PP - Textos Diversos XXIII (Pablo Polese)
Pablo Polese (PP) - A Redução
da Maioridade Penal Face à Indústria do Cárcere:
717 - Um simples olhar para as experiências
internacionais já serve, penso, como argumento contra a redução: a
imputabilidade de menores de 18 anos não trouxe, nos países que a implantaram,
uma redução dos índices de criminalidade. 42 dos 53 países “mais seguros” do
mundo tem maioridade penal de 18 anos. Como
bem colocou um comentador da questão “o único país rico que pune como adulto os
jovens é os Estados Unidos. Justamente o país rico com os maiores índices de
criminalidade”.
718 - O colapso do sistema prisional público é
portanto previsível, se já não uma realidade iminente, uma vez que a redução
demandará uma ampliação significativa do aparato estatal (mais policiais, mais
escreventes judiciais e juízes, mais Varas Criminais, mais delegacias, fóruns e
claro, presídios, que por sua vez demandarão a contratação de carcereiros,
faxineiros, serviços de manutenção das unidades etc).
719 - Temos
alguns casos em que não só o número absoluto, mas também o número relativo de
presos/habitantes é alto nos países de economia mais desenvolvida.
720 - Para Bruno, “do ponto de vista da
Constituição Federal, a privatização das penitenciárias é uma excrescência”,
totalmente inconstitucional, afirma, já que o poder punitivo do Estado não é
delegável. “Acontece que o que tem impulsionado isso é um argumento político e
muito bem construído. Primeiro se sucateou o sistema penitenciário durante
muito tempo, como foi feito durante todo um período de privatizações, (…) para
que então se atingisse uma argumentação que justificasse que estes serviços
fossem entregues à iniciativa privada”, completa. (...) Nos Estados Unidos,
explica, o que ocorreu com a privatização deste setor foi um lobby fortíssimo
pelo endurecimento das penas e uma repressão policial ainda mais ostensiva. Ou
seja, começou a se prender mais e o tempo de permanência na prisão só aumentou.
Hoje, as penitenciárias privadas nos EUA são um negócio bilionário que apenas
no ano de 2005 movimentou quase 37 bilhões de dólares. (“Quanto mais presos,
maior o lucro”).
721 - A matéria menciona, ainda, a questão de que
nos documentos da PPP (Parceria Público-Privada) que fundamenta o primeiro
complexo penitenciário privado brasileiro (que fica em Ribeirão das Neves/MG)
fala-se inclusive em “retorno ao investidor”. E não estamos falando de
migalhas: enquanto na penitenciária pública cada preso “custa” ao Estado
aproximadamente R$ 1.300,00 por mês, podendo variar até R$ 1.700,00, na PPP de
Neves o consórcio de empresas que venceu a licitação recebe do governo mineiro
R$ 2.700,00 reais por preso por mês e tem a concessão do presídio por 27 anos,
prorrogáveis por 35. Segundo o diretor de operações do Gestores Prisionais
Associados (GPA), consórcio de empresas que ganhou a licitação, o pagamento do
investimento inicial na construção do presídio se dá gradualmente, dissolvido
ao longo dos anos no repasse do Estado, já considerando-se a margem de lucro
dos investidores.
722 - Complexo de Neves: Mas há ainda um elemento novo
importantíssimo: a própria instituição fornece não apenas os serviços
odontológicos e médicos, mas ainda os jurídicos. Assim, a empresa interessada
em ter mais presos e presos por mais tempo é quem contratará e fornecerá os
defensores jurídicos dos próprios presos que lhe interessa continuarem presos,
pois são fontes de lucro. (...) Uma cláusula do Contrato é bastante elucidativa
da lógica por trás de tudo: o Estado se compromete a financiar o mínimo de 90%
da capacidade carcerária. Ou seja, supondo que a criminalidade baixasse nesses
30 anos da licitação, o Estado se compromete ou a prender pessoas para preencher
o mínimo de 90% da capacidade, ou a pagar por vagas não preenchidas.
723 - E ainda podem
selecionar presos! Para que não manche a eficiência da administração. Deixa os
problemáticos para o poder público. Podem até devolver presos rebeldes. No mais,
os presos limpam e mantém toda a estrutura.
724 - Se no mercado de trabalho comum nenhum
trabalhador pode receber um salário inferior ao salário mínimo, a LEP, por
outro lado, autoriza que os presos recebam apenas 75% de um salário mínimo, sem
nenhum benefício. Por conta disso a força de trabalho do preso sai até 54% mais
barata do que a de um trabalhador não preso assalariado e com registro em
carteira.
725 - Redução da maioridade penal: fornecimento de
um contingente maior de força de trabalho superexplorável, (...), em especial se
nos próximos anos o aumento da desproporção entre presos e capacidade
carcerária vir a levar o setor a um colapso (ainda maior que o atual) que virá
bem a calhar para as pretensões de gestores estatais e capitalistas de
legitimar a privatização do setor.
