Marxistas - Textos Diversos LXXXIX - Iluminismo e Marxismo, a Questão Ontológica (Lessa)


Sérgio Lessa - Iluminismo e Marxismo, a Questão Ontológica:

1496 - É uma palestra também. Abstrata pra caramba, mas interessante.

1497 - Na Idade Média, continuou-se a defender que o ser era a essência e o fenômeno algo secundário e/ou derivado. Isso tinha a ver com a defesa do dogma de que Jesus Cristo seria a encarnação terrena, temporal, portanto fenomênica, da essência divina.

1498 - … A defesa da incapacidade de o homem entender os desígnios divinos também justificavam essa separação entre essência e fenômeno (este é o “visto pelos homens”)

1499 - … A essência humana seria decorrente e secundária em relação à essência divina. (Pelo que entendi, não seria sequer exatamente uma essência, já que Santo Agostinho trata tudo como “dois mundo separados”, digamos. Só pela bondade de Deus é que chegaria algo a nós)

1500 - … O pecado era coisa da esfera fenomênica. Era falta da substância essencial. (Ainda Santo Agostinho aqui)

1501 - Diferença do tomismo: Se, no primeiro caso, há a afirmação de um rígida antinomia ontológica entre o divino e o humano, no segundo há o reconhecimento de que há algo de divino na limitada e pecaminosa existência terrena, pois o ser da essência humana reside em Deus. É evidente a valorização do terreno e da imediaticidade da existência fenomênica em São Tomás se comparado a Santo Agostinho. (...) Claro que, para São Tomás, a via privilegiada de acesso à Deus continuava a ser as Sagradas Escrituras, os milagres e a Igreja. O conhecimento da natureza seria apenas uma via secundária e menos nobre; por isso, toda vez que a investigação da natureza produzisse um conhecimento contraditório aos dogmas cristãos, esse conhecimento deve ser abandonado como fruto do demoníaco que há tanto na natureza como nos próprios homens. Entre o conhecimento empírico e a interpretação da Bíblia, cabe à última sempre a primazia; pois seria ela a mediação privilegiada entre Deus e os homens. No contexto de tal concepção de mundo, a história dos homens poderia ser tudo menos obra dos próprios homens.

1502 - Na Idade Média, o “porquê” das coisas era monopólio da Igreja. O resto era explicar o “como” as coisas são (como são).

1503 - Em Descartes, em que pese ele não poder negar Deus, o intelecto humano ao menos aparece já em si mesmo e não como existência degradada da substância divina. Há um distanciamento grande da Escolástica, portanto.

1504 - Na Idade Moderna, sai o “divino” e entra a “natureza” na essência dos homens, esta, porém, continua a-histórica.

1505 - Voltaire coloca que as paixões e egoísmos inerentes ao homem podem, após a instrução, ser coisas boas. Deus em Voltaire é apenas o fiador da estabilidade do Universo e criador de uma natureza útil ao homem.

1506 - Rousseau foi quem mais desenvolveu a tese da soberania popular. Porém, colocava o legislador como o representante desta, o que não deixa de ser conservador, afirma Sergio Lessa.

1507 - Coloca na conta do Iluminismo a ideia de “homem = proprietário privado”, embora estabeleça que Locke é quem o diz com todas as letras.

1508 - Em Hegel, o ser é a aparência (e não mais a negação ou seu antípoda, como fazia a Escolástica, separando tudo rigidamente) da essência, sejam lá as implicações práticas disso. Em outras palavras, a essência passa a trespassar no fenômeno.

1509 - … “Ao atingir o Absoluto, a essência se identifica a si mesma, desaparecendo assim a necessidade de mediação do fenômeno para a afirmação do Espírito.”, explica Sérgio Lessa.

1510 - Os atos humanos continuam sendo mediações para a afirmação do Absoluto. Ou seja, os homens continuam a não fazer sua história.

1511 - Em Marx, o trabalho é a condição natural eterna da vida humana. Porém, tal determinação essencial do mundo dos homens não é a ele anterior. Nem posterior. É concomitante.

1512 - Já em Hegel: “A anterioridade da essência, enquanto causa ontológica, é determinada pelo axioma da maior concentração de ser nela que na esfera fenomênica. O ser do fenômeno é decorrente do ser da essência, por isso esta deve ser anterior àquele, necessariamente.”

1513 - Essência e fenômeno são, para Marx, distintos níveis reais da processualidade imanente de todo e qualquer ente. O ser é uma síntese das duas esferas. A essência humana vira algo “radicalmente social e histórico”. Ou, em outras palavras, como produto exclusivo da ação dos indivíduos humanos concretos, historicamente determinados, com todas as mediações sociais (como classes sociais, complexos sociais como a fala, o direito, a arte, o capital, etc.)

1514 - Lukács observa que a interação entre fenômeno e essência é bastante superior no mundo dos homens, devido aos atos teleológicos, que no mundo da natureza.

1515 - Para sermos breves, a historicidade da essência requer, de algum modo, que a esfera fenomênica exerça algum papel no desdobramento da essência, ao lado da já reconhecida determinação da essência sobre o fenômeno.

1516 - Em Lukács, a essência dá um conjunto de possibilidades históricas que podem se efetivar ou não. Não há uma determinação necessária dos fenômenos. A essência dá “campos livres” aos fenômenos.

1517 - … A distinção entre as determinações fenomênicas e as essênciais é dada pela peculiar relação de cada uma delas com a totalidade do processo em questão. Por ser um processo, este exibe um inequívoco caráter de unitariedade última, fundado pela suas determinações essenciais. Contudo, exatamente por ser um processo, é composto por distintos momentos que se sucedem no tempo; e a particularização dos momentos, tornando-os singularidades que jamais se repetirão na história, é dada pelas determinações fenomênicas. Nesta interação, as mediações que promovem esta particularização consubstanciam a esfera fenomênica; e estas mediações, por sua vez, são atualização das potencialidades inscritas no campo de possibilidades que consubstancia a essência. Nesta exata medida e sentido, na determinação reflexiva que articula essência e fenômeno, cabe à primeira o momento predominante.

1518 - O real vira síntese das múltiplas determinações essenciais e fenomênicas.

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