Econ - Eleutério Prado - Explicações Para a Quase Estagnação no Brasil das Últimas Décadas

 

Eleutério Prado - Explicações Para a Quase Estagnação no Brasil das Últimas Décadas:


479 - Professor titular da FEA-USP. Texto de 2016. O crescimento médio da economia capitalista no Brasil foi de 7,4% durante cerca de 30 anos, entre 1950 e 1980, mas esse ritmo acelerado não se verificou nos 35 anos seguintes. Na verdade, contrariando a tendência até então verificada, esse ritmo caiu para apenas um terço dessa magnitude, tendo ficado em cerca de 2,5% entre 1980 e 2015. (Em termos de produtividade, a coisa foi muito pior ainda).

480 - Coloca Bacha (liberal) e Bresser (desenvolvimentista) como principais expoentes de explicação de cada corrente para tanto. A linha de argumentação marxista a ser apresentada, de modo diferente do que será feito nos dois casos anteriores, será construída por meio de uma combinação das teses de Luiz Filgueiras e de Adalmir Marquetti.

481 - Mostra um gráfico com taxa de lucro bem decrescente - não sei bem a metodologia: O primeiro deles, que dura de 1952 a 1980, é usualmente chamado de nacional-desenvolvimentismo (ND). Na perspectiva aqui abraçada, esse padrão é caracterizado sobretudo por uma taxa de lucro que se mantém bem elevada, ainda que cadente. Quando termina, advém um período de crise que cobre os anos 1980 e mesmo um pouco além, o qual aparece aí identificado por uma forte e decisiva queda da taxa de lucro.

482 - A partir dos anos 90: É bem evidente que a taxa de lucro se recuperou em parte nesse subperíodo, flutuando daí em diante sem, porém, conseguir atingir o nível que alcançara no primeiro.

483 - Observação: Luiz Filgueiras sugeriu que o termo nacional-desenvolvimentismo se tornou inadequado para caracterizar o padrão de evolução da economia brasileira após 1953. Sugeriu que deveria ser mais bem caracterizado pelo termo “desenvolvimentismo associado-dependente”, já que passou a ser dominado pelas empresas multinacionais.

484 - Critica Bacha e Bonelli: Na explicação que se segue, esses autores se concentram na oferta agregada porque admitem que a demanda agregada deve ser tomada como resultado do crescimento. E essa opção, como se sabe, indica que acolhem implicitamente a Lei de Say. (Não li Bacha, não posso confirmar).

485 - Na análise das informações contidas nessa tabela (de Bacha), em primeiro lugar, é preciso ver que a quase estagnação está aí registrada como uma queda abrupta da taxa de crescimento do estoque de capital (isto é, da taxa de acumulação), a partir de 1980. Se esta atinge em 1974-80 um máximo, isto é, 9,7% ao ano, cai doravante para valores bem inferiores, da ordem de 2,3% ao ano.

486 - Eleutério crê que o buraco é mais embaixo: A queda da relação produto-capital “v” – tal como se mostrará – pode sim ser associada à queda da taxa de acumulação, mas, para tanto, é preciso considerar essa relação como determinante, junto com a razão entre os salários e os lucros (aceitos como componentes do valor adicionado na economia como um todo), da taxa de lucro. Ora, esta última é uma variável econômica que nunca aparece explicitamente na explicação neoliberal...

487 - Bacha e Bonelli dizem, também, que os bens de capital no Brasil foram ficando mais caros e mundialmente não. Nosso modelo fechado se tornou inviável, a partir de 80, pelo preço do capital. Ao final concluíram: Nessa perspectiva, sugere, então, que “o estoque de capital foi usado de forma progressivamente mais ineficiente nos últimos anos”, que a força de trabalho no Brasil tem baixo nível educacional, que o “capital humano” não cresceu suficientemente, que a jornada de trabalho foi reduzida por opção política etc.

