Marilena Chauí - O Que é Ideologia (Livro)

 Anotações Sobre “O Que é Ideologia”, de Marilena Chauí.

 

 

Parte 1 – Partindo de Alguns Exemplos:

 

1 – Aristóteles criou a Teoria das Quatro Causas Para Explicar o “movimento”, ou seja, “a realidade”. Hierarquizava as causas. A mais importante era a finalística (digamos). E a menos era a causa motriz, o trabalho propriamente dito, a realização. Imaginava que suas ideias explicavam a realidade. Na verdade, mais refletiam a realidade. Sociedade escravagista, desvalorização do trabalho.

2 – Na Idade Moderna, as explicações forma reformuladas. Agora, finalidade e “força matriz” combinavam-se na “máquina” homem. Valorização do trabalho, graças à ascensão da burguesia. Mais uma vez cai o mito da neutralidade objetiva e tal.

3 – A montanha é uma “coisa-para-nós”. Não há, de um lado, a “coisa-em-si” e, de outro, a “coisa-para-nós”, mas entrelaçamento do físico-material e da significação.

4 – Para Chauí, se o real não é constituído de coisas, tampouco o é de ideias ou representações das coisas.

5 - Ideologia em estado puro: “para esta última a realidade é constituída por ideias, das quais as coisas seriam uma espécie de receptáculo ou de encarnação provisória”. A consciência produz ideias e estas dão sentido à realidade. O empirista crê meio que no inverso. A realidade é um dado dos sentidos. É o que observamos e tal. O conhecimento da realidade se reduz à experiência sensorial.

6 – Segundo Chauí, o real não é uma coisa, nem outra, mas um processo. Interação homem-homem-natureza.

7 – “E, portanto, das relações sociais que precisamos partir para compreender o que, como e por que os homens agem e pensam de maneiras determinadas, sendo capazes de atribuir sentido a tais relações, de conservá-las ou de transformá-las. Porém, novamente, não se trata de tomar essas relações como um dado ou como um fato observável, pois neste caso estaríamos em plena ideologia. Trata-se, pelo contrário, de compreender a própria origem das relações sociais, de suas diferenças temporais, em uma palavra, de encará-las como processos históricos”.

8 – O real é o movimento incessante dos homens, a instauração de seus modos de sociabilidade, com a consequente produção de ideias e representações para explicá-los. “essas ideias ou representações, no entanto, tenderão a esconder dos homens o modo real como suas relações sociais foram produzidas e a origem das formas sociais de exploração econômica e de dominação política. Esse ocultamento da realidade social chama-se ideologia”. Ideologia me parece aqui um modo de limpar a história.

               

Parte 2 – Histórico do Termo:

 

9 – Aparece pela primeira vez no ano 1801 – Elementos de Ideologia, nome do livro do francês “De Tracy”. “Elabora uma teoria sobre as faculdades sensíveis, responsáveis pela formação de todas as nossas idéias: querer (vontade), julgar (razão), sentir (percepção) e recordar (memória).”

10 – Combina-se, na obra, fisiologia do corpo humano com “ciências morais” pretensamente dotadas de tanta certeza quanto as naturais. Obra antimetafísica. Critica perda de tempo com especulações vazias que justificam dominações políticas como as dos monarcas. No entanto, Napoleão tachou-os de “metafísicos”. Eles se consideravam materialistas.

11 – “Assim, a ideologia, que inicialmente designava uma ciência natural da aquisição, pelo homem, das ideias calcadas sobre o próprio real, passa a designar, daí por diante, um sistema de ideias condenadas a desconhecer sua relação real com o real.”

12 – Comte resgata o sentido dos “ideólogos” franceses, adicionando uma outra significação: “a opinião geral de uma época”. É a ideologia, conjunto de idéias, de cada fase do espírito humano (Comte).

13 - O lema positivista por excelência é: “saber para prever, prever para prover”.

14 – No positivismo, os sábios mandam (dominam a política), pois têm a teoria, que é o mais importante. Eles têm o espírito positivo (científico). Os competentes técnicos e administradores obedecem. Ordem e progresso. A prática não aparece como algo que gere conhecimentos novos e tal.

15 – Em Durkheim, a ideologia é o conhecimento desprovido da necessária objetividade (tratar dos “fatos sociais”). Separação “sujeito de conhecimento” do “objeto de conhecimento”. Para ele, “o ideológico é um resto, uma sobra de idéias antigas, pré-científicas”. São preconceitos, subjetividades...

16 – Durkheim critica o fato de, na Ideologia, a ciência ir das “idéias aos fatos” e não dos “fatos às idéias”.

