Bertrand Russell - A Filosofia Política de Locke

Texto “Bertrand Russell - A Filosofia Política de Locke":

69 – John Locke escreveu seu “Segundo Tratado” (o importante mesmo) em 1690.

70 – Robert Filmer considerava o desejo de liberdade como algo “ímpio”. O rei era um descendente de Adão e tal.

71 – "Os escolásticos subtis", diz Filmer, "para poderem colocar o rei abaixo do papa pensaram que o melhor modo era levantar o povo acima do rei, de modo que o poder papal tomasse o lugar do real." Cita o teólogo Belarmino que diz ser o poder secular conferido pelo povo (isto é, não por Deus) "e pertence ao povo, a não ser que ele o entregue a um príncipe"

72 – O poder divino de Filmer não resistiu à luta entre diversas classes na Inglaterra.

73 – O rei, na Inglaterra desse período, só era forte quando estava com a aristocracia ou com a classe média rica. Nunca quando estava só (ou seja, contra essas duas).

74 – Filmer perdeu (com sua tese do filho de Adão), porém, ainda consideramos natural aceitar o princípio hereditário no econômico e o rejeitamos no político. Interessante.

75 – Fala dos títulos de posse que ainda hoje são propriedades nos EUA devido ao Rei da Espanha da época de colônia. No Brasil, então...

76 – Russel acha o fato acima curioso e que talvez, no futuro, seja considerado ridículo como agora consideramos a hereditariedade política. A nação era vista como uma propriedade do rei.

77 – Locke acreditava numa lei da natureza. Que os homens viviam no “estado de natureza” e formularam o contrato social, instituindo um governo civil.

78 – “Pensava-se na Idade Média que a lei da natureza condenava a "usura". A propriedade eclesiástica era quase toda em terras, e os proprietários foram sempre devedores e não prestamistas. Mas com o protestantismo o apoio _ em especial o do calvinismo _ veio principalmente da classe média rica, mais emprestadora do que devedora. Por isso Calvino, depois outros protestantes, e por fim a Igreja Católica sancionavam a "usura". Assim a lei natural foi diversamente concebida, mas ninguém deu por isso. Muitas doutrinas sobreviventes à crença da lei natural devem-lhe a origem”.

79 – Não há muito de original nas teorias de Locke. As leis naturais já estavam em São Tomás.

80 - Fala que as idéias que surgem na hora errada ficam esquecidas. Quando o mundo está pronto, ressurgem com outro dono. Com Darwin foi assim. Ele defendeu o mesmo que Lord Monboddo há anos atrás.

81 – O estado de natureza de Locke era diferente do de Hobbes (ateu). Russel associa à “religiosidade” de John Locke.

82 – “Não é descrição da vida de selvagens, mas de uma comunidade imaginária de anarquistas virtuosos, sem necessidade de policia ou tribunais, porque obedecem à "razão", idêntica à "lei natural", que por sua vez consiste nas leis de procedimento julgadas de origem divina. (Por exemplo: "Não matarás" faz parte da lei natural, as regras de trânsito, não.)”

83 – “A grande objecção ao estado de natureza é cada um ser juiz da própria causa, porque só ele pode defender os seus direitos. Para este mal dá o governo remédio, mas não um remédio natural. O estado de natureza, segundo Locke, terminou por um pacto para criar um governo. Nenhum pacto termina o estado de natureza, excepto o de formar um corpo político. Os vários governos de Estados independentes estão agora no estado de natureza uns para com os outros”. Locke afirma que a regra que permite matar um bandido que queira usurpar a propriedade já estaria presente no “estado de natureza”.

84 – “Talvez a lei da natureza possa ter fim mais vasto do que o estado de natureza, pois a primeira ocupa-se de ladrões e assassinos ao passo que no segundo não há tais malfeitores. É uma clara inconsistência de Locke para quem ora tudo no estado de natureza é virtuoso, ora é preciso examinar o que deve fazer-se, no estado de natureza, para resistir a agressões dos maus. (...) Certas partes da lei natural de Locke surpreendem-nos. Por exemplo, os cativos em guerra justa são escravos por lei da natureza, que também dá a cada homem direito de punir, até pela morte, ataques a si ou à sua propriedade. Como não qualifica, parece que tenho o direito de atirar, segundo a lei da natureza, a uma pessoa que surpreenda em uma pequena gatunice”.

