os americanos, depois de terem organizado a conferência das Bermudas […], opuseram-se a quaisquer planos de salvamento maciço dos judeus da Europa ocupada».

291 - Pouco depois, um plano do Ministério dos Negócios Estrangeiros do Reich, que encarava a possibilidade de trocar 5.000 crianças judias eslavas pelos alemães detidos em território britânico, foi recusado pelo governo de Londres com o argumento de que não havia equivalência entre as duas situações porque as crianças não possuíam a cidadania britânica.

292 - A Alemanha, desesperada em 1944, queria trocar um milhão de judeus por recursos contra a URSS (10 mil caminhões etc.). Um político britânico chegou a perguntar o que faria com esse contingente de judeus? Obviamente, não vingou a proposta.

293 - Os poucos que ainda sonhavam com revolução antinazi trataram de ser desmobilizados assim que soviéticos e Aliados entraram na Alemanha. Bairros comunistas de Berlim chegaram a sonhar com uma libertação total, logo descartada pelos soviéticos.

294 - As utopias não morreram no pós-guerra, foram deliberada e sabiamente assassinadas. O esgotamento ideológico da esquerda e da extrema-esquerda naquela época não se pode explicar se esquecermos o destino dessas centenas de milhares de náufragos. Depois, foi necessário reconstruir tudo de novo.

Comentários