Juarez - Breve Resenha do ‘Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil’ I

 

Breve Resenha do ‘Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil’

 

Ganhei o livro recentemente num amigo secreto. Ele não é bom, mas como o presenteador não sabia, o que vale mesmo é a intenção.

Embora eu tenha um pé atrás com intelectuais – vale ressalvar que é só um pé, afinal, dois seria algo mais perigoso que nenhum, se é que me faço entender –, ganhei o livro por “ser” um deles. Isso pelo menos em tese, na classificação do amigo. Pois bem, devido a esse tal pé atrás, estou meio relutante em escrever essa resenha e mesmo divulgá-la. Por que vou fazer isso?

Bom, não resisti. É que uma coisa tem me incomodado nas duas últimas leituras que fiz (uma leitura dinâmica de trechos de uma dissertação de mestrado e a leitura do guia em questão), qual seja, a pretensão de trazer uma grande verdade que se propõe a derrubar muitas verdades. Noutras palavras, demonstrar, através de uma grande verdade – daí inclusive a tentativa generalizante dessas obras – quão frágeis são uma série de verdades razoavelmente bem aceitas. O problema é que “a grande verdade”, por vezes, sai mais frágil que as “verdades razoavelmente bem aceitas”, ainda que muitas destas últimas sejam realmente frágeis.

Sei que toda obra tem um pouco disso tudo que falei – e, às vezes, é até bom que tenha -, mas algumas se pretendem um tanto demais, digamos.

Assim, se “guia politicamente incorreto” quer, em tese, que não aceitemos verdades mastigadas com facilidade, vou fazer o que ele me pede – com o próprio livro. Ademais, o fato do guia estar vendendo muito – por motivos óbvios, que não se relacionam à qualidade – meio que pesou na decisão de escrever sobre ele. Dá pra dialogar com muitas pessoas.

O fato mencionado acima (“vendagem”) também pesou na minha decisão sobre um dilema que surgiu ao folhear a obra: afinal, por que ler um livro que, numa breve folheada, parece conter uma série de erros que poderiam ser facilmente evitados se o autor procurasse algumas informações simples sobre uma série de assuntos do qual parece querer tratar?

Além da “vendagem”, tive outros motivos para continuar a leitura. Primeiro porque já fiz isso no passado (e devo fazer ainda, em momentos mais desatentos): chegar a conclusões fortes com dados, leituras e interpretações fracas, mas nem todas as conclusões estavam erradas (pelo menos até agora). Ou seja, nem tudo que o autor escreveu pode estar errado. Pode ser apenas que ele não esteja sabendo defender uma idéia ou outra. Como há algumas “idéias novas”, elas me interessam. Podem me atentar para pesquisas mais rigorosas no futuro.

(Se bem que esse último motivo é menor, pois também serve para outros livros que não vendem tanto.)

Outro motivo é que, como já ficou subentendido, é um livro que se fosse classificado como “progressista” ou “conservador”, estaria no segundo grupo. “Ora, isso é motivo para deixar de lê-lo, e não o contrário!” Pelo que tenho vivido até agora, eu até concordo com isso (não dá tempo de explicar o porquê agora), mas não quando se está há um bom tempo sem leituras desse tipo como estou. O presente veio numa época boa. Ademais, é natal e as pessoas estão ocupadas bebendo (fazem bem, pois poderiam estar lendo o “guia”...).

Explico melhor. Se eu quero e tento, ainda que não no nível de dedicação que pretendo empreender de 2012 pra frente, transformar positivamente a ordem das coisas, tenho que ouvir o pessoal que se mata dia-a-dia pra manter tudo do jeitinho que está, mesmo que isso signifique correr o risco de estar dialogando com pessoas que, em verdade, não querem dialogar, mas simplesmente manter um monte de gente em condições que lhe permitam, por exemplo, pagar baixos salários; controlar jornadas de trabalho etc. – ou mesmo pretensões mais simples, mas igualmente ameaçadas, como habitar espaço(s) privilegiado(s) ou algo do tipo. Como eu penso que nem todas as pessoas conservadoras, ou tendentes a isso, são assim, frentes de diálogo ganham relativa importância. Até o próprio autor do livro pode se encaixar ou não no que falei.

Ainda sobre esse assunto, uma das qualidades do livro é se posicionar politicamente de uma forma bem clara em várias ocasiões. Prova disso é o risível delírio final: “Viva o Brasil capitalista!”. Algo que faz quase tanto sentido pra mim quanto “Viva a Cuba comunista!”. (e, se for comparar, é capaz de Cuba ganhar, mas não me proponho a isso). Enfim, deixando de lado a briga de torcidas, vou tomar como pressuposto que o livro se leva a sério, afinal, provocações, por mais que não sirvam pra nada, não invalidam uma obra. Inclusive fiz uma besta dois parágrafos acima.

