Texto sobre Mística e Lutas - Parte II

 (continuação)...


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202 - Nas décadas de 10 e 20, os anarquistas foram perseguidos por sua militância sindical e, acusados de subversão e outras figuras jurídicas, parcialmente extraditados do país. Cerca de mil tiveram desse destino.

203 - Passeios, piqueniques com bons vinhos, comemorações, jogos, espetáculos, representações teatrais, festivais em benefício de jornais. Assim era o sindicalismo da década de 00/10 (claro que com as lutas).

204 - Os eventos da época sempre combinavam discursos a bailes, poesias, peças.

205 - Mais tarde, futebol, outros esportes e cinemas também começaram a ser usados na “propaganda anarquista”. Bandas, canções, fogos de artifício.

206 - Poderia parecer “pouco político”, mas tudo isso servia, aos olhos das lideranças anarquistas, para criar vínculos fortes entre os operários e incentivar que esses praticassem a autoorganização (lazer agora, sociedade depois).

207 - “Cultura” e “política” eram complementares. A organização dava a mesma atenção a ambas.

208 - Organizar os “precarizados” (sem tetos e desempregados) tem três grandes desvantagens. Primeira, a de ter que pensar novos métodos de lutas que não a eficiente paralisação da produção. Segunda, a de não ter uma organização estável sustentada pelo dinheiro certo do trabalho, como é nos sindicatos com as contribuições sindicais. Terceiro, o fato da organização ter que se dar no local de moradia e não no de trabalho. Isso aumenta a “concorrência na disputa pelas reivindicações da base” - ONG’s, igrejas, tráfico, polícia, políticos…

209 - Ademais, como planejar o futuro e um projeto do mesmo se o presente já é tão incerto/precário?

210 - O desafio seria o de criar “comunidades éticas” (termo de Baumann, implica direitos e obrigações em comum e de longo prazo; meio que redes de solidaridade) e não meramente estéticas (ligações fugazes ao redor de algo; uma coisa mais “carnavalesca”). Um projeto comum de futuro.

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212 - Atribui parcialmente a decadência do movimento piqueteiro na Argentina à falta de uma identidade piqueteira para além do simbólico. Por isso que a ofensiva do poder hegemônico - “bolsa familia” de Kirchner” faz as bases minguarem. Como nunca estudei a fundo essa questão, não sei se concordo com ele, mas é bem possível.

213 - A tentativa de reorganização argentina trouxe novidades como a Frente Popular Dario Santillán, que tem grupos culturais - banda de militantes e uma espécie de bloco de carnaval.

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214 - A ditadura argentina matou 0,15% de sua população. 30.000 militantes.

215 - Os coronéis pára-quedistas franceses, os melhores combatentes em guerrilhas urbanas devido à experiência de tortura e assassinato de argelinos (contra a libertação da ex-colônia), treinaram os militares da Operação Condor. Pegavam helicópteros e jogavam homens com pernas cimentadas no mar. Na Argentina também se praticava muito “roubo de bebê” de militantes, para serem criados por militares.

216 - Tudo isso originou rituais coletivos de luta. Mães de desaparecidos (Plaza de Mayo) e avós de bebês roubados lutando por justiça.

217 - A década de 90 trouxe os escrachos da justiça popular contra os torturadores argentinos inocentados pela Anistia.

218 - A história do assassinato de Dário Santillán pela polícia em 2002 é terrível. Voltou para ajudar um amigo que morria, pediu “clemência” e um policial atirou e matou o rapaz. Os policiais já foram punidos, após grande ato e acampamento frente ao tribunal que ia julgar o caso, mas querem também a punição de Duhalde e do governador. No mais, houve encontros mensais na estação por anos e também o rebatismo não oficial da mesma. Volta e meia a empresa tira os adesivos e eles recolocam. Já há projeto de lei para mudar o nome.

219 - Apresenta as “canonizações populares” dos brutalmente assassinados como uma “revanche simbólica dos povos”.

220 - Nesse mesmo sentido, conta a história de Gauchito Gil, espécie de Robin Hood argentino do século XIX, cheio de devotos nas periferias.

221 - Define a mística como algo que se percebe, se sente, mas não é captado pela racionalidade; De toda forma, dá força para lutar. (aí que tá meu problema com a mística e de porque pensá-la quase como um mal necessário)

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Marco Fernandes (Passa Palavra) - Luta, Que Cura:

223 – Traz a experiencia de Fanon na FLN argelina. A luta armada teria o efeito terapêutico antes atribuído à religião. Um dos comentadores critica isso por entender que a histona mostra que processos revolucionários nem sempre conseguem, depois, desfazer os estragos da violência na formação dos sujeitos. Ou seja, tornam-se violentos mesmo depois da “libertação”.

224 - Caribé comentou que o efeito terapêutico tem o risco (quase certo) de durar “a novidade”. As ações positivas e as novidades trazem euforia. Quando as dificuldades e as primeiras derrotas vão surgindo corre-se o risco de voltar um desânimo ainda pior, do me esforcei e nada. Antes pelo menos não se jogava tempo fora.

225 - Alguns acham que a luta deve se pautar exclusivamente pela materialidade. Demandas simbólicas (se sentir parte de algo) tenderiam a criar vínculos meramente passageiros - fazer amigos, curar timidez etc. Pessoalmente discordo um pouco disso. Os motivos pelos quais alguém entra aos poucos numa luta podem não ser os mesmos pelos quais ela permanecerá, talvez pra sempre, nela. É uma analogia meio nada a ver, mas, pra eu me fazer entender a mim mesmo: os motivos pelos quais aprendi a tocar violão (curiosidade, desafio e passatempo) não são os mesmos pelos quais aprendi a amar e continuar a parada (prazer estático, sei lá, e divertimento tocando em grupos). Assim, penso que estratégias de “cooptação” são bem vindas. “Fazer amigos” só não pode ser o central da coisa.

