Marcelo Lopes de Souza (PP) - Cantariam Eles A Internacional

 

Marcelo Lopes de Souza (PP) - Cantariam Eles A Internacional:

592 - Marx nos Grundrisse: quem fabrica o piano é trabalhador produtivo, mas o pianista é improdutivo. Marcelo acha paia isso. Não por moralismo.

593 - A questão em torno da “burocracia” como uma classe, e não como uma simples “camada parasitária”, restrita ao Estado e apenas temporariamente no poder (interpretação trotskista), já havia sido entrevista por outros autores (como o polonês Jan Mikhaïski e o holandês Anton Pannekoek); mas aqueles que, a meu juízo, a trataram de modo mais sistemático, profundo e pleno de consequências foi Castoriadis e tem sido João Bernardo.

594 - O lumpem de Marx era pouco confiável e possivelmente reacionário. Diversamente de Marx, Bakunin não desprezou e nem estigmatizou os “lumpemproletários”. Seriam até mais “livres” por terem menos a perder.

595 - O Século XX deu menos razão a Marx, coloca. Daí a angústia de tantos analistas críticos, especialmente de figurino marxista, que passaram a buscar sofregamente, em outros grupos sociais − fossem os estudantes embevecidos com as palavras de Herbert Marcuse e por ele adulados, fossem os pobres do “Terceiro Mundo” exaltados por Frantz Fanon, fossem os camponeses e lavradores de que se tinham servido Mao, Castro e outros líderes revolucionários −, um sucedâneo para o “proletariado” que, como já se percebia, sem que se conseguisse admitir inteiramente, já não poderia mais ser visto, sem reservas ou ressalvas, como uma classe social privilegiada.

596 - Lopes perguntam aos que, decepcionados com os trabalhadores formais, se voltam a uma espécie de aposta no “banditismo social” como insurgente ou algo do tipo: Até que ponto a objetividade da exploração e da opressão faz fermentar, automaticamente, o caldo de cultura da emancipação e da luta antissistêmica?

597 - Propõe que se aceite o desafio de atuar não somente ou prioritariamente em territórios dissidentes animados pela classe média (como centros sociais em estilo europeu e seus equivalentes contraculturais à brasileira, por mais interessantes e válidos que sejam) ou por algumas dezenas de famílias de trabalhadores e trabalhadoras pobres apoiadas por indivíduos de classe média (como é o caso de muitas ocupações de sem-teto), mas sim em espaços segregados disputados por uma pletora de organizações e instituições (igrejas diversas, ONGs, tráfico de drogas de varejo, “milícias” etc.), espaços esses que são aqueles em que vive o grosso da população explorada e oprimida das cidades brasileiras.

598 - Comentador Pablo coloca que o pianista produz valor de uso e, por isso, é produtivo sim. (...) As passagens citadas de Marx são do Capítulo sexto inédito de O capital, e a ideia dos 4 níveis tirei do livro de Vinicius Oliveira Santos “Trabalho imaterial e teoria do valor em Marx”, onde Vinícius desenvolve os três primeiros níveis. O quarto nível é um acréscimo meu.

599 - Humanaesfera cita livro que discute produtivo/improdutivo e setor de serviços: Em “Os Resultados do Processo de Produção Imediato”, Marx argumenta que, teoricamente, todo o trabalho improdutivo pode se tornar produtivo, pois isso apenas significa que ele foi formalmente subsumido ao processo capitalista de valorização. No entanto, as atividades formalmente subsumidas são produtivas apenas de mais-valia absoluta. Para ser produtiva de mais-valia relativa é necessário transformar o processo material de produção para que seja passível de rápidos aumentos de produtividade (cooperação, manufatura, grande indústria e maquinário) – ou seja, passível de subsunção real. Quando economistas burgueses como Rowthorn falam de “serviços tecnologicamente estagnados”, eles sem perceber se remetem ao conceito de Marx de um processo de trabalho que foi apenas formalmente subsumido, mas não realmente subsumido.

600 - Marx e o lumpen no Capital: Marx considerou-o como pertencendo à chamada “superpopulação relativa”, mas teve o cuidado, ao levar em conta o que chamou de “o mais profundo sedimento da superpopulação relativa”, aquele que “vegeta no inferno da indigência, do pauperismo”, de incluir no “exército industrial de reserva” somente alguns de seus integrantes (os órfãos, os aptos para o trabalho), deixando de lado o “rebotalho do proletariado”.

