Econ - A política fiscal do primeiro governo Dilma Rousseff, ortodoxia e retrocesso II

 (continuação...)

49 - As despesas com previdência e assistência social cresceram quase continuamente no período, passando de 8,1% do PIB no triênio 2004-06 para 9,4% no período 2011-14, chegando a 10,0% em 2014. Fatores que explicam tal expansão: a política de aumento real do salário mínimo, o qual serve de piso aos benefícios; o crescimento do número de beneficiários, que decorreu da forte expansão do emprego formal; e, a extensão das políticas de combate à pobreza a um maior número de famílias (Fagnani; Vaz, 2013). (Não seria o caso de adicionar o próprio aumento de inativos para ativos como quarto fator)?

50 - As despesas financeiras do governo central mostraram relativa estabilidade na gestão Dilma Rousseff, em torno de uma média de 4,1% do PIB, pouco superior à média do segundo Governo Lula.

51 - Estudos como os de Orair (2012) e Santos e Costa (2008) identificam outras especificidades das mudanças na carga tributária agregada a partir de 2004. Nesse período ocorreram desonerações tributárias, que se ampliaram ainda mais no governo de Dilma Rousseff, mas, simultaneamente, houve elevação da carga tributária bruta. Para os autores, esse aumento esteve relacionado com a ampliação da renda do trabalho e dos lucros, bases de incidência de impostos e contribuições sociais, que cresceram mais rapidamente do que o PIB. (...) Sem dúvida, a forte expansão da formalização do mercado de trabalho que ocorre a partir de 2004 e se mantém no período 2011-2014, embora em ritmo menor nos dois últimos anos, ampliou as receitas tributárias que incidem sobre a renda do trabalho.

52 - A regressividade do sistema tributário, portanto, se aprofundou. Segundo Orair (2012), do aumento de 3,5 p.p. na carga tributária total nos anos 2004-12, de grande dinamismo do mercado de trabalho, 2,6 p.p. (74%) se deram em tributos que incidem sobre a renda do trabalho e apenas 0,9 p.p. (26%) nos impostos sobre o lucro.

53 - Como mostra Gentil e Araújo (2015), a principal receita da previdência, a Contribuição Social ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), cresceu a uma taxa média de 8,4% ao ano entre 2004-13, e, no período 2011-2013, à taxa média anual de 6,8%, acompanhando o crescimento do emprego formal e do valor médio dos salários. Esta tendência reforça a tese de que o sistema de proteção social brasileiro é financiado pelos próprios beneficiários, anulando parcialmente os efeitos redistributivos da política fiscal.

54 - Assim, o peso relativo dos impostos é maior para as famílias de renda mais baixa, que têm maior propensão a consumir.

55 - Desonerações de Dilma: Sem a pretensão de esgotá-las, pode-se citar: a) as destinadas a elevar a renda disponível das camadas de renda média e baixa, como as da tabela do Imposto de Renda e do Simples e a alíquota zero do PIS/Pasep e Cofins de alguns produtos da cesta básica; b) a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para máquinas e equipamentos de setores selecionados, visando reduzir o custo do capital produtivo; c) desonerações do IPI, voltadas para o aumento da competitividade das empresas nacionais, como as do regime automotivo, assim como os incentivos à indústria de eletrodomésticos e à indústria da construção civil, via redução da tributação sobre o material de construção; e, d) a desoneração da folha de pagamentos, esta provavelmente a de mais longo alcance, que atingiu vários setores produtivos e de serviços.

56 - O resultado dessa estratégia foram patamares cada vez mais elevados de renúncia de receita tributária entre 2004 e 2014. Segundo estimativas da Receita Federal9, em 2004, a renúncia fiscal do governo central foi de R$ 24,2 bilhões em 2004, equivalentes a 1,4% do PIB. No Primeiro Governo Dilma Rousseff o processo avança continuamente: segundo a mesma fonte, essa renúncia alcançou R$ 181,3 bilhões em 2011, R$ 268,1 bilhões em 2013 e cerca de R$ 250 bilhões em 2014 – algo equivalente a 4,5% do PIB e três vezes o orçamento da saúde neste último ano.