226 - Manolo critica a ideia de que a mística (após reconhecer possível importância dessa ao, por exemplo, ligar as lutas do presente às do passado) possa ser de algum modo efetiva sem o principal, qual seja, um contexto em que não há um apassivamento cada vez maior da base, que passa a ter cada vez menos tarefas e decisões, combinado a um destacamento de minorias ativas concentradoras de técnicas e informações.

227 - Eduardo coloca que as “dificuldades psicológicas individuais dos militantes” devem ser abraçadas como problemas a serem discutidos e contemplados pela organização. Não dá pra separar coletivo e individuo e dizer “se vire” com isso que o coletivo é só pra aquilo outro (demanda material-objetiva).

228 - Eduardo faz ainda uma oportuna observação: “Sobre o interessante problema apontado pelo Manolo - essa “lei de ferro” de criação de uma elite de militantes em contraste ao esmorecimento da base -, posso apontar duas razões (entre outras) que podem estar por trás disso. Uma é a ênfase desmesurada sobre as conquistas materiais da luta, o que pode implicar frustrações. A outra é prima da primeira, que é a projeção da luta para uma “vitória final” (que consta até como verso da Internacional…), um tudo ou nada que, também, costuma acabar em frustração. Não quero, absolutamente, desprezar a importância das conquistas “materiais”: terra, casa, aprovação de uma lei progressista etc. Por outro lado, se a luta for, desde já, um espaço mais humano que queremos ver generalizado para o amanhã, e se considerarmos ganhos de auto-estima como conquistas, então talvez seja possível, no âmbito de organizações libertárias, diminuir essa tendência ao descolamento das bases.”

229 - Marco ressalta que num sarau todos têm direito de apresentar alguma arte, sendo por isso a forma ideal para as periferias. Apostava-se em diversas festas (qualquer desculpa servia).

230 - Um comentador anônimo se posiciona contra a mística por entender que reforçá-la é dar oportunidade ao adversário para usá-las também. Seria um arena de disputa em que temos mais a perder do que a ganhar, pelo que entendi. Ademais que as místicas seriam compostas quase sempre de promessas milagrosas de uma direção que não pode cumpri-las. Para ele, a mística seria o espaço da religião.

231 - Compartilha um texto que circulou numa rede de e-mails sobre mística, gerando muita polêmica no partido. O e-mail associa mística a manipulação irracional. Afirmando inclusive que isso sempre foi muito bem usado pelo fascismo. Penso que esses alertas, talvez exagerados, fazem algum sentido. Um grupo que se une principalmente em torno de mística “x”, pode ter essa mesma mística x usurpada por outro que queria usá-la, porém, para caminhos e objetivos bem diferentes. Perigo semelhante à tática do nacionalismo, por exemplo.

232 - Marco alerta para o perigo de se reduzir mística a meras encenações “cumpridoras de tabelas”, digamos. Ou manipuladoras. Ademais, observa que produção estética, formação de comunidades e práticas terapêuticas são mais “mundanos” que propriamente “sobrenaturais ou místicos”. Logo, a coisa toda não é tão “irracional” quanto se diz. Léo Vinicius vai em sentido parecido ao afirmar que o anônimo está confundindo imaterialidade como irracionalidade. Coloca que as demanas imateriais são efetivas sobretudo com os jovens, por exemplo.

233 - O debate entre os comentadores levam-nos meio a querer separar a existência de uma mística racional e mundana (que alguns imploram para que tenha outro nome) e outra mais irracional, que muitos vêem como influência de igrejismo, digamos assim.

234 - Na terceira parte do artigo, Marco compara processos de cura dos pentecostais e os da saúde pública em geral. Coloca que o povo elogia no primeiro o seu caráter abrangente - explica uma razão para tudo que o indivíduo está passando, inclusive afetivamente - e também o ambiente muito mais acolhedor e atencioso e não uma fria prescrição de condutas fundamentadas não se sabe nem em quê. O desinteresse do médico leva o paciente a crer que ele nem diagnosticou direito. Os pastores são, para alguns pesquisadores, “psicoterapeutas populares”.

235 - Óbvio, complementa, que as demandas imateriais do povo devem ser trabalhadas com equipes de pessoas da área de saúde (ele incluiu a psicologia).

236 - (Todo esse debate me faz abrir um parêntese pra pensar aquele texto que afirma que Marx queria educação separada para cada classe. Não estaria ele correto? Universidade pública, paga pelo povo que forma médicos, advogados, psicólogos que trabalharão, em sua maioria, para o mercado ou mera exploração do povo… Não seria melhor existirem cada qual com seu cada qual? Universidades públicas para formar ao menos profissionais para o povo e Universidades privadas dedicadas ao mercado? Em vez disso tenta-se misturar as funções das universidades públicas, mistura que vence quem tem mais força - na nossa sociedade é sinônima de dinheiro)

237 - Léo Vinícius observa que toda terapia, nessa nossa sociedade, é adaptadora. O máximo que ela pode fazer é minorar o sofrimento para que o individuo se sinta bem e viva melhor. Não adianta grandes pretensões.


FIM

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