Nicole Thé e G. Soriano (PP) - Na Primavera de 2016, Um Movimento Inesperado
Nicole Thé e G. Soriano (PP) - Na Primavera de 2016, Um Movimento Inesperado:
688 - Protestos puxados principalmente pelas entidades sindicais que não pelegaram contra uma lei trabalhista: Uma manifestação nacional foi chamada em Paris para o dia 14 de junho. A polícia planejou deliberadamente intervenções agressivas contra os manifestantes, para que o governo pudesse usar politicamente a “violência” perpetrada pelos casseurs (“vândalos”) e minimizar a presença de centenas de milhares de manifestantes nas ruas, tudo com a cumplicidade da mídia de massa, que seguiu servilmente a linha ditada pelo Estado.
689 - Um evento inédito ocorreu depois da manifestação de 31 de março: na agência sindical de empregos de Paris, onde o filme Merci Patron! (“Obrigado, patrão!”) estava sendo exibido, um grupo de manifestantes, liderado por François Ruffin, diretor do filme e editor da revista bimestral Fakir (ver aqui), propôs ficar na Praça da República para continuar o debate: Nuit Debout (“De pé à noite”) havia nascido.
690 - Resolveram ocupar a praça contra a lei trabalhista. As várias “comissões” formadas desde o início (“hospitalidade”, “logística”, “serenidade”, “primeiros socorros”, “cafeteria” etc.) reproduziram, com o passar do tempo, uma “especialização” de tarefas e uma divisão entre aqueles que pertenciam ao movimento e aqueles que usavam seus serviços. As comissões deram sinais de exaustão no final de junho, fator que influenciou muito o destino do movimento.
691 - Tentaram influenciar a CGT e outras sindicais a fazer greve geral. Prometeram, os sindicalistas, “dias de ação”. Passou a existir certo intercâmbio. Depois da manifestação de 28 de abril, esta comissão conseguiu realizar uma “assembleia geral” na Praça da República, tendo como pauta a greve geral. Ela atraiu muitas pessoas, e deu vez a que sindicalistas de base em luta (taxistas, ferroviários e trabalhadores dos correios), assim como membros de sindicatos filiados às duas CNT[2], puxassem greves rápidas e organizassem assembleias diárias em seus locais de trabalho. Porém, a regra foi certo imobilismo das bases e direção.
692 - Em maio, as duas tentativas de bloquear o porto fluvial de Gennevilliers foram rapidamente neutralizadas por policiais, e o bloqueio de uma loja de departamentos no subúrbio por algumas horas teve efeito necessariamente limitado, dada a falta de ligações com os trabalhadores da própria loja. Os bloqueios, em seguida, se espalharam ao se unir com as greves (em estradas e pontes, nos portões de portos e refinarias), mas a rápida intervenção policial reduziu seu impacto econômico a quase nada. A importância destas ações esteve mais no fato de que provocaram reagrupamentos transversais e deslancharam ações comuns.
693 - Na Praça da República, o assédio policial transformou-se num procedimento diário: depois de impor a desmontagem das estruturas durante a madrugada (oficialmente, para limpar a praça), as autoridades municipais de Paris proibiram a venda de bebidas (nos primeiros dias, a polícia encorajou vendedores ambulantes a ocupar a praça); em seguida, proibiram qualquer marcha na praça, permitiram o uso de som apenas até a meia-noite, e finalmente até as 22h. Todas estas decisões criaram múltiplas oportunidades para os policiais controlarem e revistarem pessoas nos caminhos de acesso à praça e nas saídas do metrô, e a assediar todos os visitantes do evento Nuit Debout.
694 - No começo, a solidariedade contra a repressão (contra prisões massivas no final de manifestações, ou durante ações de secundaristas) foi organizada com algum know-how, herdado das lutas ambientais e antiglobalização: presença permanente de advogados na praça, equipes de mobilização legal nas manifestações, encontros antirrepressão etc. Mas, posteriormente, estas iniciativas não se mostraram fortes o suficiente para fazer frente a multiplicação de prisões e indiciamentos.
695 - Foram três meses e meio de movimento!
696 - O fato de que qualquer um podia chegar e participar na assembleia geral ou nas comissões transformou a praça numa verdadeira ágora: a liberdade para organizar qualquer debate (mesmo se o fato de registrar-se numa comissão facultasse a seu tema ser anunciado oficialmente e beneficiar-se do sistema de som), tudo contribuiu para fazer de Nuit Debout um lugar político, no sentido pleno da expressão.
