João Bernardo - Algumas Reflexões Acerca do Livro Democracia Totalitária
Algumas Reflexões
Acerca do Livro Democracia Totalitária:
57 – Texto de 2005. São reflexões sobre o próprio livro do autor.
Servem quase como um resumo.
58 - Afirma que a obra do trotskista Mario Pedrosa, a Opção
Imperialista (1966), é uma das melhores análises do imperialismo na segunda
metade do século XX.
59 - Pedrosa: "Onde a
liberdade individual é subjugada? No sector mais importante da vida moderna, no
local de trabalho, na oficina, na fábrica, na empresa. Como é possível reinar
aí a autocracia e a liberdade em outras partes?" Assim, uns aprendem a cidadania "obedecendo sem replicar" e
outros "mandando sem ouvir réplicas".
60 - No seu quotidiano os trabalhadores vivem repartidos
na tensão entre a hetero-organização e a auto-organização, e qualquer ruptura
com o capitalismo, por mais simples e humilde, pressupõe a criação de um
espaço, ainda que reduzido, de auto-organização.
61 - Capital
transnacionalizado. “Uma parte muito
considerável do comércio mundial, que as estatísticas continuam a apresentar
convencionalmente sob a forma de transacções entre países, é na realidade
constituída hoje por transferências de bens e de serviços dentro das mesmas
empresas transnacionais”. Cita dados de trabalho que variam entre 33% a 66%
de certa forma. Isso na década de 90! Hoje pode/deve ser maior ainda.
62 - A estratégia
nacionalista, de aliança com burguesia local, cada vez mais perde o sentido
nesse contexto de “imperialismo multinacional”, inclusive porque “através da difusão da subcontratação e da
terceirização, as empresas transnacionais associam a si os capitalistas dos
países onde investem, tanto os de grande porte como até microempresários, em
vez de os hostilizarem enquanto concorrentes”. Não pode vencê-la, junte-se
a ela e pegue sua parte.
63 - Empresas
coloniais extremamente poderosas (por vezes tendo exércitos e acordos próprios)
na África conseguiram a proletarização do povo africano através do “imposto de
palhota”, que poderia ser pago em moeda estrangeira, o que obrigava muitos a
venderem sua força de trabalho, ou em matérias primas para suas indústrias, o
que alterava drasticamente as plantações gerando danos às coletividades.
64 - Trechos fantásticos: Marcelo Caetano analisou este problema sem rodeios nas lições de
administração colonial proferidas na Universidade de Lisboa e publicadas em
1934 com o título Direito Público Colonial Português: «O imposto indígena não
deve ser tão excessivo que represente uma espoliação e suscite revoltas; mas
não há-de ser tão baixo que o negro o possa pagar sem modificar os seus hábitos
de vida. É que justamente um dos fins que se procuram atingir com o lançamento
do imposto é o de obrigar o indígena a trabalhar de modo a produzir não só o necessário
para o seu sustento como ainda o que tem de entregar ao Estado. O pagamento do
imposto pode exigir-se em trabalho, em géneros ou em dinheiro. A cobrança em
trabalho é uma das formas do trabalho obrigatório. O pagamento em géneros não
satisfaz, em regra, o fim civilizador que se pretende atingir e retarda a
introdução do uso da moeda metálica. É o pagamento em dinheiro que se deve
preferir, pois para o obter há-de o indígena trabalhar ao serviço dos europeus,
ou transaccionar os seus produtos nos grandes centros comerciais da colónia.
Além disso, não tem comparação a comodidade que a cobrança em dinheiro
representa para o Estado e a que adviria da cobrança em géneros». Já o
relatório de uma das subcomissões de um congresso reunido em Lisboa em 1911 e
1912 por iniciativa da Sociedade de Geografia havia afirmado com notável
concisão: «Obrigar, pelos impostos directos, os indígenas nas colónias a
trabalhar, para poderem pagar o imposto criando-lhes quanto possível
necessidades que só pelo trabalho assíduo possam satisfazer».
65 - Conversão do
tempo “livre” - e talvez por isso este ainda exista em certa medida - em
“autoqualificação”: “A qualificação da
força de trabalho não pode ser obtida apenas durante os anos de formação
escolar, porque o progresso tecnológico é contínuo, e se os trabalhadores não
forem pressionados a adquirir novas aptidões eles perderão muita da sua
utilidade para os capitalistas. Mas como conciliar o prolongamento dos períodos
de formação da força de trabalho com a necessidade de manter a duração da
jornada de trabalho? “ O toyotismo exige que o trabalhador ponha a cabeça
pra funcionar. Disso se extrai mais lucro.
66 - Algo a se
pensar. Ainda na linha da “domesticação” do tempo “livre”: “Para estimular a capacidade de raciocínio dos
subordinados sem pôr em perigo as instituições é necessário que ao mesmo tempo
que a inteligência seja adestrada ela seja alienada. Para isso servem a
televisão e os divertimentos electrónicos. Na sociedade urbana moderna, onde
estão radicadas as modalidades económicas mais produtivas, os processos de
pensamento individuais são continuamente condicionados e interrompidos pelos
meios de comunicação electrónicos. A televisão e o vídeo, além de estarem
ligados dentro de casa sem interrupção, invadiram os corredores dos centros
comerciais e os cais das estações de metro e das estações de comboios
suburbanos, quando não até o interior das carruagens. Pensar consigo mesmo, se
não é inteiramente impossível, exige pelo menos bastante coragem. “ Ainda é
2005 no texto, mas JB já se espantava com o fato de levarem celular para o
banheiro… Olha que ainda não tinha chegado o WhatsApp...
67 - Trata também
do potencial de vigilância eletrônica que cresceu enormemente. Câmeras que
identificam sujeitos, por exemplo, seguindo-os, o que ajuda tremendamente a
filtrar a enxurrada de informações.
68 - “As cerca de dez mil empresas de segurança
privadas existentes nos Estados Unidos nos meados da década de 1980 ocupavam
mais de um milhão de pessoas, aproximadamente o dobro das empregues pelas
polícias oficiais, e dez anos mais tarde o número de agentes de segurança
privados aproximava-se já do triplo do número de polícias, montando a mais de
um milhão e meio. Praticamente por todo o mundo ocorreu uma evolução idêntica.
Em 1997, no Canadá e na Austrália os efectivos da segurança privada
correspondiam ao dobro dos da polícia, enquanto na Rússia se tinham tornado
pelo menos dez vezes superiores.”
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