Julio Delmanto (PP) - Uma Ditadura Diferente da Nossa, Polaroides de Um Turista Em Cuba
Julio Delmanto (PP) - Uma Ditadura Diferente da Nossa, Polaroides de Um Turista Em Cuba:
433 - recém operado da vista, gabriel lê o jornal oficial granma com uma lupa na mesa do pátio interno da sua espaçosa e antiga casa na sempre tórrida santiago. diz que viu na tv os protestos contra dilma rousseff e pergunta se a presidenta de fato está envolvida com corrupção: aqui como nosso governo apoia fica difícil saber a verdade. pra ele, o melhor de cuba é a segurança: não temos drogas nem violência, todo está muy controlado.
434 - Narra a eleição de um delegado de subscrição do bairro. Mal havia candidato. Fez-se uma reunião de quinze minutos e não houve discussão de nada. Qualquer projeto. Pareceu um negócio bem apático.
435 - estou com boris e seus peixes de aquário assistindo uma aburridíssima partida de beisebol na sala de sua casa em holguín quando ele começa a falar das condições de vida em cuba e do que ele crê ser uma ditadura, na qual a propagandeada participação política seria uma farsa. mesmo sobre saúde e educação, pontos dificilmente criticados até pelos mais críticos, ele tem seus poréns, apontando que de fato há profissionais muito bons no país mas que eles não têm estrutura decente: relata o caso de seu sogro, que teve um problema anal e foi operado, tendo que se recuperar em um quarto com cinquenta ou mais pessoas dividindo apenas um banheiro. o jogo passava na telerebelde, canal estatal que agora é dedicado apenas a esportes e cujas transmissões são interrompidas após a meia-noite. pra marcar o encerramento, o canal toca o hino nacional, que boris acompanhou cantando com a naturalidade de quem o faz todos os dias.
436 - miel diz que su papá es muy agradecido a la revolución: era ascensorista antes dela, hoje é doutor honoris causa em economia. le quitaran la n, era ascensorista hoje é assessorista de parlamentares, relata expirando orgulho.
437 - carlos é licenciado em ciências do esporte, mas vive hoje de pesca submarina – nem sempre lícita -, de um restaurante na varanda de sua casa e de esporádicas corridas de táxi. (...) “a educação é boa, mas e depois o que faço com ela? você vai ver muito médico vendendo fruta de porta em porta. os doentes aqui estão bem, mas e o que acontece com os sãos?”
438 - Há relato de ter livros caros de graça na universidade, mas não ter sabonete em hospital.
439 - em cuba jineteros são os tipos que abordam os turistas tentando vender absolutamente de tudo e se possível dar algum tipo de golpe que lhes renda alguns trocados – as jineteras são putas. não qualquer puta, mas aquelas que se relacionam com estrangeiros, muitas vezes agenciadas por seus próprios companheiros. a prática é coibida e dizem que pode custar três, quatro anos de prisão: é bastante comum ver policiais ou militares pedindo documentos a cubanas acompanhadas de estrangeiros, coisa que não acontece quando se trata de um cubano com uma estrangeira.
440 - conta das discussões messi versus cristiano ronaldo quase diárias em seu bairro e também de como às vezes jogam com água esses jogos em que o perdedor tem que beber álcool, já que o dinheiro nem sempre alcança pro rum. pergunto se ele não quer bater uma bola no fim de tarde no estranho estádio que fica na praia da cidade, cada vez mais perto do mar, e ele recusa: se me machuco posso perder um dia de trabalho, não dá pra arriscar.
441 - Um critica a dificuldade de sair do país pra conhecer o mundo. Mesmo apoiando a revolução.
442 - Uma diz: “aqui não há violência mas tome cuidado com sua mochila porque habana vieja está cheia de negros.”
443 - mais um profissão faz-tudo, luís diz que sua família passou por uma grande injustiça depois da revolução: mesmo tendo ajudado os rebeldes com comida e abrigo durante os anos de combate, a reforma agrária posterior teria lhes tirado as terras de sua fazenda na região de santiago. meu avô morreu muito triste com isso, mas fazer o que né, as coisas mudam e há que se adaptar. pra ele, o caminho de mudanças que o país vem passando nos últimos anos é inevitável e positivo, e a normalização das relações com os estados unidos significará adaptações importantes na alimentação e nas comunicações do país. pergunto se isso fortalecerá a oposição e ele responde que não, tão convicto que parece óbvio.
444 - Diz que foi abordado por um senhor que chegou a oferecer charuto contrabandeado e depois cocaína quando ele disse que só fumava maconha.
445 - a televisão cubana é um bueno retrato do país, uma mistura de indisfarçável baixo orçamento, evidente manipulação e risível doutrinação com conteúdos bem interessantes, tudo isso com aquele indefectível tom de guerra fria que comemora sovieticamente o cumprimento das metas no plantio de açúcar com trombetas retumbando ao fundo.
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