726 - Como convencer a todos:
E se os presídios privados, por conta dos
termos dos contratos e da vigilância de órgãos interessados, e
independentemente de saírem mais caros ou não, se mostrarem mais humanizados
(se é que é possível usar este termo para um presídio) do que os atuais, onde
as pessoas são atiradas e amontoadas em celas sem as mínimas condições de
habitação? (...) O que sei é que interessados nos lucros e na justificativa dos
lucros disponibilizarão celas proporcionalmente ao número de vagas disponíveis
(ou pelo menos mais próximo disso), ao invés da típica superlotação sem limites
que temos nos presídios públicos, e só isso já seria um avanço, por exemplo.
727 - Então por isso a provocação final no texto
(já que ser contra a redução da maioridade não dava pano pra manga e é
ponto passivo entre os leitores do passapalavra): será que defender que os
presídios sejam sim privatizados não seria nos posicionarmos pela mais-valia
relativa ao invés da absoluta? Recentemente tive uma discussão com uma amiga
sobre a legalização da prostituição. Em contraponto a ela eu defendi a
legalização – e portanto que se crie uma indústria da prostituição, com as
prostitutas e prostitutos tendo direitos trabalhistas e le carrálhe a câtre –
justamente a partir desses argumentos em torno dos benefícios que os mecanismos
de mais-valia relativa trazem. Afirmei que a indústria legalizada da
prostituição (já a ilegal existe há séculos) provavelmente facilitaria formas
de luta coletiva e legalizada contra os patrões – hoje cafetões que na prática
estão acima da lei e superexploram e abusam das prostitutas num grau bastante
“primitivo” de mais-valia absoluta… – e a luta por direitos básicos no próprio
serviço: que os clientes usem camisinha, que se possa negar o serviço a algum
cliente, que se possa exigir que o cliente tome banho, que se possa ter férias
remuneradas, 13º, licença maternidade, enfim, que se seja explorado e esfoliado
decentemente, como todo trabalhador.
Pablo Polese (PP) - Os
Dois Marx:
779 - A luta leva à aceleração
do desenvolvimento e, consequentemente, das contradições do modo de produção: Dardot e Laval defendem, portanto, que na
“lógica do capital” o próprio desenvolvimento capitalista “leva internamente ao
comunismo”, sendo a luta de classes tão somente uma peça que ajuda na
realização dessa tendência inscrita no próprio capital. Não se trataria de uma
teleologia histórica, ou ao menos não no sentido clássico: “em vez de um
finalismo unívoco a percorrer toda a história, haveria uma finalidade interna
operando em cada modo de produção”, ou seja, “cada modo engendra ou ‘está
grávido’ do modo seguinte”.
780 - Dá pra entender a
diferença de Marx e Foucault sem, talvez, precisar entender toda essa
explicação seguinte: Em Foucault como na
dialética, as essências não são dadas, mas vêm-a-ser por meio de relações, num
caso, processos de constituição, noutro caso. No caso de Foucault, isso leva a
não hipostasiar as subjetividades fora das relações e a falar em anterioridade
da relação sobre o relacionado. Nesse sentido é que as classes não preexistem
ao conflito (mas também não existem fora ou depois dele). Em Marx, seria
preciso dizer não que os termos “inexistem” antes do processo, e sim que estão
pressupostos – o que é muito diferente. Dizer que, antes da luta, as classes
estão aí, porém implícitas ou em si – e, correlativamente, que a luta significa
uma passagem ao explícito ou ao para si – não equivale a dizer que as classes
se constituem uma à outra na luta. […] Há, no núcleo do problema, um modo
diferente de se pensar a relação. Para Foucault, ela é anterior aos polos
relacionados, e estes só se especificam no interior dessas relações, cessando
de ser uma vez suspensas a relação; em dialética, o polo não apenas entra em
relação, mas interioriza a própria relação, suprime sua unilateralidade e dá
surgimento a uma figura superior. Evidentemente, já não se entende a relação
como “oposição” de forças (como não pensar no texto kantiano da grandeza
negativa?), universo ao qual Foucault se prende, mas como contradição, o que
implica a noção hegeliana de negação determinada e uma síntese operando no real.
(NEVES, 2014: 19) … Segundo Neves esse modo de relacionar Marx e Foucault foi
ponderado por Balibar: ... o que marca uma divergência irredutível [entre Marx
e Foucault] é a idéia mesma que Foucault propõe da estrutura do conflito
social. A divergência (…) diz respeito à oposição entre uma lógica da relação
de forças, da qual a ‘contradição’ não é quando muito mais do que uma configuração
particular, e uma lógica da contradição, da qual a ‘relação de forças’ é apenas
o momento estratégico.
781 - Em Foucault, há
múltiplas emancipações e inexiste a divisão da pré-história e história feita
por um sujeito redentor da humanidade: nenhum
dos polos da relação tem o privilégio de “encarnar a supressão da própria
relação de antagonismo”, ou seja, nenhuma das classes carrega em si a promessa
da emancipação do Homem, mesmo porque o Homem foi dissolvido em diversas
“subjetivações”.
782 - Dardot e Laval e
seu pessimismo com ponta de otimismo: O
único governo cuja atividade é um ponto de apoio para a emancipação é o que
ajuda praticamente à constituição do autogoverno.
783 - Defendem razão do
comum contra a competição e a co-produção. Não há representados nem dirigidos.
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