Valdemiro Xavier - Reintegração de Posse e Novos Marcos do Direito Urbanístico
“Reintegração de Posse e Novos Marcos do Direito Urbanístico”, de Valdemiro Xavier.
Introdução:
1 – Não cria uma dicotomia rígida entre “político e jurídico”. Quer desmascarar ambos. Estão escondidos na “Técnica”.
Quem és tu, cidade?:
2 – Santos: é muito antigo o problema da definição das cidades. Elas não surgem com o capitalismo industrial, como se poderia pensar.
3 – Atualmente, é preciso encarar a cidade como “uma localidade sujeita a interferência da grande lógica transnacional do capital”.
4 – Refere-se às lógicas que regem os espaços geográficos atualmente: a do capital especulativo mundial e a da competição.
5 – “Vislumbra-se neste ponto a “Esquizofrenia do Espaço”. Os lugares ao mesmo tempo em que são globais, sofrendo toda a influência da forma global de produção e de vivência, possuem características locais peculiares e particulares que podem contraditar a lógica global”.
6 – “Londres, por exemplo, precisa aproximadamente de 58 vezes sua superfície, apenas para suprir alimentos e fornecer madeira aos seus residentes. Para satisfazer todos no mundo da mesma forma que as necessidades dos Londrinos são atendidas, precisar-se-ia de pelo menos mais três planetas Terra” (O’MEARA, 1999, p. 139).
7 – Relata o fenômeno das mega e hiper-cidades. Serão responsáveis pela grande parte da explosão populacional nos próximos 50 anos.
8 – Nota que a urbanização brasileira continuou “explosiva” mesmo nos anos da “década perdida”. Assim, a urbanização não está necessariamente ligada a industrialização. Mike Davis coloca os ajustes do FMI como responsáveis pela redução dos “insumos agrícolas e da infra-estrutura oferecida pelos países de terceiro mundo aos seus respectivos setores”. A concorrência internacional teria, assim, expulsado o pobre e médio campesinato.
9 – “A insustentabilidade da economia cafeeira pelas mudanças das relações internacionais (mercado internacional de trocas) bem como a sua pouca rentabilidade (grande gasto dos excedentes na nova produção) geram a necessidade da adoção de um novo regime de acumulação”. Assim, as cidades voltam ao centro do poder decisório (pré-café) e mesmo econômico.
10 – Na década de 50, a lógica do capital transnacional “invade e modela os espaços urbanos brasileiros”.
11 – “A função do Estado é preliminarmente a dispersão das contradições e a manutenção das mesmas em níveis de tensão socialmente compatíveis”. Teoria dialética negativa do Estado capitalista (Sousa Santos).
12 – “Pode acontecer que o Estado mantenha simultaneamente em funcionamento agências administrativas vinculadas aos mecanismos de repressão/exclusão (remoção) e agências administrativas vinculadas aos mecanismos de socialização/ integração (urbanização), conforme expõe SOUZA SANTOS (1984)”. Afirma que isso é mais fruto da pressão popular (os diversos mecanismos. Cite-se ainda a omissão consciente com ocupações e favelas) que de perversões planejadas institucional.
13 – Refere-se às ZEPs. As grandes empresas transnacionais acessam esse “mercado do local de produção mais barato de acordo com a precariedade da legislação trabalhista e custo de produção”.
14 – As cidades competem entre si.
15 – Mega-cidade gera a mega-favela.
16 – “Os pobres urbanos têm de resolver uma equação complexa ao tentar otimizar o custo habitacional, a garantia da posse, a qualidade do abrigo, a distância do trabalho e, por vezes, a própria segurança (DAVIS, 2006, p. 39)”.
17 – Dificuldades das ocupações: “Em primeiro lugar existe um gasto com a construção dos barracos; custo de taxas a políticos, policiais ou “bandidos”; alimentação (pois os primeiros momentos da ocupação exigem vigilância); e, além disso, suportar todos os ônus da repressão física e ideológica desta forma de vivência fundamentada somente na lógica da exploração. Nas próximas horas pós-ocupação, todos os custos e esforços arriscados na empreitada podem se transformar em sucata, lixo e miséria pelos despejos forçados”.
Cidade do São Salvador da Bahia de Todos os Santos:
18 – A capital, como não poderia deixar de ser, era marcada pela burocracia. Era uma cidade “fortaleza-administração”.
