Econ - André Lara Resende - O equívoco dos juros altos
André Lara Resende - O equívoco dos juros altos:
115 - Terceiro conceito para taxa de juros (além da real e nominal) é a EMK. Já o terceiro conceito, a taxa própria de retorno do capital ("the own rate of interest of capital"), é um conceito abstrato definido como o rendimento real do capital investido. Para aumentar a confusão, é chamado de "a eficiência marginal do capital por Keynes" e de "a taxa de retorno do capital sobre o custo por Irving Fisher". Não entendi porque isso seria uma “taxa de juros”.
116 - Wicksell e a Taxa Natural de Juros já no século XIX. Demanda e oferta agregadas seriam funções da taxa de juros, e a taxa de equilíbrio, aquela que manteria estável o nível geral de preços, seria a Taxa Natural de Juros (TNJ). A partir dos anos 90, quando finalmente se reconheceu que os bancos centrais não controlam a moeda, mas sim a taxa básica de juros, a macroeconomia e a política monetária foram reformuladas na direção sugerida por Wicksell. A TNJ de Wicksell não é uma taxa observável, mas uma taxa teórica que neutraliza as pressões sobre o nível de preços.
117 - A teoria econômica é em grande parte culpada por essa confusão, pois no modelo canônico de equilíbrio geral, o modelo de Walras-Arrow-Debreu (WAD), que é a referência lógica da disciplina, todos esses conceitos se confundem numa única taxa de juros. O “Modelo de equilíbrio real”.
118 - A taxa financeira básica de juros da economia é a taxa cobrada ou paga pelo Banco Central nas reservas bancárias. Os bancos comerciais têm conta de reservas no Banco Central, onde devem manter um nível mínimo compulsório, essencialmente calculado com base nos seus respectivos depósitos do público. Bancos que têm excesso de reservas estão acima do compulsório, podem vender reservas no mercado interbancário para os que têm insuficiência de reservas e estão abaixo do compulsório, mas o sistema bancário como um todo não tem como criar ou destruir reservas. (...) . Para fornecer reservas quando o sistema bancário está abaixo do compulsório, o Banco Central cobra a taxa básica de juros. Da mesma forma, o Banco Central absorve o excesso de reservas do sistema, pelo qual ele paga a mesma taxa básica de juros.
119 - No Brasil, esse ajuste diário das reservas bancárias é feito através de operações de compra e venda com recompra de títulos da dívida pública. Nessas operações, chamadas de "compromissadas", o Banco Central toma ou fornece reservas ao sistema bancário, à taxa básica, utilizando títulos públicos como lastro. Para absorver o excesso de reservas, o Banco Central precisa ter em carteira títulos públicos.
120 - Crise de 2008: O que ocorreu desde então - juros básicos próximos de zero por mais de dez anos, base monetária multiplicada por fatores superior a dez e os passivos dos Bancos Centrais chegando a 75% do PIB, como no caso dos EUA, sem que a inflação mostrasse qualquer sinal de aceleração - demonstrou de forma clara e cabal que a teoria monetária não correspondia à realidade.
121 - Regra de Taylor: dita em que condições a taxa de juros deve ser elevada ou reduzida, mas nada tem a dizer sobre o nível da taxa de juros.
122 - … Supõe-se, inspirado pelo modelo de equilíbrio geral de WAD, que a mesma taxa que mantém a inflação estável dentro das metas coincida com a taxa que equilibra os mercados a pleno emprego. Dito de outra forma: que a taxa natural de Wicksell determine uma taxa financeira real de juros, que coincida com a taxa própria de retorno do capital, a EMK de Keynes.
123 - Lara Resende concorda apenas parcialmente com Wicksell, já que este reconhecia a ausência de âncora para um nível geral de preços (muito menos que essa âncora seria a quantidade de moeda): A ideia de que não exista uma âncora real para o nível de preços, de que a inflação seja exclusivamente uma questão de expectativas, não ocorreu a Wicksell.