 

Parte 3 – A Concepção Marxista de Ideologia:

 

17 – Hegel: o Espírito existe encarnado na Cultura (Estado, religião, arte, ciência, filosofia...). Ademais, o real é história.

18 – Em Hegel, os acontecimentos são o tempo.

19 - “A é não-A”. Só há contradição quando a negação é interna. A contradição (diferente de oposição, pois esta surge a partir de coisas que existem por si e podem se encontrar, não a partir de uma relação necessária) “move” a história.

20 – A contradição também surge da seguinte maneira: “Assim, o escravo é o não-senhor e o senhor é o não-escravo e só haverá escravo onde houver senhor e só haverá senhor onde houver escravo. Podemos dizer que o escravo não é a pedra e que o senhor não é o cavalo, mas essas negações externas não nos dizem o que são um senhor e um escravo

21 – As contradições não são um “dado do mundo”, mas sim produzidas pelo homem.

22 – Hegel: “A produção e superação das contradições revelam que o real se realiza como luta. Nesta, uma realidade é produzida já dividida já fraturada num pólo positivo e num pólo que nega o primeiro, essa negação sendo a luta mortal dos contrários e que só termina quando os dois termos se negam inteiramente um ao outro e engendram uma síntese. Esta é uma realidade nova, nascida da luta interna da realidade anterior. Mas essa síntese ou realidade nova também surgirá fraturada e reabre a luta dos contraditórios, de sua negação recíproca e da criação de uma nova síntese;”

23 – Hegel e as manifestações do Espírito: “Esse trabalho espiritual prossegue produzindo novas sínteses (novas culturas), até que se produza a síntese final. Esta é produzida no momento em que o Espírito termina seu trabalho, compreende que o realizou, que a Cultura é sua obra, e se reconcilia consigo mesmo”. Seria a maior forma de reflexão, a do Espírito, sujeito da História.

24 – Hegel e alienação: “Ora, quando a interiorização não ocorre, isto é, quando o Sujeito não se reconhece como produtor das obras e como sujeito da história, mas toma as obras e a história como forças estranhas, exteriores, alheias a ele e que o dominam e perseguem, temos o que Hegel designa como alienação

25 – O conceito, em Hegel, é a síntese operada pelo “Espírito” entre o “imediato-abstrato-aparência” e o “mediato-concreto-ser”.

26 – Dialética é a história movida internamente pelas divisões e negações. Em Hegel, a dialética é idealista, pois seu sujeito e objeto é o Espírito. A mudança é nas idéias.

27 – Para Hegel, o Estado constitui a unidade (síntese) final. A mesma que não foi resolvida pelo surgimento da família e, após, da sociedade civil. Estado como “Espírito Objetivo”. Seria a comunidade final pelo motivo de não possuir qualquer interesse particular, mas apenas os interesses comuns e gerais de todos.

28 – “O Estado é a Idéia política por excelência, uma das mais altas sínteses do Espírito. Nele se harmonizam os interesses da pessoa (proprietário), do sujeito (moral) e do cidadão (sociedade e política).”

29 – Dialética materialista de Marx: a contradição, motor interno de produção da realidade (história), manifesta-se não mediante faces do “Espírito” (ideias chocando com o exterior) e sim entre homens reais em condições reais. Luta de classes.

30 – Em (no método de Marx), “Trata-se sempre de começar pelo aparecer social e chegar, pelas mediações reais, ao ser social.” “Percorre o processo contraditório de sua constituição real”.

31 – “Ora, as análises de Marx revelam que o valor de uso é inteiramente determinado pelas condições do mercado”. Hã? Que parte eu perdi do “O Capital”?

32 – Dá um exemplo meio rasteiro para explicar as teorias do “O Capital”. Não que esteja errado caso se faça a devida compreensão, mas perigoso para quem nunca leu essa obra ou está tentado a pensar “Nossa, como esse Marx era burro!”.

33 – “Como colocar reflexão na matéria? É que a matéria de que fala Marx não é a matéria física ou química, a coisa inerte que não possui atividade interna. A matéria de que fala Marx é a matéria social, isto é, as relações sociais entendidas como relações de produção, ou seja, como o modo pelo qual os homens produzem e reproduzem suas condições materiais de existência e o modo como pensam e interpretam essas relações

34 – “Assim sendo, a reflexão não é impossível. Basta que percebamos que o sujeito da história, seu agente, embora não seja o Espírito, é sujeito: são as classes sociais em luta. As classes sociais não são coisas nem idéias, mas são relações sociais.”