19 – “As pessoas mais pobres constroem seus casebres ao longo das vias precárias. Posteriormente essas aglomerações, que seguiram os trilhos dos trens com a implementação do mesmo, irão formar o subúrbio ferroviário.”
20 – “Os proprietários majoritários da terra eram a Igreja e o Poder Público, existindo alguns poucos particulares com algumas glebas. Os demais tinham sua relação com o espaço mediado pelo aforamento, arrendamento ou cessões (além dos aluguéis). Em 1850 surge a Lei de Terras, que começa a substituir a lógica da enfiteuse pela lógica da compra e venda.”
21 – Século XX. Descreve os códigos de postura municipais. Indicava, “por exemplo, onde residiriam as classes baixas, a regulamentação de lotes e quadras na ocupação imobiliária”.
22 – “Assim, estão delineados quatro espaços dentro da cidade: O Centro Histórico, estruturado no século XIX e hoje caracterizado por um plano de reforma de caráter turístico com expulsão dos moradores antigos; O subúrbio, originado pelas ocupações realizadas em decorrência do surto industrial, atualmente, caracterizado pelo regime de aluguel e ocupação; o Miolo, derivado das ocupações, relocações do Poder público e destinado a receber os equipamentos coletivos depreciados socialmente e a Orla oceânica, que nasceu da migração do Centro para o sul da Península do Itapagipe, sendo acrescido pela gênese rural urbana das antigas fazendas ali existentes (região da Pituba, Amaralina, entre outros). Esta última sofreu intenso processo de urbanização (esgoto, água, eletricidade, etc.), já que foi destinada a receber a classe rica emergente”.
23 – Salvador escravista. Estima-se que 90% da população estava no limiar da pobreza.
24 – Relata a perseguição aos negros, seu modo de vida, seus territórios e identidades.
25 – Coloca que boa parte dos terreiros foi expulsa das áreas centrais para periféricas. Uma área dos terreiros serve como moradia para membros, o que contraria a lógica capitalista de uso do espaço, gerando perseguição.
26 – Cita o dique do Tororó como exemplo de “revitalização” realizada para expulsar os ritos negros, que agora só se dão de madrugadas, às escondidas.
27 – Anos 50 a 68: “Nesta fase, temos um Estado com uma iniciativa diferente, tentando seguir diretrizes de urbanização, embora continue atendendo interesses daqueles com maior influência dentro da conjuntura das relações de poder intrínsecas a ele. Podemos considerar como uma fase que combinou o binômio integração/ socialização com o binômio trivialização/ neutralização. Isto não quer dizer que não existiram relocações, mas comparado com o período a seguir, esta não foi a tônica do processo”.
28 – Nos anos 68-79, isso muda. Crescem os elementos repressivos. A idéia era conter qualquer ameaça à valorização dos solos urbanos.
29 – Coloca que a maior parte das ocupações ocorreu nos anos 80. Ainda que mais escondidas.
30 – Até se pretendia criar um mercado habitacional que atendesse às famílias de zero a três salários mínimos. Porém, logo ficou claro que, sem o governo, seria extremamente difícil. Os pobres não poderiam pagar.
“Cito e intimo os réus para a desocupação do imóvel”:
31 – No Brasil, os índios tratavam a propriedade não na sua concepção privatista excludente.
32 – Critica as audiências de justificação prévia nas ações possessórias. O princípio do contraditório e da autonomia das partes é reduzida à possibilidade de contraditar testemunhas da parte autora (depende-se ainda da bondade do juiz). Usa-se o procedimento dos arts. 861 a 865 por falta de alguma regulamentação explícita e tal.
33 – É desproporcional aplicar esses artigos, afinal, caso as famílias sejam expulsas de sua moradia, os danos são imensuráveis. Devem ter a ampla defesa. Ademais, serviria à economia processual, diminuindo o número de agravos e mandados de segurança.
34 – Coloca que o pressuposto do direito deve ser a existência humana.
35 – Necessidades vitais não se confundem com preferências, desejos e necessidades artificiais (ou seja, causadas pela própria lógica do sistema). São as autônomas a nossa vontade.
36 – Estão diretamente ligadas ao direito à vida e liberdade.