O estilo da minha “resenha” (não quero ficar preso àqueles modelos que a gente aprende em “metodologia” na faculdade) vai fugir um pouco ao meu preferido. Geralmente, não sou tão detalhista, mas o livro é quase uma coletânea de artigos – não estou falando mal dele com isso. Portanto, acho interessante dividir a resenha em capítulos (equivalentes aos do livro), mesmo que não goste disso. Ainda assim, não pretendo registrar aqui todas as minhas discordâncias e impressões, pois teria de escrever dias e dias – ainda não estou falando mal do livro, apenas esclarecendo que discordo de muitas coisas. Também pretendo usar um tom parecido com o do livro, embora também não goste disso.

Aproveitando os meus “ainda não estou falando mal do livro” do parágrafo acima, quero começar enfatizando algumas qualidades. Nada muito especial. Graficamente é interessante, a leitura é simples e ele tem boas táticas pra aguçar a curiosidade do leitor. Tudo bem que eu ficava meio decepcionado com o que ia lendo a cada “chamada” – que sempre geravam grande expectativa – mas o objetivo de prender a atenção, se existiu, foi cumprido. Bem, vamos ao primeiro capítulo.

 

Capítulo 1 – Ìndios

Pulei a Introdução (o comentário, não a leitura dela), pois ela é meio que um apanhado das pretensões do livro, que já foram parcialmente comentadas aqui. Faço apenas um acréscimo.

Muito convenientente, o título da introdução é “A Nova História do Brasil”. Bom, o “mal de Jesus Cristo” não é uma invenção do Narloch. Seja na direita ou na esquerda, há gente forçando a barra, quase diariamente, para colocar seus escritos como fazendo parte de algum movimento (ou até liderando este) que, em tese, simboliza o novo marco do calendário do conhecimento ou ciência X ou Y. Ademais, deve ajudar a vender, pois é muito comum em campanhas publicitárias de cervejas e políticos. Ora, descobertas como “a feijoada é européia” (um dos destaques da orelha do livro), embora tenha sua importância, não é sequer nova, muito menos essencial.

Vamos aos índios. Teoricamente, eu deveria ter pouco o que criticar aqui, por ser um tema que não cheguei a aprofundar, mas algumas partes do livro são ainda mais rasas. Ademais, este será o maior capítulo da resenha, visto que vou tentar sintetizar nele, os grandes defeitos gerais do livro.

Pra começar há um defeito que é, talvez, o mais recorrente e frustrante do livro. Trata-se do “mal da propaganda enganosa”, digamos. A introdução do livro dá a entender que terminaremos a obra com outros olhos sobre a história do Brasil e que uma série de fatos essenciais foram invenções ideológicas. Não é isso que ocorre. As “novidades” reais mesmo são referentes somente a fatos não tão importantes ao ponto de se falar numa “nova história” (e olha que realmente há erros no ensino de história nas salas de aula, tanto pra um lado como pro outro). Os dominadores continuam dominadores. O mesmo para os dominados. Entretanto, o livro vacila entre se contentar com isso, fazendo ressalvas não muito expressivas, ou tentar ver se não cola uma revisão.

Exemplo da primeira opção (ressalva não expressiva) neste capítulo sobre os índios são as exceções que confirmam a regra. Assim pra justificar afirmação de que os índios não foram vítimas indefesas (e alguém defende que eles foram?), o autor alerta que isso não significa “negar as caçadas que os índios sofreram” (p. 33). Continua com afirmações do tipo “muitos índios foram amigos dos brancos, aliados em guerras (...)” e “(...) não houve só tragédias e conflitos durante aquele choque das civilizações”. É óbvio que a vida de todos os índios é mais que um filme de terror hollywoodiano de duração eterna, mas se caçadas, conflitos e tragédias – para usar as palavras de Narloch - são elementos “pra lá de significativos” desse “filme”, há uma clara relação de dominação e exploração aí. O mesmo vale para o exemplo dos “Souza” na página 42. Ao tratar dos índios que, talvez por instinto de sobrevivência mesmo (breve desenvolvo melhor essa reflexão sobre os “contratos” entre índios e portugueses), tenham se integrado à cultura portuguesa, Narloch festeja o exemplo por mostrar que o esvaziamento indígena não veio “só” de ataques e doenças...