35 – Para Feuerbach, a religião é a forma suprema de alienação.

36 – Marx. “Contra Feuerbach, dirá, em primeiro lugar, que não há uma “essência humana”, pois o homem é um ser histórico que se faz diferentemente em condições históricas diferentes; e, em segundo lugar, que a alienação religiosa não é a forma fundamental da alienação, mas apenas um efeito de outra alienação real, que é a alienação do trabalho”.

37 – Passa-se a se falar da alienação principalmente nas formas que já estudei em outros escritos: “reificação” e “fetichismo da mercadoria”.

38 – “(...) as ideias tendem a ser uma representação invertida do processo real, colocando como origem ou como causa aquilo que é efeito ou conseqüência, e vice-versa.”

39 – “A forma inicial da consciência é, portanto, a alienação. E porque a alienação é a manifestação inicial da consciência, a ideologia será possível: as idéias serão tomadas como anteriores a praxis, como superiores e exteriores a ela, como um poder espiritual autônomo que comanda a ação material dos homens”.

40 – Marx coloca a separação entre trabalho espiritual e trabalho material como algo essencial para que a consciência possa teorizar sobre o “real”, deslocando-se “livremente” da realidade. Gerar ideologias mais descoladas da prática. Segundo entendi, é isso.

41 – Fala-se da conhecida “Teoria do Estado” (digamos) na visão de Marx.

42 – “Sem as condições materiais da revolução, é inútil a idéia de revolução, “já proclamada centenas de vezes”. Mas sem a compreensão intelectual dessas condições materiais, a revolução permanece como um horizonte desejado, sem encontrar práticas que a efetivem. A história não é o desenvolvimento das idéias, mas o das forças produtivas. Não é a ação dos Estados e dos governantes, mas a luta das classes.” As condições materiais são uma massa de não-proprietários e o desenvolvimento das forças produtivas capitalistas.

43 - A luta de classes é o quotidiano da sociedade civil. A luta de classes meio que está em tudo segundo Chauí.

44 – As classes sociais estão relacionadas. Fazem-se umas às outras. O proletariado faz a burguesia. Burguesia é quem faz o proletariado. Ou seja, parece-me a tal da história da contradição.

45 – A divisão em classes inclusive aliena o indivíduo.

46 – “A ideologia burguesa, através de seus intelectuais, irá produzir ideias que confirmem essa alienação, fazendo, por exemplo, com que os homens creiam que são desiguais por natureza e por talentos, ou que são desiguais por desejo próprio, isto é, os que honestamente trabalham enriquecem e os preguiçosos, empobrecem”.

47 – Para Marx e Engels, “a alienação é um fenômeno objetivo (algo produzido pelas condições reais de existência dos homens) e não um simples fenômeno subjetivo, isto é, um engano de nossa consciência”. Desta forma, alertam que a “conscientização sobre a alienação” não é o que vai mudar alguma coisa.

48 – Em Marx e Engels, a teoria não está encarregada de “conscientizar” os indivíduos, não está encarregada de criar a consciência verdadeira para opô-la a consciência falsa, e com isto mudar o mundo. Neles, A teoria está encarregada de apontar os processos objetivos que conduzem à exploração e à dominação e aqueles que podem conduzir à liberdade. Percebemos, então, que a teoria – ao contrário da ideologia – não está encarregada de tomar o lugar da prática, fazendo a realidade depender das idéias.

49 – Teoria e prática. Relação dialética (e não ideológica). A teoria nega a prática a partir do momento em que não assume esta enquanto realidade dada, entendendo a prática como processo histórico, A prática nega a teoria enquanto “puro movimento de idéias”. Nega a teoria enquanto saber acabado. 

50 – “Isto significa que, em termos do materialismo histórico e dialético, é impossível compreender a origem e a função da ideologia sem compreender a luta de classes, pois a ideologia é um dos instrumentos da dominação de classe e uma das formas da luta de classes. A ideologia é um dos meios usados pelos dominantes para exercer a dominação, fazendo com que esta não seja percebida como tal pelos dominados.

51 – Chauí afirma que a ideologia é causada pela alienação. 

52 – Estado e Ideologia. Os instrumentos de dominação da classe dominante. A Ideologia tenta legitimar o Estado/Direito e manter os dominados sob controle.

53 – “A ideologia é o processo pelo qual as idéias da classe dominante se tornam idéias de todas as classes sociais, se tornam idéias dominantes.”

54 – Quando a classe dominante “racha” é algo conjectural. Basta a ameaça de tomada de poder pelos trabalhadores para que se reconciliem (se unam na “barricada”) rapidamente.