488 - Eleutério critica: Ademais, como se argumentou ao longo dessa assentada, a opção pela análise estática que resulta dessa prioridade cobra o seu preço: boa parte daquilo que chamam de explicações não passam de meras correlações; além disso, eles se obrigam a tratar certas condições do crescimento como as suas causas motrizes.

489 - Tal do novo desenvolvimentismo: Por um lado, baseia-se na macroeconomia de Keynes e Kalecki que privilegia a demanda agregada na determinação do funcionamento econômico no curto e no longo prazo, vendo em um de seus componentes, o investimento, aquele dispêndio que produz o crescimento. Por outro, pretende ser herdeira da tradição estruturalista que vê o desenvolvimento como um processo de mudança estrutural que abrange não só a esfera econômica, mas a sociedade como um todo, isto é, a sua base tecnológica, a sua forma de organização, assim como as suas instituições societárias e culturais. (...) o, acredita que é preciso administrar racionalmente o sistema econômico de tal modo a regular “corretamente” cinco preços macroeconômicos-chave: a taxa de lucro, a taxa de câmbio, a taxa de juros, a taxa de salários e a taxa de inflação. Dispensa, assim, desenvolvimento via Estado nos países de renda média.

490 - Em sua apresentação das causas da quase estagnação, Bresser-Pereira elenca, além daquela aludida no parágrafo anterior (intervenções estatais erradas), três outras que se nutrem desses dois pressupostos: a redução da capacidade de investimento do Estado em infraestrutura a partir dos anos 1980; o “desmantelamento do mecanismo de neutralização da doença holandesa” a partir da abertura comercial dos anos 1990; e a financeirização da economia brasileira após o Plano Real (Bresser-Pereira, 2015a e 2015b). A perda da capacidade de neutralizar a valorização ruinosa do câmbio manifesta-se de modo nítido na evolução das taxas de câmbio efetivas reais, apresentada no gráfico em sequência. (...) Desde os anos 1930 até os anos 1980, a política econômica, por meio de tarifas, subsídios, acesso ao crédito etc. onerava a exportação de produtos primários ao mesmo tempo em que protegia e incentivava o processo de industrialização.

491 - Intervenções erradas. Bresser coloca parte da culpa também no II PND: Para suprir a carência de legitimação democrática por meio do sucesso econômico, ele decidiu que seria necessário dirigir e comandar um vigoroso processo do crescimento, se necessário em marcha forçada. Passou, então, a administrar o câmbio e os preços das mercadorias produzidas pelas empresas estatais com a finalidade de controlar a inflação.

492 - Mais: o predomínio das finanças sobre a indústria, no caso do Brasil, tem exigido a manutenção das taxas de juros reais em níveis elevados, o que reduz o lucro empresarial esperado. Segundo Bresser-Pereira, eles são mantidos nesses níveis não para controlar a inflação como se alega, mas porque decorrem do “poder político dos capitalistas rentistas e financeiros” (2015b). A apreciação permanente da taxa de câmbio, por sua vez, também restringe a propensão a investir já que implica uma desvantagem competitiva para a indústria de transformação, à qual é considerada por essa corrente como o principal motor do crescimento econômico.

493 - Filgueiras sobre o Brasil (por sinal, não achei tão diferente assim de Bresser): Quase não produz, ao contrário, importa tecnologia dos países desenvolvidos. Quase não exporta capitais, ao contrário, toma dinheiro emprestado no exterior. Não tem liderança na produção de mercadorias tecnologicamente avançadas, ao contrário, ocupa um lugar secundário na divisão internacional do trabalho. Em consequência, transfere sistematicamente excedentes para o exterior mediante a troca desigual, assim como por meio da remessa de juros, royalties e lucros (Filgueiras, 2015b).

494 - A teoria que vem de Marx sugere que o principal determinante do investimento na produção de mercadorias é a taxa de lucro (Mais rigorosamente, seria necessário considerar a taxa de lucro líquida de impostos e do pagamento de juros. Mas essa informação não está disponível). Em consequência, o comportamento temporal da taxa de acumulação – vista aqui de modo aproximado por meio da taxa de crescimento do estoque de capital fixo – tem de acompanhar grosso modo o evolver da taxa de lucro – mensurada aqui pela massa de lucro menos a depreciação sobre o estoque de capital fixo.