601 - Marx e o lumpen no 18 de Brumário: Junto a roués arruinados, com duvidosos meios de vida e de duvidosa procedência, junto a descendentes degenerados e aventureiros da burguesia, vagabundos, licenciados de tropa, ex-presidiários, fugitivos da prisão, escroques, saltimbancos, delinquentes, batedores de carteira e pequenos ladrões, jogadores, alcaguetes, donos de bordéis, carregadores, escrevinhadores, tocadores de realejo, trapeiros, afiadores, caldeireiros, mendigos — em uma palavra, toda essa massa informe, difusa e errante que os franceses chamam la bohème: com esses elementos, tão afins a ele, formou Bonaparte a soleira da Sociedade 10 de dezembro.

602 - Marcelo prefere “hiperprecariado” e crê que possam ser mais que reacionários, como dizia Marx. Não cabem todos os “não-proletários” no conceito. Exemplos nítidos de exceção: pequena produção agropastoril de subsistência e quilombolas.

603 - Além disso, no Brasil a taxa de rotatividade no emprego passou, na década passada, de 45% para cerca de 54%, fenômeno que, como lembra Tatiana Tramontani Ramos, contribui para reduzir as indenizações trabalhistas e os depósitos do FGTS, pressionando para baixo os salários (RAMOS, 2012:111).

604 - Em sua maioria, o “hiperprecariado” — não diferentemente da maioria dos trabalhadores e das trabalhadoras pobres — estava lá, em junho de 2013, onde ele vive e, em parte, atua politicamente (comissões pró-melhoramentos, associações de moradores, “coletivos” e “coordenações”) há muito tempo: nas favelas, nos loteamentos de periferia, nas ocupações de sem-teto, e assim sucessivamente. Ele protestou, às vezes, nesses seus espaços tradicionais, que são seus ambientes imediatos e palcos de suas agruras; mas seus protestos, aí, não são novos: seja contra a brutalidade policial, seja contra a falta de passarelas para pedestres, seja por qualquer outra razão (e razões não faltam), ele também protestou durante a onda de protestos que em parte empolgou e em parte assustou várias cidades brasileiras em meados de 2013. Protestou, portanto, ainda que de modo renovado, na esteira da onda de protestos, contra temas que, de resto, frequentam, quando frequentam, as páginas policiais dos jornais, não as páginas políticas, como os abusos e os crimes cometidos pela polícia.

605 - Em São Paulo, em 20 de junho de 2013, em uma enquete conduzida pelo Datafolha com 551 entrevistas feitas na Avenida Paulista, na área central da cidade (margem de erro informada de 4% para mais ou para menos), 78% dos manifestantes relataram possuir grau de instrução superior (contra 24% da população do município em geral); 63% possuíam entre 21 e 35 anos de idade; 39% eram assalariados com registro formal (contra 34% da população do município em geral) e 22% eram estudantes (contra 5% da população do município em geral).

606 - Seriam os espaços segregados onde vive o “hiperprecariado” territórios dissidentes ou, pelo menos, como quer Raúl Zibechi, “territórios em resistência” (ZIBECHI, 2008)?

607 - Piqueteiros argentinos e sem-tetos brasileiros seriam alguns exemplos de tentativa de resistência numa lógica insurgente e até avançada em relação ao proletariado em muitos casos. 

608 - Thompson mudou a nossa maneira de definir “classe social”, a qual, para ele, não era uma realidade puramente objetiva (ou uma “estrutura”), mas sim um quadro de relações historicamente construído e historicamente mutável. (...) Para ele, “(…) a classe acontece quando alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõem) dos seus.”

609 - Seria o hiperprecariado armado recuperável para a luta? A pergunta parece embutir um preconceito, pois pouco se fala da classe média alta e afins como “recuperável”. Engels (filho de um próspero industrial alemão), Marx (de família pequeno-burguesa), Kropotkin (príncipe de nascimento) e Bakunin (também de origem nobre) não precisaram ser, também eles, “recuperados”, em um esforço de autossuperação?

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