124 - Controlando a inflação: Como são as expectativas da maioria que irão determinar a taxa de inflação, é mais importante saber o que pensa a maioria do que ter uma opinião própria fundamentada. Keynes, com sua habitual perspicácia, fez uma analogia entre situações como essas e os concursos de beleza, onde para acertar o vencedor é mais importante saber quem a maioria acha bonito, do que quem você realmente acha o mais bonito. (...) Alguns preços relevantes, como a taxa de câmbio, os salários e os preços dos combustíveis, funcionam como sinalizadores das expectativas coletivas.
125 - Os juros altos aumentam o serviço da dívida e desestimulam o investimento.
126 - Argumento do qual ele discorda: Os juros são o que são e nas condições prevalecentes, não haveria como baixá-los. Estão altos porque os investidores exigem taxas altas para refinanciar uma dívida alta de um governo altamente deficitário.
127 - Um Estado que emite a sua própria moeda fiduciária só irá deixar de servir a sua dívida se essa for uma opção política, nunca por incapacidade financeira. Pela mesma razão, numa eventual crise de iliquidez, o Banco Central, como agente emissor do Estado, será sempre capaz de recomprar ou de refinanciar os títulos em poder do mercado. Não existem riscos de crédito nem de iliquidez associados a títulos da dívida pública de um Estado emissor de sua moeda fiduciária.
128 - Quase 25% da dívida é efetivamente financiada através de "operações compromissadas", que são reservas bancárias tomadas do mercado a curtíssimo prazo pelo Banco Central, com lastro em títulos do Tesouro que ele mantém em sua carteira.
129 - A moeda fiduciária é dívida pública. Embora não emitida pelo Tesouro, mas pelo Banco Central, a moeda é dívida pública, pois o Banco Central é uma agência do Estado. O fato de não pagar juros não faz a moeda deixar de ser dívida do Estado, assim como títulos públicos emitidos com juros zero, ou mesmo negativos, como já foram emitidos recentemente pela Suíça e pelo Japão, não os transformam em moeda.
130 - O que a experiência histórica demonstra, sem sombra de dúvida e mais uma vez confirmado na crise de 2008, é que a iliquidez, sobretudo quando provocada pela súbita contração de crédito diante de uma reversão das expectativas, é profundamente desorganizadora da economia.
131 - Tanto a insuficiência quanto o excesso de liquidez são resultantes de fatores institucionais e psicológicos do mercado financeiro, não do preço da liquidez primária, das reservas bancárias, determinado pela taxa básica de juros.
132 - Ciclo vicioso da taxa de juros: Como a taxa de crescimento da economia a longo prazo é função do investimento, que é determinado pela taxa de retorno do capital, ao se fixar a taxa financeira acima da EMK, garante-se que a relação entre a dívida e o PIB será crescente, na ausência de sustentados superávits fiscais primários.
133 - A reponsabilidade primordial do Banco Central, num país onde a moeda é fiduciária, é garantir a oferta de liquidez a uma taxa de juros inferior à EMK. Ao longo da história, enquanto prevaleceu a moeda metálica, prevaleceu uma iliquidez crônica. Com o desenvolvimento do sistema financeiro e do crédito bancário, a liquidez crônica foi superada, mas os surtos de pânico e as corridas bancárias continuaram a provocar graves crises de iliquidez.
134 - Depois da crise de 2008, os Bancos Centrais compreenderam que, numa situação de reversão das expectativas do mercado de crédito, baixar a taxa de juros não seria suficiente para evitar a crise de liquidez. Criaram então novas formas de emissão primária de liquidez, através da compra de grandes volumes de títulos, tanto públicos como privados, para compensar a contração do crédito bancário. Compreenderam também que, durante o período de euforia, a alta taxa de juros não é suficiente para evitar a expansão excessiva do crédito bancário e a formação de bolhas especulativas.
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