55 – Os trabalhadores são levados a pensar, devido a divisão social do trabalho, que “não sabem pensar” e que devem “confiar em quem sabe”.

56 – “Em uma palavra: as idéias universais da ideologia não são uma invenção arbitrária ou diabólica, mas são a conservação de uma universalidade que já foi real num certo momento (quando a classe ascendente realmente representava os interesses de todos os não dominantes), mas agora é uma universalidade ilusória (pois a classe dominante tornou-se representante apenas de seus interesses particulares)”.

57 – O perigo da “coisa acima” é que cada vez se avança mais e fica mais difícil sustentar a farsa da universalidade, pelo que entendi.

58 – Discordo de que a divisão social do trabalho entre os que “pensam” e os que “executam” tenha muito importância. O que importa mesmo é dividir o mundo em proprietários e despossuídos. Mesmo que todos “teorizassem amplamente” sobre o mundo, a classe dominante desempatava e goleava com os meios de comunicação e controle do Estado. Goleava é pouco.

59 – “(...) a ideologia é uma ilusão, necessária à dominação de classe. Por ilusão não devemos entender “ficção”, “fantasia”, “invenção gratuita e arbitrária”, “erro”, “falsidade”, pois com isto suporíamos que há ideologias falsas ou erradas e outras que seriam verdadeiras e corretas. Por ilusão devemos entender: abstração e inversão. Abstração (como vimos anteriormente) é o conhecimento de uma realidade tal como se oferece à nossa experiência imediata, como algo dado, feito e acabado que apenas classificamos, ordenamos e sistematizamos, sem nunca indagar como tal realidade foi concretamente produzida.” Inversão é efeito pela causa.

60 – A ideologia possui sempre uma base real. É um aparecer social. É o modo de ser social de ponta-cabeça. A base real é o modo como as coisas aparecem no sistema. Sem crítica, o trabalhador aparece como livre e igual ao patrão.

61 – “Para percebermos que a ideologia não é o mero “reflexo” invertido da realidade na consciência dos homens, basta nos lembrarmos do modo como Marx define a religião”. A religião não reflete o mundo. Se bem que não entendi bem essa discussão do: “ideologia não é reflexo invertido do mundo”. Ou melhor, não compreendi qual é a “base real” nesse caso aí. A não ser num conceito muito amplo de “base real”.

62 – Essa coisa de hegemonia (Gramsci) eu não entendi muito bem. Esse exemplo do taylorismo não me esclareceu nada. No exemplo do feminismo está mais claro, mas não completamente satisfatório.

63 – (...) “nascida por causa da luta de classes e nascida da luta de classes, a ideologia é um corpo teórico (religioso, filosófico ou científico) que não pode pensar realmente a luta de classes que lhe deu origem;”

64 – (...) “uma ideologia que fosse plena ou que não tivesse “vazios” e “brancos”, isto é, que dissesse tudo, já não seria ideologia. (...) falar em ideologia dos dominados é um contra-senso, visto que a ideologia é um instrumento da dominação”.

65 – Para Chauí, a contraposição se dá entre “ideologia” e “crítica da ideologia”. Entre “ideologia” e ao “saber real” que o trabalhador tem de sua exploração. O que me parece é que o conceito de ideologia talvez não seja tão necessário (sacanagem isso ao fim do livro, mas ok...), afinal, não é suficiente uma crítica ao idealismo?

66 – Não concordo com suas considerações sobre a família.

67 – A ideologia não tem história própria, no sentido de que ela é fruto das relações sociais e suas transformações, não possui, assim, uma lógica interna (não há uma evolução do “Espírito” ou algo do tipo).

68 – Definição de “idéias não-ideológicas”: “Compreendemos também como as idéias não ideológicas (aquelas que estão empenhadas em compreender a gênese ou história real) são capazes de ultrapassar o tempo em que são pensadas

69 – A ideologia cria sujeitos da história. Para a ideologia nacionalista, é a “nação”. Para a estadista, a ação dos governantes, as mudanças de regimes políticos e tal. Quanto ao outro exemplo dela, tenho ressalva.

70 – Termina com “Graças a esse tipo de história, a ideologia burguesa pode manter sua hegemonia mesmo sobre os vencidos, pois estes interiorizam a suposição de que não são sujeitos da história, mas apenas seus pacientes.” A história a que se refere é a que não documenta a luta dos “vencidos”, que trata os acontecimentos como feitos de “grandes homens” ou “grandes governos”,

 

                                                                                                                                                           FIM!

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