697 - A iniciativa se espalhou rapidamente pela internet (site do Nuit Debout, Radio Debout, Télé Debout) e teve uma expansão geográfica espontânea: apareceram Nuit Debouts em muitas outras cidades (com algumas ramificações no exterior), e também em alguns distritos e subúrbios de Paris, onde a proximidade existente permitiu articular a mobilização com questões mais locais, numa dimensão amigável. (...) É verdade que pouca gente do subúrbio esteve na praça.
698 - Apesar de todas as suas limitações, este movimento provou ser um grande aborrecimento para o governo.
699 - Em meados de maio, o movimento deu uma guinada mais aguerrida. Caminhoneiros bloquearam estradas perto de estaleiros e refinarias, como que num tiro de alerta, mas o governo rapidamente prometeu não tocar em suas horas extras – que chegam a metade de seus salários – e permitiu-os escaparem das condições gerais estabelecidas pela nova lei trabalhista.
700 - Narra, na última parte, uma série de greves, pré-Eurocopa, que foram debeladas rapidamente ou isoladas.
701 - Em Paris, por exemplo, os trabalhadores da limpeza pública entraram em greve, o que levou a prefeitura a terceirizar a coleta de resíduos sólidos a várias empresas, incluindo aquelas que já trabalhavam na capital.
702 - Governo agradava a alguns setores com reajustes e evitavam mais greves.
703 - Quando o projeto foi proposto ao Senado, a direita endureceu o projeto originalmente proposto pelo Partido Socialista: os senadores da direita exigiram a supressão da semana de 35 horas; os trabalhadores deveriam ser obrigados a trabalhar 39 horas por semana se o trabalhador assim o pedisse, 48 horas em caso de necessidade, e mesmo 60 horas em casos excepcionais. Nas empresas de pequeno e médio porte, passaria a ser possível assinar acordos individuais. A multa rescisória imposta pela justiça do trabalho não deveria exceder os 15 meses de salário em caso de demissão sem justa causa. Os aprendizes deveriam começar a trabalhar aos 14 ao invés dos 16. Num tal contexto, depois de a lei ter sido modificada e aprovada pelo Senado em 28 de junho, o Parlamento provavelmente votará pelo projeto que havia enviado originalmente.
704 - A CGT e a FO propuseram organizar uma “votação cidadã”, apresentada como meio para conseguir o apoio da população, pois seria, supostamente, “impossível” entrar em greve.
705 - 75% dos franceses eram contra a lei, mas não tomaram muito as ruas. O sindicalismo só colou de verdade no fim de maio. A animada linha de frente das manifestações era autônoma relativamente aos sindicatos. Incluía as pessoas mais dinâmicas, secundaristas ou universitários, sindicalistas ou militantes de organizações sociais, “nuit-deboutistas” e militantes autônomos e libertários. Porém… a linha de frente da manifestação escolheu enfrentar a polícia. Mas a presença de pequenos grupos acostumados a enfrentamentos contra policiais (mas que não ligavam para os riscos corridos pelos manifestantes menos experientes), que destruíam vitrines de bancos e lojas no final dos protestos como forma de “insurrecionalismo”, permitiu ao governo, com o apoio da mídia, apresentar as manifestações, principalmente, como uma ameaça à ordem pública.
706 - A repressão contra o movimento foi bem pesada: em apenas três meses, 1.900 pessoas foram presas, e mais de uma centena foi imediatamente julgada e condenada. A polícia experimentou novas técnicas contra os manifestantes. Estas técnicas não se voltavam para o “controle da situação”, mas sim a provocar os manifestantes, que eram cercados, bloqueados, divididos em vários blocos e… provocados até a fúria. Na verdade, tais técnicas contribuíram para aproximar os manifestantes não violentos daqueles organizados para o enfrentamento contra a polícia, todos compartilhando a mesma raiva. (...) O modo como a ordem pública tem sido gerenciada recentemente na França contrasta com as tendências observadas em escala europeia, e mesmo alguns especialistas em repressão criticaram os procedimentos policiais franceses[5]. Mas o significado político era claro: o governo passou uma mensagem ao movimento e mostrou uma capacidade repressiva superior aos meios tradicionalmente empregues pela direita.
707 - Única vantagem disso: Se na época da CPO21 em 2015, ou no começo do Nuit Debout, ainda era possível ouvir o slogan “A polícia está conosco”, ele desapareceu dos protestos.
.
Comentários
Postar um comentário