Filosofia - Textos Diversos XL - John Molyneux - É a natureza humana uma barreira ao socialismo
John Molyneux - É a natureza humana uma barreira ao socialismo ou não:
17 - Mas há também pessoas que arriscam suas vidas pelos outros: oito metalúrgicos foram assassinados pelo exército durante a greve de Volta Redonda em 1988; em 1989 estudantes e trabalhadores permaneceram firmes na praça de Tiananmen (na China) diante dos tanques que os ameaçavam. (...) Além disso encontramos exemplos na vida cotidiana: pais que dedicam suas vidas para cuidar de seus filhos deficientes, trabalhadores que, desinteressadamente, optam por trabalhar em serviços sociais quando poderiam ganhar salários melhores em escritórios ou fabricas, a atitude generosa de muitas pessoas diante da pobreza e das necessidades sociais.
18 - Os motivos reais das guerras volta e meia são maquiados para ter o apoio das pessoas de boa natureza. Salvar o Kuwait. Salvar a Bélgica… (primeira guerra).
19 - A Rússia era, em tese, a terra da ignorância e da superstição. Pois bem: Esta revolução pretendia mudar o mundo: tomou as fábricas, repartiu a terra aos camponeses, livrou a Rússia da guerra imperialista, concedeu o direito à autodeterminação das minorias nacionais, decretou a completa igualdade legal da mulher, elegeu um judeu (Leon Trotski) como presidente de seu principal conselho operário e o colocou à cabeça de seus exércitos revolucionários.
20 - O que é natural muda com o tempo (o que me lembra passagens de Aristóteles): Para a maioria no século XVII a escravidão negra parecia uma regra perfeitamente natural: procedia da inferioridade natural inerente dos negros. Até a metade do século XIX, entretanto, a escravidão passaria a ser vista por uma ampla maioria como uma violação da natureza humana. Nos EUA esses dois pontos de vista sobre a natureza e os direitos dos negros coexistiram: um predominava no norte e o outro no sul. (...) Para o índio norte-americano a propriedade privada da terra era anti-natural.
21 - Para os gregos antigos, a homossexualidade era a forma de amor sublime. Para os vitorianos ingleses era degradante.
22 - Existe natureza humana, pois temos necessidades básicas e algumas características invariáveis, apenas com exceções que legitimam as regras.
23 - As coisas mudam: Quando os seres humanos transformam seu ambiente também se transformam a si mesmos e as suas relações com os demais; ao exercitar sua capacidade para satisfazer suas necessidades, suas capacidades se incrementam e se desenvolvem (...). Quando certas necessidades básicas estão satisfeitas, essas necessidades se ampliam e aparecem outras novas.
24 - O capitalismo, período muito curto na história humana por sinal, não nasceu de qualquer “natureza humana”. Dependeu da acumulação primitiva. Essa acumulação se fez às custas da escravidão de milhões de africanos e seu transporte às Américas, o genocídio de uma grande parte da população indígena das Américas central e do sul, a espoliação e empobrecimento da Índia e do extremo Oriente e de outras inumeráveis barbaridades. (...) Ademais, para o capitalismo e a classe capitalista estabelecerem seu domínio tiveram que desenvolver uma série de lutas revolucionárias violentas e guerras civis contra a antiga aristocracia feudal. Isso incluiu a decapitação de reis na França e Inglaterra.
25 - Tampouco é certo que o capitalismo faça do interesse dos indivíduo as força motivadora da produção. A força motivadora da produção capitalista é o lucro. Mas os lucros só existem para uma pequena minoria da sociedade que possui o capital. Para a grande maioria dos indivíduos o capitalismo representa a negação de seus interesses. Ademais, o capitalismo pede que trabalhadores e sindicatos não sejam egoístas.
26 - Freqüentemente os indivíduos mais oprimidos e alienados buscam compensar no local de trabalho ou na sociedade em geral a sua falta de poder e opressão abusando de outros ainda mais vulneráveis. (...) Nada disso é natural, nem é produto da natureza humana. É o produto de um sistema que viola a natureza humana.
27 - Na quase totalidade do tempo, a humanidade viveu sem classes sociais ou Estado. É meio loucura dizer que isso não é da natureza humana. Quer defender que o capitalismo é “mais eficiente”? Dá para discutir. Porém, o papo de natureza humana não cola.
28 - Tudo depende e a “natureza humana” dos caçadores-coletores, por exemplo, certamente é bem diferente da atual. Um bom exemplo são os !Kung San do Kalahari no sul de África que foram estudados de perto por antropólogos, especialmente pelo norte-americano Richard Lee. (...) Os !Kung vivem no deserto do Kalahari há pelo menos dez mil anos. Vivem em pequenos grupos de cerca de trinta pessoas, e translada seus acampamentos a cada par de semanas. Acumulam muitas poucas cosas materiais, unicamente o que podem levar com eles quando se mudam. Possuem, entretanto, uma rica cultura oral. Um conhecimento profundo de seu meio ambiente lhes permite conseguir um nível de vida diário razoável. A comida caçada ou coletada é compartilhada coletivamente pela comunidade. Lee escreve: O ato de compartilhar impregna profundamente o comportamento e os valores dos !Kung, dentro da família e entre as famílias. Assim como o princípio de lucro e racionalidade é consubstancial à ética capitalista, o de repartir o é à conduta social em sociedades coletoras. Os !Kung são muito igualitários. Não só não possuem uma divisão entre ricos e pobres, como também não possuem chefes ou líderes. Uma vez Richard Lee perguntou se os !Kung tinham líderes. "É claro que temos líderes," responderam, "na verdade somos todos líderes, cada um de nós é um líder sobre si mesmo."
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