Exemplo da segunda opção (ver se cola uma revisão) está, incrivelmente, na mesma página 33 – ou seja, não há sequer muito espaço entre as vacilações. Trata-se de uma citação de um trabalho – Narloch não especifica o tipo – de Maria Regina Celestino de Almeida (a citação é “os índios transformaram-se mais do que foram transformados”), que parece ter servido de base para toda a primeira parte do primeiro subtópico. Estranhamente, só são citadas as páginas 139-140. Não há qualquer problema usar poucas páginas do trabalho, mas o autor tira conclusões grandiloquentes para o pouco que afirma e traz. Assim, termina um parágrafo do subtópico referido com um emblemático “muitos índios deviam achar bem chato viver nas tribos ou nas aldeias dos padres. Queriam mesmo era viver com os brancos (...)”. Restam tantas perguntas após isso, que o afirmado torna-se pouco significante. Ora, “muitos” quantos? (ao menos saber se era a maioria). Como se sabe o que esses tais “muitos” “deviam achar”? O que significava viver nas tribos ou com os jesuítas? Em que condições se davam as outras opções? Alguém defende que os jesuítas eram “santos”? Qual o critério para se medir se os índios se transformaram ou foram transformados? Como se separa essas duas coisas? Quanto de dominação-exploração houve nessas transformações?

Enfim, é menos prejudicial à qualidade do livro quando o autor opta por tratar a obra como uma coletânea de ressalvas pouco significantes (a primeira opção), mas aí a leitura torna-se um pouco mais que uma curiosidade. Ocorre que o livro parece não ter condições de ser algo mais que isso. Falta seriedade a uma “coletânea de pesquisas históricas sérias” (pretensão declarada do livro), na qual não se explica porque uma pesquisa citada deve ser considerada séria, ou seja, não se diz de onde viria sua força. Chego a ter curiosidade de conferir a fonte citada para saber se a autora, nas tais páginas 139-140 também conclui tanto sobre um assunto tão delicado ou se Narloch quis ir além dela usando apenas ela!

Outro erro é apelar para o hollywoodianismo histórico. Ora, é claro que a chegada dos portugueses era uma grande oportunidade de contato entre povos (p. 34) e não era algo potencialmente nocivo em si mesmo. Também é óbvio que nem todas as consequências foram ruins. Mas importa muito mais o que aconteceu após o contato. Se uma civilização extraterrestre chega ao Planeta Terra e se põe a promover caçadas, conflitos e tragédias – termos de Narloch - sobre os habitantes do globo terrestre dificilmente um historiador que afirma que estamos ignorando o lado sensacional do rompimento do isolamento cultural estará fazendo a interpretação mais razoável do fato. Isso por mais que talvez muitos humanos sobreviventes tenham gostado da presença dos invasores e até bebido e dançado com eles. Aliás, a analogia “terráqueo-ET” serve pra compreender diversos momentos infelizes do livro.

E aqui entramos em outro ponto bastante grave da obra. O fato de portugueses terem feito alianças com tribos contra outras tribos não torna os primeiros menos culpados de nada. Aproveitar-se de rivalidades internas para conseguir boas alianças de guerra é tática usada por dominadores desde que a dominação existe e chega a assustar que alguém queira argumentar que essas mortes merecem ser atribuídas somente aos índios (vide título do subtópico)... Ainda mais quando, após a intervenção externa, ela passa a se dar numa escala mortífera nunca antes vista. Assim, o título “quem mais matou índios foram os índios” é quase tão infeliz – pra não falar da falta de seriedade mesmo – quanto um “quem mais maltratava os escravos eram os capitães do mato, os inocentes senhores só faziam um mero acordo ‘salarial ou de sustento’ com estes” (Narloch não disse isso, é apenas uma comparação, afinal, os índios, segundo o próprio livro, passaram a capturar inimigos para agradar aos portugueses escravagistas, eis que precisavam das mercadorias destes – p. 38). Aliás, alguém tem dúvida de que os alienígenas da analogia adotariam táticas de cooptação e aproveitamento das rivalidades locais (talvez até com direito a traição posterior de alianças táticas) se isso se mostrasse necessário? Ora, o homem continuaria sendo o pólo dominado do fato. Isso não quer dizer que o mesmo seja um boneco passivo.

O fato de se jogar bem um jogo (a guerra), não torna o jogo (a guerra) justo se esse jogo (a guerra, vale sempre lembrar) é injusto em si. A não ser que o autor considere a guerra um meio legítimo de sustento material mesmo quando um dos pólos não está passando por dificuldades de sustento ou algo parecido.