37 – O termo necessidades vitais é preferível em relação ao “direitos fundamentais”. O primeiro é o conteúdo do segundo, podendo inclusive dar um significado mais concreto. O sistema jurídico até tenta incorporar isso. Hoje fala-se na “eficácia horizontal” desses direitos.
38 – Fala da indivisibilidade dos direitos fundamentais. Que não se pode atender aos direitos individuais sem levar em conta as necessidades vitais. O coletivo. Não precisa prometer “direitos de nova geração” e coisa e tal. Sempre penso isso.
39 – Mesmo antes da lei de terras de 1850, era impossível (proibido) aos escravos e libertos o acesso à terra. A grilagem consentida “pré-lei” ocorreu para os brancos.
40 – Opõe, ao fim meramente especulativo, os direitos fundamentais-necessidades vitais dos não-proprietários. Cita o exemplo dos limites ambientais á propriedade.
41 – Desvincula a idéia de “função social” da de socialismo com uma citação clara de Orlando Gomes.
42 – Defende o direito à terra urbana dos não-proprietários, isso a fim de que se atendam os direitos fundamentais garantidos pela mesma Carta Magna. Assim, não entende a função social como algo simplesmente vinculado ao plano diretor e Estatuto da Cidade. Vai além.
43 – Relata como as propostas populares relacionadas à moradia foram podadas na Constituinte e depois (no Estatuto da Cidade). Foram 114 emendas.
44 – A TFP chamou o projeto original de esquerdista. Comparou a Cuba e URSS. Nada mais esperado.
45 – Traz o artigo segundo do Estatuto da Cidade como “novo marco no direito urbanístico”.
46 – Aponta que até José Afonso da Silva considera que a função social tem aplicabilidade imediata.
47 – A atividade especulativa do proprietário individual pode trazer riscos à sociedade de natureza difusa ou coletiva. Isso legitima o MP a propor demandas coletivas no sentido de postular ao Estado o cumprimento da função social da propriedade.
48 – O ônus da prova é do proprietário individual já que tem que prestar contas do dever-poder que exerce.
49 – Afirma que Salvador tende a receber, cada vez mais, pressão do capital turístico transnacional, que já expulsa (legalmente ou não) posseiros locais no Litoral Norte.
50 – Hermenêutica da profundidade de Thompson. “Achar” a ideologia que guiou o raciocínio.
51 – Haverá a análise formal: frequência dos elementos comunicativos (excluindo-se os conectivos, claro); busca das estruturas profundas (silêncios do discurso, incoerências e tal); levantamento dos modos de argumentar, de convencimento. Após, vem a interpretação: boa vontade de escutar o outro e questionamento próprio depois.
52 – Analisa-se sentenças em vez de acórdãos porque poucos são os processos que chegam ao segundo grau. Difícil a ocupação resistir a uma liminar. Ademais, não tem dinheiro para advogados privados e a defensoria é deficiente.
53 – Os termos invasão (não-jurídico, mas político) e esbulho (jurídico) são os mais usados para caracterizar os fatos. Sempre a valoração é negativa. Não se leva em conta o direito dos “não-proprietários”.
54 – Não há referências aos sem-tetos. Quem são. Seus porquês. Seus possíveis direitos. Nem se cogita nada disso. Tudo é visto do ponto de vista estritamente do proprietário.
55 – A única decisão que se dispõe a falar sobre o movimento é, no mínimo, tragicômica.
56 – Quanto à forma de argumentação; convencimento, utiliza-se apenas dispositivos infraconstitucionais. Não há nada de “novos marcos do direito urbanístico”. Mais especificamente usa-se os 926 e 828 do CPC.
57 – Só duas liminares, das nove, foram negadas. E apenas pela fragilidade das provas.
58 – Quase sempre coloca-se a força policial à disposição. 30% pediu para que “agissem com moderação”.
59 – Os “invasores” são tão invisíveis quanto a nova ordem constitucional e novos marcos do direito urbanístico. Ou seja, sequer se toca nesse assunto nas decisões. Reportagens de meio de comunicação (no mínimo, ideológicas) são tidas como “prova”.
Os Caminhos do mundo urbano:
60 – As sentenças não trarão mudanças. Favorecem a lógica do capital especulativo.
61 – Mesmo que o direito fosse implementado (os novos marcos), os problemas continuariam.
FIM
Comentários
Postar um comentário