57 - A política fiscal é expansiva, portanto, nas seguintes medidas: a) quanto maior o nível do gasto público total; b) quanto maior a propensão a consumir dos grupos beneficiários do gasto público; c) quanto menor a carga tributária; d) quanto menor a propensão da economia a importar; e) quanto maior o grau de confiança (ou otimismo) reinante na economia; f) quanto menores as taxas de juros vigentes no mercado doméstico de ativos.

58 - Sinalização do investimento público: Para tanto, além da própria magnitude do gasto público, importa a sinalização que a política de gastos transmite às empresas, quanto ao comportamento da demanda agregada no futuro. Neste aspecto, a previsibilidade dos programas de investimento público é essencial, devendo-se evitar um comportamento errático desses gastos.

59 - Política fiscal de Dilma: a) ampliou os gastos com custeio do governo central, mas não de forma suficientemente anticíclica, para compensar a maior desaceleração verificada nos gastos de consumo dos Estados e Municípios e, assim, evitar a uma importante desaceleração do consumo do setor público consolidado; b) cresceu a taxas muito menores que as registradas nos anos 2006-2010, justamente no período de maior necessidade de uma política anticíclica; c) concentrou a política de gastos na expansão das transferências de assistência e previdência social, embora a taxas decrescentes, contingenciando as despesas relativas à provisão de serviços públicos universais não mercantilizados (inclusive saúde e educação); d) desonerações tributárias selecionadas, mas em larga escala (critica); e) ampliou a regressividade tributária. Enfim, uma política confusa.

60 - A essa estratégia fiscal conservadora somou-se o já tradicional conservadorismo da política monetária no Brasil. Este, embora temporariamente atenuado (entre o último trimestre de 2011 e o primeiro de 2013), contribuiu para manter a despesa financeira do governo federal em níveis elevados durante toda a Primeiro gestão da Presidente Dilma, chegando a ampliá-la nos dois últimos anos.

61 - Principais problemas gerais: a) limitou o efeito multiplicador do gasto, por conta do aumento da carga tributária, aliado ao aprofundamento do grau de regressividade de sua distribuição entre salários e lucros; b) restringiu o ECI, tanto pela baixa magnitude do investimento público, quanto pelo efeito de sinalização, prejudicado pelo comportamento errático desse gasto, que se reproduziu no investimento agregado (este registrou taxas de crescimento significativas em 2011 e 2013 e taxas negativas em 2012 e 2014); c) favoreceu o ECO, diante do ambiente de restrição de liquidez gerado pela política de juros reais elevados que predominou principalmente na segunda metade do Governo Dilma.

62 - É importante destacar que o período 2011-2014 marca uma fase de agravamento da crise internacional na Zona do Euro. De 2010 a 2013, a média de crescimento mundial diminuiu a cada ano, tendo sido, respectivamente, de 5,2%; 3,9%; 3,2% e 2,9% (FMI, 2015). O baixo dinamismo da economia mundial nesse período, inevitavelmente enfraqueceria a economia doméstica, recomendando uma política fiscal mais expansiva, de modo a contornar a desaceleração econômica ditada pelo cenário externo.

63 - Apesar da desoneração da carga tributária, o investimento privado não reagiu favoravelmente, exposto que esteve a muitas influências adversas, como às expectativas de continuidade da tendência de contração da demanda externa, à contínua perda de competitividade da produção nacional, à desaceleração do consumo das famílias, às limitações dos investimentos públicos em infraestrutura produtiva, à alta das tarifas de serviços públicos e às instabilidades na taxa de câmbio e juros.

64 - No período 2011-2014, as importações cresceram, em média, a taxas superiores às de expansão do PIB, bem como da FBCF e do consumo das famílias e do governo. Diante disso, boa parte do esforço fiscal expansivo do Governo Dilma Rousseff alimentou a demanda externa, reduzindo seu efeito líquido sobre a economia doméstica.

65 - Por fim, faz o diagnóstico de que a confusão da política fiscal (e mesmo monetária, acrescento) de Dilma veio da necessidade de conciliar metas de superávit primário (ainda que flexibilizado/relativizado) e uma política anticíclica.

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