Algumas afirmações são extremamente estranhas. Baseado numa revista de “letras e culturas lusófonas”, Narloch coloca que os tupis-guaranis já haviam inciado o massacre por volta da época do Império Romano. Ora, um massacre que dura 1500 anos e não dá conta do recado dificilmente é comparável às “caçadas, conflitos e tragédias” empreendidas pelos portugueses. Não se trata de inocentar os tupis-guaranis, à época na condição de dominadores (se a fonte confere), mas não entendi em que isso “inocenta” os portugueses, já que uma das teses do livro é que nem sempre o estrangeiro é o dominador.

Ás vezes, a sensação que dá é que Narloch pretende passar a idéia de que os índios não podem responsabilizar os portugueses pelas tragédias, tendo em vista que também eles, índios, guerreavam. Na analogia do extraterrestre, algum “historiador pós-invasão” (humano inclusive) defenderia que os Estados Unidos, por exemplo, devido à sua conduta, teriam legitimado o extermínio de toda a raça humana por uma hipotética civilização com maior poderio bélico.

Aliás, essa lógica levada ao extremo só pode mesmo trazer consequencias terríveis pra qualquer civilização que se pretenda saudável. Parece uma “corrente do bem” às avessas. Se fulano faz algo ruim, eu posso fazer o que fulano faz (até numa proporção maior, já que o que importa é que fulano também fez). Se fulano joga lixo no rio, cicrano, que tem uma empresa, também pode despejar seu lixo industrial lá. E por aí vai.

A questão não é se índios ou portugueses são maus, bons, “menos malzinhos”, “mais ou menos malzinhos” etc. O que importa são os atos e suas consequências. E o fato é que a população indígena descresceu vertiginosamente com a presença portuguesa, com fins exploratórios (e planos bem claros para a população indígena). Epidemias, caçadas, conflitos, tragédias não são meras curiosidades históricas que servem para atestar um índice de maldade de um povo, mas sim fatos históricos com consequências extremamente graves que devem ser levadas em conta ao se discutir a luta dos indígenas no Brasil atual.

Talvez o pior problema do livro – nessa parte - seja o de imaginar uma espécie de contratualismo ingênuo entre índios e portugueses.

Ora, fazendo um joguinho de reflexão – artifício muito usado pelo livro – nota-se que não existe ‘contrato’ puro entre quem tem grande potencial bélico e quem não tem. No lugar de um chefe indígena, qualquer um não teria muitas dificuldades em aceitar um ‘acordo’ com o potencial inimigo mais poderoso se esse lhe oferecesse alguma paz temporária ou mesmo perpétua. É até uma boa maneira de se defender dele. Não há tanta liberdade assim nesse tipo de escolha, ainda mais quando o lado mais forte tem pretensões não muito escondidas, afinal, o próprio “objeto do ‘contrato’” era mão-de-obra escrava de outros povos indígenas. Se ambas as partes estão erradas (até pelo motivo de que o “antes eles do que eu” também não soluciona nada), a portuguesa é a determinante para as conseqüências já mencionadas.

E aqui é preciso prestar bastante atenção em alguns elementos emblemáticos da crítica que estou a fazer. O “contratualismo ingênuo” está tão impregnado no texto de Narloch – talvez pela inexplicável vontade de atenuar o fato do português ter promovido caçadas e escravizado índios – que o autor chega a escrever, por exemplo, que o os índios se mudavam para as vilas da sociedade mineira por iniciativa própria (p. 43). Mas isso na mesma frase em que coloca como um dos prováveis motivos para tal decisão o sentimento de ameaça com relação aos conflitos com os brancos nas suas aldeias. Ou seja, a tal “iniciativa própria” é pra lá de relativa.

Outras afirmações do livro em vez de afrouxarem as correias da exploração – como pretendem – servem, na verdade, para demonstrar como os portugueses tomavam decisões sobre a vida indígena. Exemplo é quando Narloch festeja a integração “índio-português” (p. 45-6) com o seguinte exemplo: “Na década de 1750, (...) Portugal resolveu transformar as aldeias indígenas em vilas e freguesias”. A frase é simplesmente sem comentários.