495 - Divergência entre capital fixo/investimento e taxa de lucro: A taxa de acumulação atingiu um máximo em 1974, isto é, cerca de 14% ao ano, precisamente quando a taxa de lucro começara já a cair. Ora, a divergência se explica porque o elevado nível de investimento durante essa quadra histórica só foi possível porque ele foi financiado mediante um pesado endividamento externo, o qual cobrará o seu preço na década de 1980 por meio de uma crise de endividamento externo e inflação descontrolada que só será superada em meados dos anos 1990, com o Plano Real. Observação importante a respeito: O investimento pode evidentemente ser alavancado pelo crédito, mas este, no longo prazo, tem de ser reembolsado, não apenas no montante do adiantamento, mas num montante maior constituído pelo principal e pelos juros. Em consequência, como a própria crise brasileira dos anos 1980 mostra, ele exige ao fim e ao cabo do período de empréstimo que lucro efetivo tenha sido gerado em nível suficiente para que o reembolso possa ser efetuado, o que não pode ser frustrado impunemente.

496 - A queda às vezes parece baixa no gráfico, mas não é: Se o seu montante não parece tão baixo assim quando se observa o gráfico aqui reproduzido, veja-se que a taxa calculada é líquida num sentido restrito porque no cômputo da massa de lucro está excluída a depreciação, mas não o custo dos impostos, o custo do capital emprestado internamente (isto é, dos juros), assim como a transferência de excedentes para o exterior. E é apenas o lucro empresarial, em particular, o lucro retido pelas empresas (não gasto em consumo), que funciona como alavanca da acumulação.

497 - Eleutério: a participação do lucro no produto (w) reflete a repartição do valor adicionado gerado em cada período de tempo entre o capital e o trabalho, isto é, entre os proprietários dos meios de produção e os trabalhadores. A relação produto-capital (v), por sua vez, reflete o efeito da incorporação de tecnologia nos processos de produção, algo que depende, como se sabe, da própria concorrência dos capitais particulares que atuam aí inescapavelmente em busca de maior lucratividade. Decorre de Marx que: mantida constante a taxa de exploração, cairá a taxa de lucro conforme se eleva a força produtiva do trabalho nos processos de produção.

498 - Os estudos de Marquetti e seus associados mostram que, no período histórico analisado, a participação dos lucros no produto (w = L/Y), apesar das flutuações ao longo dos anos e das décadas, manteve-se tendencialmente constante. Se favoreceu um pouco mais os trabalhadores nos períodos de maior abertura política, privilegiou mais o capital nos períodos de fechamento, sem que uma tendência de longo prazo tenha se confirmado num ou noutro sentido.

499 - E o produto-capital? Marquetti nota que as mesmas três fases observadas na evolução da taxa de lucro aparecem também na evolução da relação produto-capital. Diante dessa evidência contundente, ele tira então uma conclusão inequívoca: “a evolução de longo prazo da taxa de lucro está principalmente determinada pela evolução da produtividade do capital”.

500 - Isso se deu pelo “crescimento tendencial da intensidade de capital e, assim, queda da relação produto-capital” dado o “aumento da produtividade do trabalho em consonância, ainda que com desvios menores e maiores no curto prazo, com o aumento do salário real”.

501 - Torna a criticar os “keynesianos”: parece não ter consciência do fato de que a crise de lucratividade a partir dos anos 1970 aconteceu de modo aparentemente concatenado em nível mundial – e não apenas no Brasil (Maito, 2016; Roberts, 2016, pp. 59-94). (...) Não concebe a financeirização como uma resposta propriamente capitalista para uma redução endógena da taxa de lucro, a qual foi produzida pela própria acumulação de capital. - Roberts, Michael (2016) The long depression – How it happened, why it happened, and what happens next. Chicago: Haymarket Books.

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