João Bernardo - A Legitimidade Democrática do Fascismo - Parte III

(continuação)

.

134 - Coloca a “coincidência” de período entre a assimilação pela consciência democrática europeia da “convicção da inferioridade biológica dos povos de pele escura” e o necessário processo de implantação de práticas capitalistas - trabalhado assalariado - na África durante a segunda metade do século XIX. “E a obtenção de trabalhadores para as minas e plantações conseguiu-se com um misto de pressões económicas e fiscais permanentes, de enquadramento administrativo e de violência pura, resultando numa peculiar conjugação de assalariamento e trabalho forçado.” Antes só queriam comprar escravos, mas não se metiam no modo de produção.

135 - Esse processo na África levou ao fortalecimento da noção de “geopolítica”, que procurava explicar toda aquela dominação com base na superioridade racial. “Nascida nas instituições universitárias e administrativas das democracias e aí desenvolvida, nomeadamente na Grã-Bretanha pela acção de Halford Mackinder, membro da ala mais imperialista do Partido Conservador e que, ao serviço do seu governo, desempenhou em 1919 um importante papel na guerra civil russa como conselheiro político das forças brancas, a geopolítica iria contribuir para a formação do pensamento de Hitler.” Havia Hess, segundão do partido nazi por um bom tempo, que tinha como professor e amigo o general-geógrafo Haushofer.

136 - A eugenia de Galton também ajudou Hitler profundamente. Não só a cultura europeia, mas a elite da classe dominante também era superior. Os descendentes das famílias herdariam as qualidades dos pais. Acasalamentos a aperfeiçoar a raça eram uma “necessidade”, portanto.

137 - Darwin e o seu quase flerte com “soluções finais” - a negava por razões de “é assim mesmo”: "Entre os selvagens," escreveu ele na sua grande obra sobre a evolução humana, "rapidamente são eliminados os indivíduos física ou mentalmente fracos; e os sobreviventes demonstram geralmente uma saúde vigorosa. Nós, os civilizados, pelo contrário, fazemos todo o possível por travar o processo de eliminação; construímos hospícios para os atrasados mentais, os aleijados e os doentes; promulgamos leis de auxílio aos pobres; e os nossos médicos empenham-se com toda a habilidade em salvar a vida de cada um até ao último momento. [...] Assim se propagam os membros fracos das sociedades civilizadas. Ninguém que tenha participado na criação de animais domésticos pode duvidar de que isto é forçosamente muito prejudicial à raça humana.

138 - Darwin errou até sobre a demografia, pois a taxa de fecundida em verdade é menor nas “classes abastadas”. Não sei naquela época. Porém ele já via contra-tendências.

139 - Darwin reconhecia o caráter genocida das intervenções “civilizatórias”, mas as elogiava. Não negava o papel das campanhas militares, das doenças, no forçamento a um modo de produção e etc.

140 - “Na sequência da acção de Galton, as Sociedades de Eugenia proliferaram nos meios universitários das democracias europeias e norte-americana, empenhando-se mais profundamente ainda do que o fundador no programa racista. E o racismo recebeu a consagração oficial no direito internacional das democracias quando a Sociedade das Nações, fundada em 1919 por iniciativa das potências vencedoras na primeira grande guerra, se recusou a introduzir nos seus estatutos uma cláusula de igualdade racial, proposta pelo Japão e pela China.”

141 - Os Estados Unidos em 1924 aprovou uma lei estabelecendo quotas de imigração para controlar a estrutura étnica da população. Ademais, começaram a promover esterilizações de algumas categorias de doentes mentais, “criminosos” ou “pervertidos”. Ou seja, no contexto das “democracias”, tudo era algo mais sutil que as “soluções hitlerianas”.

142 - É bem conhecido o horror dos campos de concentração nazis, mas os democratas cobrem com um espesso silêncio a transformação de vastíssimos territórios colonizados em puros campos de concentração.

143 - Crueldade, punição física e constante humilhação social e psicológica puderam converter, no espaço de uma geração, populações por vezes até arrogantes em massa submissa. Eu colocaria aspas nesse submissa aí, pois as guerras de libertação viriam décadas mais tarde.

144 - Para que a vida se processasse nos termos requeridos pelo colonialismo era indispensável desagregar os sistemas sociais existentes e a tarefa não foi entregue à livre iniciativa dos colonos. Foi planeada e superiormente dirigida pelas classes dominantes nas metrópoles democráticas. Tratava-se de deixar esses povos sem qualquer compreensão do presente, de modo a serem roubados do futuro. Deixá-los desprovidos de passado foi o verniz ideológico deste programa e para isso os universitários recusaram a dignidade da História a todas as histórias que não tivessem conduzido à civilização europeia e negaram a igualdade biológica dos povos que sustentavam culturas diferentes. Seria impossível fazer aqui o catálogo das crueldades praticadas nas colónias pelas democracias.

145 - No fim ainda tem um memorando escrotíssimo (circulação restrita) de Lawrence Summers sobre a vantagem “técnica-racional-econômica-sei-lá” de mandar o lixo dos “desenvolvidos” para os “subdesenvolvidos”. Indústrias poluentes, lixo tóxico… Etc. Não se trata de maldade.

Comentários