O livro também peca consideravelmente ao tentar fazer malabarismos com os números sobre descendência indígena. Uma das conclusões mais irrefletidas do autor tem a ver com a falta de reflexão sobre as causas da baixa autodeclaração indígena. Poucos “índios” se enxergando enquanto índios (p. 46) é algo que se relaciona justamente com a exploração que esses povos sofreram historicamente. O mesmo ocorre com a dificuldade que negros, por vezes, têm de fazer tal autodeclaração. Ou seja, o que era pra reforçar sua tese do “os índios não foram tão exterminados assim” (digamos), só a enfraquece. Inclusive o esmagamento cultural é algo que passa batido no “guia”. A questão não é se sobraram 325.000 ou 650.000, afinal, eram cerca de 3,5 milhões de índios a época do “descobrimento”. Esse número inclusive foi mencionado pelo mesmo geneticista que Narloch usa para defender que a alta presença de “DNA indígena” no sangue brasileiro é fruto de uma “integração” substancial. Trata-se de uma “integração” banhada com inúmeras mortes e aniquilamentos de traços culturais. Não importa tanto se o número é razoavelmente menor.

(Se me permitem, desde logo, outra analogia: do mesmo modo, uma ditadura qualquer que comete violências contra centenas de inocentes não se torna automaticamente “menos ruim”, digamos, porque outra foi além e violentou milhares.).

O subtópico em que trata das benesses advindas do rompimento do isolamento cultural tem algumas coisas interessantes a meu ver, entretanto, o autor faz o relato de uma forma em que parece que os índios nada tinham a oferecer aos portugueses devido ao fato de terem permanecidos isolados geograficamente do contato com outras culturas.

Quanto à parte “quem destruiu as florestas”, senti falta de dados. Se não me engano, a cobertura vegetal declinou aceleradamente com a chegada dos portugueses, mas o livro afirma que estes eram rigorosos protetores da floresta. Enfim, faltou mais estatística. O fato de existirem leis ambientais não prova nada. Basta ver como elas são ineficientes no Brasil atual.

Ainda segundo o livro, por algum motivo, seria injusto responsabilizar os portugueses pelas epidemais que exterminaram boa parte dos índios, pois isso é normal nos contatos humanos. Ora, não se trata de um simples “contato humano”. Trata-se de um grupo de pessoas que invadiu diversos territórios com objetivos bastante questionáveis, como por exemplo, escravizar povos indígenas. Por que esquecer esse detalhe o tempo todo? Alguém defende que isso é justo ou que não causou problemas graves posteriormente?

Mas a pior parte do livro é, de longe, a conclusão do subtópico que pretende inocentar os índios de matarem um bilhão de fumantes no século XXI, digamos. Narloch conclui dizendo que, assim como os índios não têm culpa na difusão do tabaco pelo mundo, os “outros” têm que deixar de ser responsabilizados pelos “problemas” dos índios. Claro, já que esses “problemas” certamente nada têm a ver com as “caçadas, tragédias e conflitos” citados no começo do capítulo pelo próprio historiador que parece, agora, querer apagar a história... (com quais objetivos?) Como se a questão das terras indígenas não guardasse nenhuma relação com a expulsão, temor e fuga causados pelas caçadas, por exemplo... Assim fica difícil não encarar o livro como mero panfleto ideológico. Nunca é demais lembrar como certas autoridades de tempos inclusive menos sombrios (ao menos em tese, o Segundo Império foi um período mais ‘avançado’ que os anteriores) viam a questão indígena:

(...) Índios de diversas tribos da raça puri, muitas das quais descem das selvas de Minas, e das cabeceiras do Moqui, na província do Espírito Santo, e das margens do rio do Castelo, e do rio Preto. Esta raça é uma das que se conhece mais fácil de ser domesticada, mais votada ao trabalho, e de melhor índole (...) (FERRAZ, Luiz Pedreira do Couto. Relatório do presidente da província do Rio de Janeiro, 1849, p. 52, grifo nosso)

A segunda pior parte do livro talvez seja o trecho em que Narloch pretende demonstrar que os bandeirantes não eram tão ruins assim. O título do subtópico (Os Bandeirantes Não Eram Heróis. Não?) é dos mais lamentáveis. Resumidamente, tudo que se faz é afirmar que os historiadores variam os números da matança de Raposo Tavares entre 15 mil e 150 mil, mas que a fonte em que ele mais confia pode diminuir o número para menos de mil ou menos de vinte mortes. Ademais, achou por bem acrescentar que os bandeirantes nem sempre matavam, mas às vezes faziam os índios se mudarem através de promessas falsas de melhoria de vida. Faltou explicar o que há de heroísmo nisso tudo aí e o motivo de chamar a matança de “aventuras de Raposo Tavares”. Afinal, passar por dificuldades na floresta ser motivo suficiente para qualificar alguém como herói só pode ser piada.


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