85 – “Nas relações entre Estados, como nota Locke, o direito "natural" é relevante. Em que circunstâncias pode ser justa a guerra? Como não há governo internacional, a resposta só pode ser ética, não legal; tem de ser como a que se daria para um indivíduo em estado de anarquia”.

86 – “Mas enquanto se mantém que há distinção ética entre acções justas e injustas podemos dizer: o direito natural decide de acções eticamente justas e injustas em urna comunidade sem governo, e o direito positivo deve quanto possível guiar-se e inspirar-se do direito natural”.

87 – Direitos naturais inalienáveis do indivíduo parece incompatível com a doutrina utilitarista (justo é o ato que promove o bem estar geral).

88 – Para Locke, o governo civil é contratual e puramente humano. Está rejeitada a teoria do poder divino dos reis. É uma teoria que serve aos interesses das classes que se opõem ao excessivo poder dos reis. Cita-se sempre a mercantil, porém, houve momentos que foi conveniente à aristocracia que contestasse esse poder real.

87 – Grotius foi o primeiro a desenvolver seriamente a teoria contratual. Porém, até há algo disso em São Tomás.

88 - “Certos escritores consideraram facto histórico o contrato social, outros uma ficção legal, para todos eles o importante era a origem terrestre da autoridade”.

89 – Para Locke, “poder político é o de fazer leis para regular e preservar a propriedade”. E o governo está limitado pelo contrato formado. Sua noção de democracia exclui os não-proprietários, mas e daí? (diriam alguns). Mulher também não.

90 – Locke defendia inclusive a repartição dos poderes, pois o soberano não pode, por exemplo, “se julgar”.

91 – “O pacto civil de governo só liga os que o fizeram. O filho tem de renovar o pacto do pai. (Isto segue-se dos princípios de Locke, mas não é realista...).

92 – Para Locke, o poder supremo esbarra, por exemplo, na propriedade. Fim de qualquer governo. Não se pode retirar a propriedade sem consentimento da pessoa.

93 – Num exército, pode-se punir com açoites tranquilamente, mas não com multas...

94 – Para o imposto, porém, Locke afirma que basta o consentimento da maioria do povo. Ora, por que não de todos? Para retirar a propriedade não é preciso o consentimento de todos? Incoerência.

95 – Como combater o poder tirânico da maioria? Locke não responde.

96 – Locke acreditava na teoria do valor-trabalho. 90% ao menos vinha dele.

97 – Russel crê que a doutrina de Locke não explica muita coisa atualmente: “O princípio de que um homem tem direito ao produto do seu trabalho não serve em uma civilização industrial”. Não daria para mensurar o que cada um contribui numa empresa grande.

98 – “Algumas opiniões de Locke são tão singulares que não sei como apresentá-las. Diz que um homem não deve ter tantas ameixas que se estraguem antes de ele e a família as comerem; mas pode ter todo o ouro e diamantes legalmente permitidos, porque não se estragam. Não lhe ocorre que o homem das ameixas pode vendê-las antes de apodrecerem”.

99 – Locke crê que um governo (monarquia do seu tempo, por exemplo. Carlos I) que tenta governar sem o parlamente deve ser retirado inclusive pela força. O parlamente é um limite importante e defende a Constituição.

100 - "A força", diz ele, "não se opõe senão à força injusta e ilegal." Perfeito, caro Locke.

101 – Qual o problema disso? Vai um exemplo: “na guerra civil americana. Tinham os Estados direito de separar-se? Só a vitória do Norte decidiu a questão legal. A crença de Locke e de muitos escritores do seu tempo, de que um homem honesto sabe o que é justo e legal ou é compensado pela força das tendências de um e outro lado ou pela dificuldade de estabelecer um tribunal que exteriormente ou na consciência dos homens possa ter autoridade nas questões debatidas. Na prática essas questões, quando importantes, decidem-se pelo poder, não por justiça e direito.

102 – Mais tarde, após a Revolução, os juízes tornaram-se também um “poder”. Inamovíveis e tal.

103 – A aplicação das idéias de Locke de separação dos poderes foi variada nos diferentes países. Os EUA foram um dos principais entusiastas. Nos europeus, o parlamento meio que dominava.

104 – Russell defende um contrato social internacional. E não concorda com as disposições de Locke acerca da propriedade. Diz que os conflitos modernos se dão entre organizações e não entre indivíduos. A doutrina de Locke não resistiu à Revolução Industrial, considera.

 

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